Apesar de toda a tecnologia hoje disponível, algumas experiências audiovisuais ainda não são passíveis de serem reproduzidas com a merecida qualidade em casa. Experimentar uma música ou um filme são experiências que já se tornaram, de uma forma ou de outra, “lugar comum” em casa. Home theaters cada vez mais incrementados permitem a reprodução quase que idêntica da experiência de escutar música ao vivo ou de ver um filme no cinema. Eu mesmo, defensor árduo da experiência de ir ao cinema, já abro mão de várias oportunidades para assim fazer, na expectativa de, em alguns poucos meses, assistir ao filme em alta definição. Como o ancião do Plano Crítico, apenas não consigo entender ou mesmo aceitar o hábito de se assistir filmes em telinhas de tablets ou, pior ainda, de telefones celulares. Apesar da modernidade aparente, isso parece mais um retrocesso.
Quando estive em Nova York em duas oportunidades diferentes, em 2009 e 2010, porém, tive a oportunidade de assistir a duas dessas experiências que não são passíveis de serem reproduzidas ou mesmo minimamente emuladas no conforto do lar. Foram os concertos das trilhas sonoras dos filmes A Sociedade do Anel e As Duas Torres, da trilogia O Senhor dos Anéis, com os próprios filmes ao fundo, no famoso Radio City Music Hall.
Não se tratou de uma orquestra tocando a trilha sonora da forma contida no CD, com apenas algumas cenas do filme ao fundo. Isso poderia ser, em tese, reproduzido em casa. O que vi foi a fantástica orquestra intitulada 21st Century Symphony Orchestra mais os corais The Collegiate Chorale e Brooklyn Youth Chorus e, ainda, a solista Kaitlyn Lusk regidos pelo maestro suíço Ludwig Wicki, tocando, no tempo dos filmes, as trilhas sonoras compostas por Howard Shore. Ao todo, eram mais de 300 pessoas no enorme palco do Radio City Music Hall, por toda a duração dos filmes (as versões cinematográficas, não as versões mais longas do diretor), com um enorme telão em que o filme era projetado.
Como o importante era a trilha sonora sendo executada ao vivo, as vozes e demais efeitos dos filmes foram levemente diminuídos de forma que fosse possível serem engolidos pela orquestra, especialmente nos grandes momentos da obra de Peter Jackson. Mas, espertamente, para que ninguém perdesse nada, as obras foram projetadas com legendas em inglês.
Talvez pela solenidade das ocasiões, não encontrei muita gente fantasiada. Além de alguns casacos ou camisetas com os logotipos dos filmes ou da peça de teatro (que não é baseada no filme, mas sim nos livros), vi apenas um Gandalf e um Bilbo Baggins. Tem sempre alguém disposto a “pagar mico” numa hora dessas.
Antes de iniciado o show de 2009, Howard Shore em pessoa dedicou uma hora aos fãs, conversando com o músico e escritor Doug Adams, que lançou o livro The Music of the Lord of the Rings Films, em 2010. A conversa não teve nada especial, mas foi um presente bacana aos fãs que, àquela hora, estavam no processo de chegar ao Radio City e se acomodar (vejam a foto que tirei dos dois acima).
Finda a conversa, às 19:30 em ponto, o concerto começou, para o delírio do pessoal. Ludwig Wicki regia a orquestra com perfeição, usando uma tela menor, em sua frente, com o filme e com “deixas” digitais para ele saber quando parar ou mudar alguma coisa. Não houve falhas. Tudo correu na maior perfeição e, apesar de não ser grande conhecedor de música, imagino que fazer o que ele e a orquestra fizeram não deve ser fácil, pois a música como está em um filme nunca é completa e começa e acaba de forma repentina. Brilhante.
Vale apenas lembrar que apenas a música da trilha sonora foi tocada, com uma exceção: o lamento por Gandalf que a solista cantou ao vivo. De resto, as músicas ouvidas pelos personagens no filme, como os tambores nas Minas de Moria, vinham apenas do filme projetado.
Ao final (final mesmo pois até as músicas dos créditos foram executadas), a orquestra, o maestro e Howard Shore foram aplaudidos de pé por longos minutos. Em seguida, Shore ainda ficou mais um tempo autografando os programas e CDs dos fãs.
No segundo show, em 2010, Howard Shore, infelizmente, não estava por lá. No entanto, o trabalho do maestro Ludwig Wicki repetiu-se sem maiores percalços, para um auditório absolutamente abarrotado de fãs, muitos, como eu, já com a experiência do primeiro. O destaque, em As Duas Torres, ficou mesmo para o coral de crianças e com seu solista mirim que era ovacionado a cada intervenção. No momento da chegada de Gandalf a Helm’s Deep, trazendo o sol e o exército comandado por Éomer, foi quase impossível segurar a emoção trazida em ondas pelas imagens e, principalmente, pelo magnífico crescendo da orquestra, que invadiu sensorialmente a platéia e, confesso, arrancou uma lágrima deste crítico.
Depois desses dois anos seguidos com dois shows quase que exclusivos (afinal, foram só duas apresentações de cada), os produtores perceberam que a ideia traria frutos e o primeiro filme passou a circular pelos Estados Unidos em um show itinerante. Isso e o fato de o Radio City Music Hall ter sido alugado por um longo tempo para um show do Cirque du Soleil acabaram impedindo que o terceiro filme tivesse sua trilha sonora executada ao vivo por essa fantástica orquestra. Uma pena.
De toda maneira, essas experiências, apesar de únicas, foram inestimáveis, contribuindo para aumentar minha apreciação – que já não era pouca – pelo trabalho de Howard Shore e de Peter Jackson.