Home Colunas Plano Polêmico #49 | Ler Dá Trabalho, Mas Que Se Danem os Preguiçosos!

Plano Polêmico #49 | Ler Dá Trabalho, Mas Que Se Danem os Preguiçosos!

Já deu lombeira só no título...

por Ritter Fan
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(arte: Jenn Seeley)

Quando, em agosto de 2020, mudamos completamente o site para a versão atual, passamos a contar com um SEO (Search Engine Optimization) ou “Otimização para Motores de Busca” embutido no painel que usamos para montar nossas publicações. Confesso que eu não sei e nem tenho muito interesse em desvendar os meandros dessa ferramenta, mas minha primeira reação a ela – ou a primeira reação dela aos meus textos – foi, trocando em miúdos, dizer que eu escrevo demais e de maneira muito complicada.

Desde sua implantação, nenhum – e eu repito, nenhum! – de meus textos ganha a “luzinha verde” da ferramenta e eu descobri, ao longo do tempo, que meus colegas passam pelo mesmo problema. Arquivei na minha prateleira mental do “que se dane” (ela é gigante, maior do que todas as outras, sendo bem sincero…) e continuei a escrever sem mudar uma vírgula de meu estilo, sempre sendo reprovado pelo todo-poderoso Sr. SEO. No entanto, claro, isso ficou lá no fundo de minha mente por um bom tempo, até que eu vagarosamente comecei a me deparar com um “fenômeno” preocupante: praticamente todos os sites que eu acompanhava – não são muitos, confesso – começaram a mudar a forma de escrever seus artigos, ou talvez eu só tenha me atinado a isso tardiamente, não sei e pouco importa. Notícias passaram a ser não mais do que rascunhos de texto mais preocupados com o título enganoso no estilo clickbait do que qualquer outra coisa e críticas e textos opinativos e até de pesquisa que, em tese, deveriam ser mais complexos, passaram a ser entrecortados por subtítulos e imagens, além de terem sido substancialmente reduzidos e simplificados, como que seguindo um padrão universal emburrecedor.

Entendo perfeitamente a necessidade de mais cliques para que eles gerem mais dinheiro com a publicidade que, por sua vez, é cada vez mais invasiva, transformando cada página da web em uma espécie de gincana em que temos que nos desviar dos ovos podres arremessados em nossa cara para chegar ao que realmente importa. O que eu não entendo é que essa caça a cliques tenha que necessariamente levar a textos empobrecidos ao extremo, vazios de significado maior do que seu valor de face efêmero e que parecem escritos por inteligências artificiais não muito inteligentes. Ou seja, além de ter que nadar por um lodaçal de bagunça visual com os “X” para desligar a publicidade às vezes inexistentes, outras vezes muito bem escondidos, a recompensa ao final do périplo é um pepita de pirita, quando isso tudo.

O que isso significa na prática? Que a internet tornou-se aquilo que Umberto Eco há muito disse que a rede era? Sim, sem dúvida, isso não é novidade alguma. Mas o problema é que a coisa não para por aí. Muito ao contrário, ela com certeza vai mais além do que apenas uma congregação de gente que não quer ter trabalho algum procurando platitudes genéricas dando cliques e fazendo comentários normalmente para arrumar briga virtual em sites de gente que não quer ter mais trabalho do que o estritamente necessário para gerar o tráfego que precisa gerar por essa ou aquela razão. É um processo um pouco assustador e perverso de retroalimentação que, no lugar de melhorar o debate e o conteúdo, esvazia-os de peso e relevância. Os poucos que ainda arregaçam as mangas para escrever – e eu cumprimento efusivamente essa gente! – algo além do que o mínimo que a “máquina manda” devem se sentir como se estivessem jogando pérolas aos porcos.

Mas Ritter, você está sendo babaca com seus leitores e prepotente ao dar a entender que o que você escreve vale mais do que a média do que é oferecido por aí. Bem, primeiro que eu não sou conhecido por ser fofo ou delicado ou mesmo preocupado com o que os outros pensam de mim. Como diria o sábio Roger Murtaugh, em ensinamento que levo para a vida, “I’m too old for this shit” (sendo que eu sempre fui muito velho para isso…). Segundo, eu só estou sendo babaca com aqueles que vestirem a carapuça aqui, aqueles que só leem manchetes (ou, falando de cinema, as percentagens do RottenTomatoes sem sequer entender como elas são geradas) e já saem opinando sobre tudo como sabichões (o que eu vejo de atrocidades sendo faladas de assuntos recentes, do momento, não está no gibi e tenho certeza que não estou sozinho nisso…) e que têm preguiça de parar seu atarefado dia para dedicar-se a algo “elitista” e “burguês” como a leitura de algo maior do que 180 caracteres. E, terceiro, porque sim, tem terceiro, eu tenho plena consciência e certeza de que o que eu escrevo vale mais do que a média do que é oferecido por aí.

Mas eu não sou um completo imbecil e eu também reconheço que volta e meia eu escrevo mal, que alguns (vários?) de meus textos têm qualidade inferior à minha própria média (reparem a diferença…) e assim por diante. Isso faz parte do jogo. O que é difícil de aceitar é que o Sr. SEO, representante robótico do Zeitgeist, diga que meus textos são difíceis, longos e o escambau. O que você quer, Sr. SEO? Insinuar que os leitores são burros? Que o que todo mundo quer é poder dizer que “leu” algo desde que esse “ler” não signifique realmente ler? Sr. SEO, você me parece muito prepotente e babaca, não? Talvez seja o caso de você começar a compreender que existe algo chamado Tirania da Maioria, que basicamente significa que nem sempre o que “a maioria quer” é realmente o melhor.

A única coisa boa nesse meu desabafo é que, como eu disse no título, que se danem os preguiçosos. Continuarei escrevendo textos de pelo menos 600 palavras (acho que não tenho nenhum texto menor do que isso…), usando linguajar inescrutável e até mesmo – quel dommage! – palavras e expressões em outras línguas sempre que eu achar que faz sentido e sem explicar o que elas significam, obviamente, pois procurar o significado online (antigamente era em dicionário de papel na prateleira da sala, então não me venham com preguiça!!!) é moleza. Na verdade, tem duas coisas boas nesse meu desabafo e a segunda não tem absolutamente nenhuma relação comigo: o Plano Crítico é abençoado por ter uma maioria (que, no caso, está certa, he, he, he…) de leitores que são realmente leitores, que realmente contribuem para o debate e para o aprendizado mútuo que é todo o objetivo do site desde que ele era ainda um embrião em priscas eras e que hoje oferece, sem falha, críticas de três obras literárias por semana e que, pelo segundo ano consecutivo, promove a brincadeira intelectual e burguesa chamada Corrida Literária, com participação muito bacana de um bom número de leitores.

E os cliques, o site não quer mais cliques? Olha, eu poderia me debruçar em detalhes sobre isso – e talvez um dia eu acabe escrevendo sobre o assunto -, mas não, não queremos mais cliques não. Pelo menos não do tipo que venha com o sacrifício de nossa razão de ser (eu quase escrevi raison d’être, mas aí iam me chamar de metido a crítico…), não que represente uma troca de alguns centavos por toda nossa integridade. Queremos sim, logicamente, mais leitores como os que já temos, pois isso nunca é demais, ainda que seja difícil de achar. Que se dane o Sr. SEO e suas exigências imbecilizantes e que se dane quem teve preguiça de ler até aqui!

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