Ah, que coisa gostosa é o quase inexplicável sentimento de nostalgia! Inexplicável, pois nostalgia não é a lembrança do que ocorreu, mas sim os resquícios da percepção que tivemos de alguma coisa ou algum período de nossa vida. Normalmente, essa percepção está longe da realidade.
A prova disso está no dia-a-dia. Quem nunca tentou ver um filme que adorava quando criança para somente quebrar a cara e descobrir que é, na verdade, uma porcaria? Quem nunca se lembrou com orgulho de alguma peça de roupa que usava, somente para ver uma foto e descobrir o quão pavorosa ela era na realidade?
E quem viveu os anos 80 pelo menos como um pré-adolescente talvez tenha esse sentimento mais arraigado ainda. Era uma época sem internet, sem celulares, sem esse frenesi absurdo da vida atual, mas cheio de coisas boas, ainda politicamente incorretas (haja paciência para o mundo politicamente correto em que vivemos hoje!) e culturalmente relevantes. Essa década representou o ápice da música pop (Madonna, Michael Jackson), dos filmes de ação (Stallone, Schwarzenegger, Norris), dos filmes até hoje completamente inesquecíveis (E.T., De Volta Para o Futuro, O Império Contra-Ataca, Platoon, Caçadores da Arca Perdida) e de uma infinidade de outras coisas.
E The Goldbergs é uma série que cultiva esse sentimento de nostalgia, que tira daí sua fonte de vida, sua razão de ser. Semi autobiográfica, a série conta as memórias de seu próprio showrunner, Adam Goldberg, membro mais jovem da família Goldberg, composta do pai, Murray (Jeff Garlin), da mãe Beverly (Wendi McLendon-Covey), da irmã Erica (Hayley), do irmão Barry (Troy Gentile) e do avô Albert Solomon (George Segal) e que tem o hábito de filmar tudo, com sua enorme câmera VHS. Mas calma, a série não é baseada no artifício da “câmera na mão”. É uma sitcom padrão, com algum uso desse elemento para enriquecer a narrativa e, ao final, nos créditos, comparar a série a filmagens verdadeiras da família, em um toque muito bem bolado.
O primeiro episódio, como todo bom piloto, estabelece as personalidades. O irmão mais velho é um irresponsável que quer porque quer aprender a dirigir e, claro, ganhar um carro. A irmã mais velha de Adam já sabe dirigir, já tem carteira, mas não tem um carro. Quem tem carro – vermelho e conversível – é o avô, que dá total atenção a Adam. A mãe, enquanto isso, tem enormes dificuldades em deixar os filhos criarem asas e se virarem sozinhos. O pai é daqueles que tenta ser invisível para não irritar a esposa.
A interação familiar é perfeita, graças à química sem igual entre os atores, especialmente George Segal que é uma simpatia só. Jeff Garlin e Wendi McLendon-Covey estão sempre em sintonia, assim como os atores mirins.
O trabalho de cenografia, reproduzindo em detalhes cada elemento dos anos 80, de brinquedos a televisões, de geladeiras a automóveis, é uma pérola e dá gosto de ver. Consegue ser mais eficiente e natural do que os cenários fechados e escuros da outra série saudosista That 70’s Show. O figurino e maquiagem acompanham a cenografia e vemos o cabelo armado da mãe, as roupas coloridas dos filhos e tudo mais que, de uma forma ou de outra, para o mal ou para o bem, marcou a década.
Mas será que a série funciona fora do saudosismo, da nostalgia? Tenho para mim que sim, pois os elementos que citei acima aliados a um roteiro afiado, com piadas bem colocadas, conseguem se desprender da década sem muito esforço. Mas é evidente que aqueles que efetivamente viveram os anos 80 terão mais a apreciar, mais a se identificar.
Uma boa sitcom da gigante oferta do Fall Season 2013, The Goldbergs tem potencial para divertir o espectador casual e cativar o oitentista de plantão, como esse que assina essa crítica.
The Goldbergs – 1X01: Piloto (EUA, 2013)
Showrunner: Adam F. Goldberg
Roteiro: Adam F. Goldberg
Direção: Seth Gordon
Elenco: Jeff Garlin, Sean Giambrone, Troy Gentile, Hayley Orrantia, George Segal, Wendi McLendon-Covey, Patton Oswalt (narração)
Duração: 22 min.