“Fun is fun. And done is done.”
A vida possui um contraste extremamente tênue com a morte, porque pode se transformar nela em um piscar de olhos. À espera dessa única resolução possível, surge o medo, ou seja, o temor pelo desconhecido, pelo incompreensível. E como é tão frágil, a vida torna-se quase uma obra de terror, ansiosamente aguardando o seu término, o susto derradeiro que irá encerrar tudo o que começou e tudo o que nem ao menos começou. Alan Parker (Jonathan Jackson), nesse caso, é um jovem artista obcecado pela morte, ainda que temoroso pela sua natureza imaterial. Enquanto parte do seu ponto de vista, o enredo de Montado na Bala repensará, portanto, o interesse do personagem pelo mórbido, que advém do seu passado e experiências assustadoras. De certa maneira, porém, a curiosidade caminha em paralelo com a tensão, com a preocupação de um alguém que imagina possibilidades mortais para cada cenário. Na roadtrip que o personagem adentra, muitas mais irão aparecer, inquietando a sua trajetória, pois o fim reside em cada quilômetro rodado. Assim sendo, uma das características – ou problemas – mais notórias do longa-metragem irá explorar justamente essa contraposição de estados, sempre constante. Cada minuto promove uma sugestão de morte, uma possibilidade momentânea de passar de um andar para o outro. Cada carona soa ser um erro.
Entretanto, mesmo que tantas imagens macabras despontem no decorrer do filme, o resultado é surpreendentemente otimista no que tange essa tensa relação entre a vida e a morte. O destino do protagonista é aceitar a imprevisibilidade da sua jornada, ou seja, rejeitar os seus receios. Pois Alan é uma pessoa que teme viver, em prol do seu “conforto” – que está mais para solidão. Assim, a lembrança que possui com uma montanha-russa quando pequeno, estando junto de sua mãe, é a que mais retornará nas suas revisitas ao passado, ao passo que cruza estradas para alcançar o hospital em que ela está internada. Lá no parque, recusou uma experiência por medo, e hoje se arrepende. Montado na Bala tem, portanto, uma premissa bem simples e que se mantém simples, impulsionada, contudo, por elementos de horror que ajudam na explicitação do teor dramático e do arco narrativo proposto. Primeiramente, a mãe, que é vivida por Barbara Hershey, aparece, por exemplo, em várias alucinações no decorrer da obra, que reiteram a ansiedade do personagem principal. E, mais para frente, além das presenças esporádicas de um ceifador sinistro, David Arquette encarna um fantasma que antagoniza Alan. Dessa maneira, o quê sobrenatural – que vai surgindo de formas um tanto aleatórias, mas constantemente – está à serviço de um tema pessoal.
Como adaptação cinematográfica de uma história do conhecido escritor de horror Stephen King, os elementos do gênero aqui dispostos remetem muito ao autor. O carro de George, personagem de Arquette, é uma clara alusão à Christine: O Carro Assassino, por ambos serem do mesmo modelo: Plymouth Fury. Curiosamente, Mick Garris, embora experiente em basear seus projetos em King, mostra mais quantidade que qualidade na sua carreira. Estabelecendo uma noção enfadonha de expectativas quebradas, a dinâmica de antecipação é transformada em uma peculiar ferramenta com toques cômicos bastante problemática. Muitas obras terminam marcando a experiência do espectador por conta de um ponto ou outro mais relevante. Nesse caso, existe um vai-e-vem entre cenários: quando o telefone toca, Alan imagina ser sua namorada ligando. Mas o longa-metragem tem um trágico destino, porque reitera em demasia aquilo que teoricamente o elevaria além de terrenos genéricos. Garris provavelmente pensa que está sendo o cineasta mais legal do mundo com as tantas brincadeiras que constrói, como uma metalinguagem para além de desnecessária relacionada a um filme dentro de um outro. Pelo contrário, a sua direção ostenta um descontrole sintomático, que troca o desenvolvimento de personagem para se alongar pretensões em excesso.
Consequentemente, apesar do encerramento da obra conseguir trazer uma sensibilidade para resolver o relacionamento central, a execução é irreversível. O texto traz conversas pífias com analogias intermináveis acerca da montanha-russa, e algumas piscadinhas para o futuro – como a citação a vários artistas mortos prematuramente – apenas comprovam que essa inteligência toda de Garris não é concreta. Até mesmo o par romântico do protagonista é esquecido no meio da estrada. Os problemas estão presentes em enorme quantidade, mesmo a obra sendo simples. O maior deles, no entanto, é justamente a cansativa retomada das mesmas questões, esgotando todas as cartas possíveis – subitamente, por exemplo, aparece um corvo falante, à troco de nada. Enquanto as caronas eram mais efêmeras, porém, Montado na Bala conseguia sustentar uma paranoia instigante para o protagonista, se enervando a cada esquisitice percebida. A renovação era sentida em meio a figuras curiosas. Garris, portanto, nem mesmo compreende os seus pontos mais positivos, rapidamente optando por um contraponto entre o personagem de Jackson e o de Arquette – escalação questionável – que reitera uma mesmice por quase metade do seu longa. Pelo menos, você certamente nunca mais pensará, na sua vida, em pegar caronas com estranhos.
Montado na Bala (Riding the Bullet) – EUA, 2004
Direção: Mick Garris
Roteiro: Mick Garris, Stephen King
Elenco: Jonathan Jackson, David Arquette, Cliff Robertson, Barbara Hershey, Erika Christensen, Barry W. Levy, Jackson Warris, Jeffrey Ballard, Peter LaCroix, Chris Gauthier, Robin Nielsen, Matt Frewer, Simon Webb
Duração: 98 min.