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Primeiro Plano | “Valente”, no TaorminaFilmFest

por Ritter Fan
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Não sou novato em festivais de filme. Já fui a várias edições do excelente Festival do Rio, já passeei pela Riviera Francesa para participar da loucura que é o Festival de Cannes, quando morei em Los Angeles respirei diariamente o Los Angeles Film Festival e por aí vai. O festival de Taormina, na Sicília, é o mais impressionante e, ao mesmo tempo, o menos impressionante de todos eles. Mas podem deixar que eu me explicarei direitinho.

Como todos os festivais de filmes, a marca registrada do TaorminaFilmFest é a desorganização. Assim, já esperava uma bagunça. O que eu não esperava era a capacidade dos italianos de darem um novo significado à palavra bagunça. Para começar, o site do festival (www.taorminafilmfest.it) só passou a conter escassos detalhes sobre o evento literalmente 5 ou 6 dias antes de seu começo. Em segundo, o site deles continua sem informações completas, mesmo depois do inicio do festival! Além disso, aqui em Taormina, poucos sequer sabem que o evento está ocorrendo. Também pudera: os próprios funcionários do festival mal sabem explicar o que está acontecendo. E isso sem contar com o fato de quase ninguém saber outra língua que não o italiano…

Mas, como diz o ditado, “vale tudo no amor e na guerra”, não é mesmo? Assim, munido de meu amor por filmes e preparado para uma batalha campal, acabei conseguindo meus ingressos para a triunfal abertura do festival, no “Teatro Antico”, um belíssimo anfiteatro grego de 2.300 anos localizado no topo de uma colina da cidade, com vista para o poderoso e fumegante Monte Etna.

O programa: simplicidade e objetividade.

Assim que os organizadores do festival disponibilizaram o programa para consulta, reparei no quão espartano ele era. São relativamente poucos filmes, espalhados ao longo de seis dias, sem nenhuma super-estrela convidada. Para o festival de filmes mais antigo e importante da Itália, isso não poderia ser comum.

E de fato não é. O festival de 2012 é a 58a edição do evento mas, com a grave crise européia afetando especialmente os países do sul do continente, a Itália cortou o orçamento cultural drasticamente e, claro, o TaorminaFilmFest não ficou de fora da ação da tesoura da era pós-Berlusconi.

Assim, o pessimamente impresso papelucho contendo todo o programa é bem magrinho e não tem nada que salte muito aos olhos. Mas há um ou dois tesouros que planejo compartihar com os leitores do Plano Crítico.

Com isso, o primeiro dia no “Teatro Antico” seria composto de uma entrevista com Paola Cortellesi, atriz italiana, sucedida pela entrega do prêmio Cariddi para ela. Em seguida, teríamos a entrega do prêmio “Città di Taormina” para o diretor italiano Michele Placido e de um prêmio humanitário para o Padre Rick Frechette, que ganhou notoriedade por seu trabalho no Haiti. Finalmente, encerrando a noite, teríamos a premiere européia de Valente, o novo desenho da Pixar, lançado nos EUA apenas um dia antes.

O evento: complexidade e muito blá blá blá.

Tudo estava marcado para começar às 9h da noite, logo depois do por do sol (sim, anoitece só depois de 8:30 por essas bandas nessa época do ano). Cheguei aos portões do “Teatro Antico” com uma hora de antecedência, depois de forrar a barriga com “panini”, “cannoli” e “gelatti” (tudo no plural mesmo) e deparei-me com tudo fechado e um vigia de barriga avantajada, que não falava uma palavra que não fosse em italiano rápido, tentando explicar que ele não fazia idéia quando iriam abrir.

Assim, durante uma hora sendo empurrado por uma galera ansiosa e vendo diversas celebridades italianas chegarem em carrões diretamente para o luxuoso Grand Hotel Timeo, adjacente ao anfiteatro, comecei a perceber que atrasos seriam inevitáveis. Faltando 10 minutos para o horário previsto, os portões foram abertos e a horda ruidosa de italianos e intrusos de fora como eu começou a caminhar para o anfiteatro, enchendo as milenares arquibancadas. Minha sorte é que eu tinha assento com lugar marcado (não que eu seja mais importante mas sim porque prefiro presentear-me com pequenos luxos algumas vezes…) e não precisava sair desabalado junto com o pessoal mais jovem.

Dentro do teatro, meu queixo caiu e ainda não me recuperei completamente. Que coisa linda! As fotos que vocês vêem aqui não fazem jus ao lugar e à sensação de respirar estória que senti. Afinal de contas, estava no mesmo lugar em que, muito provavelmente, peças de Sófocles, Ésquilo e Eurípedes haviam sido encenadas não mais do que 200 anos depois de suas mortes!

Depois do êxtase inicial, começou a espera pelo inicio do programa. Com a chegada de algumas celebridades que, para mim, eram ilustres desconhecidas, imaginei que o começo não demoraria. E até que não demorou mesmo. Com “meros” 40 minutos de atraso, o suficiente para matar qualquer britânico do coração e depois de todos assistirem a diversos clipes de edições anteriores e mais glamourosas do festival, Mario Sesti, o diretor do TaorminaFilmFest subiu ao palco.

Sem enrolar muito, Sesti foi logo chamando Paola Cortellesi ao palco e, em questão de segundos, a entrevista estilo “talk show” começou. O grande problema foi que havia um trabalho de tradução sucessiva para o inglês que acabou fazendo com que cada pergunta e resposta fosse duplicada. Mas isso era inevitável, já que distribuir fones de ouvido para todos seria um inferno.

Cortellesi foi muito simpática e, entre um longo clipe e outro de suas atuações em televisão e cinema, foi respondendo a todas as perguntas. Nada de terrivelmente interessante, devo confessar, mas a entrevista durou muito tempo para, ao final, o prêmio Cariddi ser entregue. Isso já deixou a italianada inquieta…

Em seguida e completamente fora do programa, a diretora, roteirista e atriz libanesa Nadine Labaki – molto bella! – subiu ao palco para receber um prêmio pelo trabalho dela de unir povos e culturas por meio da Sétima Arte. Quem não conhece Labaki, deveria tentar ver Caramel, de 2007.

Alívio cômico (ou trágico, não sei).

Assim, depois de algo como uma hora e meia, a organização do evento começou a mostrar um interminável “making of” do filme “Le Guetteur”, do diretor italiano Michele Placido, que será lançado em 05 de setembro desse ano.

Acontece que o filme foi mal dimensionado em seu tamanho e em seu “aspect ratio”, pois todas as cabeças eram cortadas… O que aconteceu? O óbvio: a galera, impaciente, começou a xingar e a pedir a retirada do material.

E a organização baixou a cabeça e quase que imediatamente encerrou a projeção. Seria interessante se o próximo passo não tivesse sido chamar o próprio Michele Placido ao palco para premia-lo. O diretor subiu fumegando e partiu para xingar a platéia de volta, sem nem pestanejar. Não falo italiano, mas, pela quantidade de gestos, ficou claro que ele estava chamando alguém da platéia para subir ao palco para saírem no tapa ali mesmo.

Não aguentei e tive que rir alto. Mas sei que é injusto de minha parte pois foi um erro da organização projetar algo tão longo naquele adiantado da hora. Se fosse um trailer, tudo bem. De toda forma, por mais importante que Placido seja (e ele, de fato, é), ele não tinha o direito de embarcar na provocação e fazer o que fez. Deveria ter engolido calado ou, no máximo, retrucado educadamente. No entanto, claro, não estou na Suíça…

E o ânimos se acalmam.

Em seguida, para arrefecer as cabeças quentes, Madeleine Stowe sobe ao palco para dar um prêmio humanitário ao Padre Rick Frechette, que ganhou relevo por seu trabalho no Haiti, depois do devastador terremoto que dizimou o país.

Obviamente, não tinha como os espectadores continuarem os xingarmentos diante de causa tão nobre e o Padre Rick foi merecidamente aplaudido.

Valente, mas não à prova de problemas.

E, finalmente, a projeção de Valente (“Ribelle”, na versão italiana) começou, com quase duas horas de atraso. Meu receio de que o filme fosse dublado em italiano perdurou por todo o curta que o antecedeu, La Luna, pois o desenho é completamente mudo.

No entanto, logo nos primeiros segundos de Valente, meu medo desapareceu: o filme tinha o áudio original, com legendas em italiano.

Agora, parem por um minuto e imaginem o seguinte: eu estava assistindo um filme americano sobre uma princesa escocesa, em um anfiteatro grego localizado em uma ilha italiana. Se a Sicília é um caldeirão cultural como escrevi no post anterior, essa mistura de nacionalidades em volta de um filme é a prova cabal da universalidade das artes dramáticas. Um momento mágico mesmo.

Além disso, Valente é um filme da mais alta tecnologia de computação gráfica com som envolvente perfeito e em 3D. Isso tudo no mesmo lugar que, há 2.300 anos, os espectadores viram Oedipus Rex, em grego antigo, resolver o enigma da esfinge e arrancar seus olhos quando descobre que Jocasta é sua mãe. É ou não é algo de tirar o fôlego?

Mais aí a tecnologia falhou. Com 40 minutos de projeção, exatamente na virada do filme, o canal de áudio responsável pelos diálogos parou de funcionar. Cinco tenebrosos minutos se passaram até os técnicos pararem o filme. Mais 20 minutos transcorreram para que tudo voltasse ao normal. Dezenas de italianos irritados e frustrados se mandaram. Mas, claro, eu fiquei e teria esperado mais uma hora pelo conserto, que fique bem claro!

Foi uma noite cheia de problemas. Mas foi uma noite que jamais será esquecida.

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