Invasão! é uma saga pós-Crise nas Infinitas Terras da DC Comics que coloca os super-heróis contra os Dominadores, uma raça alienígena que forma uma aliança intergalática com sete outras raças (duas delas apenas como observadoras) para liquidar com os meta-humanos da Terra e secretamente criar um laboratório para a criação de seus próprios meta-humanos para fins de dominação total. Trata-se de uma história de roteiro simplista baseada em três edições-mestre de mais de 80 páginas cada – um formato incomum para quadrinhos e que remetem aos formatos especiais da Era de Prata – e a contaminação de praticamente toda a linha editorial da DC na época, em tie-ins em mais de 30 edições separadas.
Além do formato curioso escolhido para contar a história, que foi o primeiro trabalho de Bill Mantlo para a DC Comics depois de construir sua carreira na Marvel Comics, a narrativa prende o leitor por ser diferente do normal em seu primeiro número. Nele, o foco é exclusivamente nos Dominadores e nos demais alienígenas que eles convencem a formar uma aliança contra a Terra, planeta considerado como especialmente fértil na geração de seres super-poderosos e que podem ser ameaças ao universo. Durante quase a integralidade da primeira edição, vemos os Dominadores primeiro testando suas teorias em humanos aparentemente comuns escolhidos randomicamente e, depois, trazendo para seu lado os Okaara, a Cidadela, os Durlanianos, os Khúndios, os Psíons, os Daxamitas (a raça de Mon-El), os Gil’Dishpans e, mais famosamente, os Thanagarianos, a raça do Gavião Negro e da Mulher-Gavião. Além disso, eles suprimem a resistência de planetas favoráveis à Terra e criam uma masmorra estelar para manter todos os seus prisioneiros, inclusive Adam Strange, que se entrega e os Omega Men, que são derrotados logo no início, além dos sobreviventes humanos de seus experimentos sobre o metagene que eles reputam como sendo o responsável pela predisposição dos terráqueos a desenvolverem habilidades especiais.
A segunda edição, porém, não continua a boa narrativa iniciada sob o ponto de vista dos vilões galácticos e logo pula para o momento em que eles já dominaram toda a Oceania, continente que eles mesmo sabem – e deixam claro – que tem pouca incidência de meta-humanos (ele capturam o coitado do Demônio da Tasmânia que não faz nada a saga toda a não ser ficar preso…). A situação até poderia ser crível não fosse a completa ausência da ajuda de outros super-heróis, que ficam de braços cruzados esperado o aval de seus respectivos governos para agirem, aval esse que nunca vem, por receio de atrair mais ataques da Aliança. Se a saga abordasse um mundo sem meta-humanos, a lógica da estratégia faria sentido, mas não é o caso aqui, muito ao contrário. A inação dos super-heróis do mundo todo – notadamente os extremamente poderosos como Superman, Nuclear, Starman, Mulher-Maravilha, os Lanternas Verdes e outros – que observam a Austrália ser destruída e sua população dizimada como se fosse a coisa mais comum do mundo simplesmente não se encaixa dentro do conceito dos super-heróis das grandes editoras e fica parecendo justamente o que é: um arremedo de roteiro que não convence.
Não há preocupação alguma no trabalho de Mantlo e de Keith Giffen em criar desculpas plausíveis para o que (não)acontece e, a partir daí, a estrutura narrativa realmente degringola. Quando os Dominadores dão um ultimato à Terra para que entreguem seus meta-humanos em troca da cessação das hostilidades, a ONU decide ficar do lado dos super-heróis e finalmente passam a organizar a ofensiva sobre as batutas do Capitão Átomo, Amanda Waller e Maxwell Lord coordenando dezenas de heróis e, a partir de certo ponto, vilões. A coesão narrativa se esvai na medida em que o leque de personagens vai sendo aberto e em que a ofensiva se espalha por Cuba, União Soviética, Austrália e outros lugares (curiosamente, os EUA não são focados o que é até interessante, mas, em última análise, bobo), com um cada vez maior número de super-heróis obscuros com participações microscópicas, muito na linha do que vemos em Crise nas Infinitas Terras. A vontade de desfilar super-heróis é maior do que o roteiro consegue suportar e logo a história perde sua força e até mesmo qualquer nesga de senso de perigo ou urgência já que ninguém morre ou é capturado (com exceção do “importantíssimo” Demônio da Tasmânia…) ao longo dos combates.
Mas, como se isso não bastasse, a história efetivamente acaba no segundo número. Há um final apressado – com um ato de violência do Desafiador que simplesmente não combina com nada que veio antes -, um tanto deus ex machina e até mesmo um epílogo que lida com os novos aliados da Terra e o que é feito da Aliança agora desmantelada. Não havia razão para um terceiro número para a saga, número esse do mesmo tamanho dos anteriores. Mas ele existe e precisa ser abordado.
Ao longo da narrativa maior, uma história paralela que lida com um Dominador de casta inferior (todos têm círculos vermelhos na testa e os que têm círculos maiores são de castas superiores) que insiste que poderia acabar com a ameaça meta-humana com uma bomba genética que acabaria com os poderes dos super-heróis ao “desligar” o metagene. Ainda que a premissa seja interessante, a evolução dessa história é quase que uma nota de pé de página no arco maior, mas que repentinamente ganha o palco central no começo do terceiro número, com a detonação desautorizada da bomba na atmosfera da Terra depois que a paz foi alcançada. Depois disso, são exatas 26 páginas (eu contei, pois sou chato) somente lidando com os efeitos da bomba sobre diversos super-heróis, que perdem o controle sobre seus poderes e acabam entrando em coma. A narrativa simplesmente não anda. A mesma ideia é repetida exaustiva e unicamente para tomar espaço na edição e fazê-la alcançar as 80 e poucas páginas regulamentares. A leitura é extremamente cansativa e, na falta de uma palavra melhor, chata. E irritante. O restante da edição lida com um grupo de heróis (os Lanternas Hal Jordan e Guy Gardner, Caçador de Marte, Homem-Robô, Starman e Soviete Supremo que depois se juntam a Superman e aos Omega Men) que não é afetado pelos efeitos da bomba – até porque nem poderiam, pois seus poderes não são de origem genética (minha única dúvida é Starman…) – viajando até Domínion, o planeta dos Dominadores, para procurar uma cura.
Confesso que essa “viagem” reacendeu um sentimento em mim: meu completo e absoluto desprezo por Guy Gardner. O sujeito é um dos personagens mais mal escritos da série e de toda a DC Comics, com sua rabugice artificial sendo enfiada goela abaixo a cada página sem que isso efetivamente funcione para desenvolvê-lo. Ele é assim porque os roteiristas acham bacana que ele seja e nada mais, de forma muito semelhante ao outro sujeito insuportável – só que da Marvel -, o Deadpool. Mas isso sou só eu deixando vazar minha opinião pessoal (e sim, já li todo o material com esse Lanterna desde que ele ganhou o anel e em tempo real, ou seja, na medida em que as edições iam saindo em tempos áureos). De toda forma, a jornada até Domínion e a ação por lá é algo que poderia ter sido executado em 10 páginas, mas Giffen e Mantlo estendem até novamente fazerem com que a história perca sua relevância ou mesmo urgência.
A arte ficou ao encargo, no primeiro número, de Todd McFarlane, então ainda em seu começo de carreira, tendo trabalhado de maneira mais constante apenas com Infinity, Inc., da DC Comics, entre 1985 e 1987. Seus traços característicos estão todos lá, especialmente nos rostos e expressões faciais dos diversos personagens. Apesar de receber arte-finalização por três artistas neste primeiro número (P. Craig Russell, Al Gordon e Joe Rubinstein), além de ele mesmo se arte-finalizar no capítulo final, há uma coesão muito firme em toda a arte, com belas criações como as naves dos Dominadores e a masmorra estelar, além dos redesenhos dos diversos alienígenas que forma a aliança e que já haviam sido apresentados no Universo DC em momentos diferentes bem anteriores (muitos deles em momento futuro, nas histórias da Legião dos Super-Heróis).
No segundo número, McFarlane divide a arte irmãmente com o próprio Keith Giffen (cada um desenha dois capítulos) e a coisa começa a mudar um pouco de figura. O problema, aqui, é a visão de McFarlane sobre heróis já estabelecidos, algo que não ocorre na primeira edição já que eles não aparecem. Ainda com seus traços em processo de amadurecimento, mas já querendo imprimir seu estilo, ele acaba criando versões muito estranhas de Superman, Capitão Átomo, Gavião Negro e Nuclear. Não é exatamente uma arte ruim, mas ele peca no exagero. Felizmente, quando Giffen passa a comandar o lápis, a sobriedade volta e, ainda que ele acabe desenhando rostos e expressões faciais muito genéricas, a arte funciona bem no clímax.
Finalmente, no terceiro número, a arte (lápis) ficou integralmente ao encargo de Bart Sears que entrega um resultado homogêneo e que tenta emular uma espécie de “média” entre os traços mais histriônicos de McFarlane e os mais comportados de Giffen. No final das contas, não é uma arte que chame a atenção por alguma particularidade, mas também não detrai do todo.
Invasão! é uma saga que mostra seu potencial e dá esperanças ao leitor em seu primeiro terço, mas ela logo desaparece no segundo terço e é dizimada no gigantesco e desnecessário epílogo. Um desperdício de uma boa ideia.
Invasão! (Invasion!, EUA – 1988/9)
Contendo: Invasion! #1 a #3
Roteiro: Keith Giffen, Bill Mantlo
Arte: Todd McFarlane, Keith Giffen, Bart Sears
Arte-final: P. Craig Russell, Al Gordon, Joe Rubinstein, Tom Christopher, Todd McFarlane, Dick Giordano, Pablo Marcos
Editora original: DC Comics
Data original de publicação: dezembro de 1988 e janeiro de 1989
Editora no Brasil: Editora Abril
Data de publicação no Brasil: novembro e dezembro de 1990 e janeiro de 1991
Páginas: 254