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Plano Polêmico #43 – Mas, Afinal, Jurassic Park é Uma Franquia de Horror?

por Leonardo Campos
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Vivemos numa cultura apegada aos conceitos delimitados. Quando nos deparamos com hibridez ou ambiguidades, polêmicas tendem a surgir para estabelecer debates ora intrigantes e profícuos, ora vazios e desgovernados. A discussão em torno de Jurassic Park e sua classificação enquanto gênero cinematográfico é bastante objetiva, ao menos pelos sites responsáveis por catalogar filmes e suas fichas. A adaptação do romance homônimo de Michael Crichton publicado em 1990 e transformado em narrativa fílmica em 1993, sob a direção de Steven Spielberg, é considerado um entretenimento de aventura. Nas prateleiras das videolocadoras na época de sua distribuição no luxuoso VHS com capa que nos remetia ao trabalho dos paleontólogos, o filme se mantinha situado próximo aos estojos de Indiana Jones, Tubarão, O Último dos Moicanos, etc. Tudo bem que aventura seja talvez a classificação comercialmente mais viável, mas Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros é a base suprema do horror ecológico, subgênero do cinema que envolve elementos dos gêneros aventura, terror, suspense e algumas vezes, da ficção científica.

Revolucionária, a produção possui extenso legado na cultura pop em suas quase três décadas de lançamento do primeiro exemplar da franquia. Anteriormente, as pessoas tinham “acesso” aos dinossauros por meio de livros de História e visitas aos museus, locais expositores de réplicas. Foi com o projeto idealizado por Steven Spielberg que essas criaturas ganharam uma projeção tão realista e pavimentaram um novo caminho na evolução dos efeitos especiais e visuais no cinema. Animatrônicos, programas de computador, dentre outros truques, unificaram-se para o estabelecimento do maravilhamento e assombro diante deste clássico moderno que vai muito além do entretenimento e discute com maestria questões genéticas, luta pela sobrevivência, teoria do caos, relacionamentos humanos diante de situações-limite, etc. Como reforçou Spielberg ao refletir sobre o legado de uma de suas obras-primas, é uma narrativa onde todos se conectam, pois além de haver personagens com coisas em comum conosco, o filme se revela como uma arte realizada por pessoas fascinadas pelo que produzem enquanto material artístico.

Michael Crichton e o Ponto de Partida Literário

Publicado em 1990, Jurassic Park foi um romance que levou 10 anos para ficar pronto. Na edição brasileira de 416 páginas, veiculada pela Rocco, adentramos numa aventura mais assustadora que a tradução intersemiótica comandada por Steven Spielberg. Personagens foram suavizados, algumas passagens suprimidas, em suma, um processo adaptativo foi realizado para que a narrativa pudesse abarcar um público mais amplo, tal como o cineasta fez em 1975 com Tubarão, ao transformar o romance de Peter Benchley em um filme, digamos, “família”. No romance, Michael Crichton retrata a recuperação do DNA de dinossauros por meio da clonagem, tendo em vista a criação de um zoológico nunca imaginado pela humanidade, com criaturas extintas há milhões de anos da superfície do planeta. Ao ser levado para o cinema e ganhar maior projeção no bojo da reprodutibilidade técnica, o enredo trouxe novos rumos para o gênero fantástico nas últimas décadas, numa trama onde a teoria do caos para explicar o colapso de um parque de diversões engendrado por meio da engenharia genética. Ao manipular a ordem natural das coisas, o ser humano enfrenta a fúria da natureza, elemento basilar para o subgênero horror ecológico.

Um dos Ataques do T-Rex: Momentos de Pura Adrenalina e Pavor em Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros

Michael Crichton revelou em entrevistas que começou a escrever seu material em 1983. A história inicial era sobre um jovem que recriava geneticamente um pterodátilo por meio de um fóssil de DNA. Ao terminar a primeira etapa, o escritor não sabia como dar continuidade, por isso manteve a história parada e continuou ao longo dos anos, dando a forma ao conteúdo que conhecemos, elaborado ao longo de uma década, indo na linha das evoluções no campo da paleontologia e dos estudos sobre genética que eram publicados no meio acadêmico e ultrapassavam as muralhas das universidades. No livro, o fundador da InGen, Dr. John Hammond, mais sombrio que a sua risonha versão cinematográfica, leva o Dr. Allan Grant e a Dra. Ellie Sattler para uma reserva biológica localizada a 120 milhas da Costa Rica. Eles são especialistas contratados para testemunhar a segurança do parque jurássico elaborado pela equipe do idealizador deste projeto considerado perigoso e caótico pelo matemático cético Ian Malcolm, pessimista que alega ser uma ideia absurda a criação de um sistema tão complexo, sem estrutura suficiente para mantê-lo equilibrado. Como sabemos, os dinossauros foram criados por mosquitos que sugaram sangue destas criaturas e presos na seiva de árvores milenares, mantiveram-se preservados em âmbar. As suas lacunas genéticas, preenchidas com códigos do DNA de répteis, aves e anfíbios dá ao homem a sensação de dominação total da natureza. Mas infelizmente, as coisas não saem como o planejado.

A morte de Dennis Nedry em Jurassic Park, um momento de puro horror!

É a teoria do caos em ação, base de sustentação para todo bom horror ecológico. Ao contrário do que havia sido imaginado, os animais conseguiram procriar. Isso se torna comprovado quando o Dr. Allan Grant encontra ovos de dinossauros pelo caminho. O DNA de rã usado para preencher uma das lacunas de determinadas vertentes permitiu que algumas espécies mudassem de sexo, como acontecem com algumas espécies de anfíbios. Real ou imaginado? Quem se importa? A história é ficcional e deve ser refletida dentro do bojo dessas possibilidades. Não fosse apenas esse problema, possivelmente contornado pela segurança, outro ponto basilar do horror ecológico é alinhado para a criação de mais conflitos. Para tornar o caos ainda mais intenso, Dennis Nedry, um espião que pretende levar embriões para a concorrente do Dr. Hammond, a Biosyn, é atacado enquanto atravessa a densa região da ilha e morre, deixando todo o sistema de segurança do parque comprometido. Agora, as criaturas estão prontas para ação, tendo os seus respectivos instintos naturais convidados para o festival de exaltação. O Dr. Allan Grant, a Dra. Ellie, Ian Malcolm, os sobrinhos do Dr. Hammond e ele próprio precisam lutar pela sobrevivência, numa história transformada num dos filmes mais empolgantes dos anos 1990, começo de uma franquia ainda em desenvolvimento, ainda relevante e impactante em suas propostas reflexivas.

Steven Spielberg e o Ponto de Partida Cinematográfico

Ele é o cineasta da família estadunidense. Em seu outro horror ecológico arquetípico para o segmento “filmes de tubarões”, o erotismo e a descentralização dos valores tradicionais familiares foram suavizados do romance de Peter Benchley, para que a narrativa pudesse ganhar maior alcance de público nas salas de cinema. O mesmo aconteceu com Jurassic Park, romance de Chricton que teve a sua complexidade filosófica mantida, suavizado apenas no desenvolvimento dos personagens e na adaptação do material para o funcionamento dentro dos esquemas que engendram a indústria cinematográfica, a censura, etc. O desfecho do livro, com a Força Aérea dos Estados Unidos a destroçar o parque com explosivos é trocado pela possibilidade de continuidade da história no futuro. Os dinossauros conseguiram manter-se em reprodução e dominação da ilha que é abandonada as pressas com as pessoas sobreviveram ao desastroso projeto já calculado pelo amante da teoria do caos, Ian Malcolm, dono das piadas mais contundentes durante o desenvolvimento do filme, personagem interpretado na medida por Jeff Goldblum. O retorno era questão de tempo e ele é quem capitanearia posteriormente o retorno forçado ao local, nos desdobramentos do ótimo O Mundo Perdido, lançado em 1997, sequência que comprova ainda mais a vinculação do filme ao subgênero horror ecológico, mescla de aventura, terror, cenas de perseguição, mortes sangrentas, sustos e muita adrenalina.

Teorização que será melhor delineada no texto O Que Faz o Horror Ecológico, reflexão complementar das ideias compartilhadas na reflexão em questão sobre a franquia Jurassic Park, podemos selecionar 07 situações dramáticas que compõem o subgênero que envolve tubarões, serpentes, ursos, macacos, dinossauros extintos recriados pela engenharia genética, em suma, toda a vida selvagem, inclusive plantas e catástrofes naturais, mas aqui pensado apenas no segmento dos animais em posição de antagonismo face ao pequeno lugar dos seres humanos diante da potencialidade da natureza. Temos, então, nestes filmes:

1 – Manipulação Genética: a manipulação do DNA de determinados animais, extintos ou não, para fins medicinais ou de entretenimento, acaba caindo nas malhas da teoria do caos e adentrando na imprevisibilidade que gera uma série de catástrofes. Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros é o exemplar de luxo, complexo em suas abordagens filosóficas e muito bem conduzido enquanto produto de entretenimento.

2 – Mutação por Destruição Humana: uma empresa ou cidadão despeja resíduos tóxicos numa região e promove a mutação de um ou mais animais que habitam o local. Alligator – O Jacaré Assassino, clássico do horror ecológico dos anos 1980, pós-tubarão, é um exemplar bastante ilustrativo. Explosões de minas e regiões selvagens para a construção de condomínios e outros empreendimentos humanos também são parte deste segmento, tal como ocorre em As Cobras Atacam e Rastro de Pavor, ambos sobre ataques das temidas e perigosas cascavéis.

3 – Despertar de Um Monstro: uma criatura milenar, secular ou com determinado grau de antiguidade é despertada de seu sono por intermédio da curiosidade humana. Encaixam-se neste segmento, Megatubarão, criatura aquática adormecida há eras e despertada depois de uma expedição abissal realizada por humanos. Godzilla também, monstro que acorda diante das celeumas da era atômica em pleno oceano.

4 – Ataque na Selva: grupo de pessoas parte para uma aventura em meio à selva e se perdem ou são solapados pelo ataque instintivo de uma determinada espécie. É a essência do horror ecológico. Os personagens de Anaconda sofrem com os ataques das serpentes mitológicas em plena selva amazônica após se permitirem dar “carona” a um estranho que os leva para o reduto das cobras monstruosas. O mesmo ocorre em Anaconda 2 – A Caçada Pela Orquídea Sangrenta, com os cientistas e funcionários de uma corporação num ambiente hostil, habitado pelas serpentes ainda mais furiosas que os animais apresentados no ambiente anterior. O pânico toma conta de uma madrasta e seus enteados em Caçados, logo após a visita ao safári dar errado e o grupo se encontrar diante de leões famintos e acirrados para transformá-los em alimento.

5 – Ataque na Cidade: um animal selvagem é deslocado de seu espaço natural e ataca uma zona urbana ou uma área habitada por humanos que seja próximo de uma floresta ou reserva ambiental. É o que ocorre em Aracnofobia, com a aranha saindo de sua zona selvagem para uma região próxima ao centro de uma pequena cidade interiorana. Lá, ao cruzar com outra espécie, a criatura dá origem aos novos bichos que vão tocar o terror na vida de uma família. Algo parecido ocorre com O Grande Predador, filme sobre um acidente de automóvel que liberta um tigre enjaulado a caminho de uma atração circense. O bicho desloca-se para uma cidade próxima e traz o terror mais puro para vida dos habitantes incautos. Nas Garras do Tigre também possui trama parecida. O felino é comprado para ser parte de um zoológico cheio de exotismos, mas a chegada de um tornado transforma o planejamento da atração numa luta acirrada pela sobrevivência daqueles que acabam em contato com a criatura dentro de uma casa em plena tempestade, planejada para ninguém sair. A série Zoo, em especial, a primeira temporada, também trabalhou nesse esquema.

6 – Vingança Premeditada: um ser humano manipula um animal doméstico ou selvagem por meio de estratégias científicas ou sobrenaturais para colocar em práticas planos de vingança por motivações diversas. Os ratos criados por Willard e a serpente manipulada por Stanley em A Vingança de Willard e Stanley – O Réptil Assassino se encaixam neste segmento. Interessante observar uma proximidade com Nas Garras do Tigre, pois o padrasto que deseja eliminar os enteados utilizará um tigre para cercear dois irmãos para ficar com o dinheiro da falecida esposa. No suspense O Jogo da Morte, um homem tóxico utiliza uma mamba negra adquirida no “mercado informal” para tocar o terror em sua ex, trancafiando-as em casa. É o subgênero e suas variações.

7 – Vingança Animal: um animal se vinga depois de ser machucado ou ter a sua cria ameaçada. É um dos mais pontuais segmentos do horror ecológico. Exemplar mais clássico? Orca – A Baleia Assassina.

Momentos de Horror

Diante do exposto, podemos classificar Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros e a franquia que se estabeleceu depois do épico de 1993 como horror? Eis uma pergunta com resposta nem sempre amarrada, envolto, como já mencionado no começo do texto, numa malha de polêmicas. Apesar de classificado como aventura, um gênero mais geral e, por isso, abrangente, a produção com os dinossauros em contato com seres humanos é também um exemplar digno de um segmento não apenas da aventura, mas do horror, isto é, o horror ecológico, seara de produção que flerta com momentos de interação caótica entre a humanidade e as forças da natureza. Atmosfera sombria, personagens indefesos numa região isolada, sem comunicação com os grandes centros urbanos e locais que lhe permitam a salvação com segurança. Criaturas aterrorizantes atacam, um a um, as figuras ficcionais, algumas com sorte para escapar com sobrevivência e outras transformadas em comida para dinossauros gigantescos. O ataque assustador do T-Rex e dos Velociraptores, na cena do passeio pelo parque tomado pela queda de energia e a sufocante perseguição dos raptores na cozinha do local de hospedagem de visitantes. Nos filmes subsequentes, temos o famoso ataque aquático do Spinossauro no desfecho de Jurassic Park 3 e a fúria da Indominus, em tantos momentos, mas em especial, quando faz Owen se banhar de gasolina embaixo de um automóvel para não ser percebido e se tornar alimento. E o ataque ao capcioso Dennis Nedry enquanto fugia com material genético roubado para a concorrente do Dr. Hammond? Inesquecível o ataque dos raptores numa passagem contemplada em zenital em O Mundo Perdido, filme que traz também a fúria dos tiranossauros no penhasco e no cerceamento aos caçadores acampados. Quer mais horror que isso, caro leitor?

A Apavorante Sequência de Perseguição dos Velociraptores em Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros

A Ceia T-Rex  num empolgante trecho de O Mundo Perdido – Jurassic Park 

A Festa dos Raptores em O Mundo Perdido – Jurassic Park 

O Ataque do Spinossauro no desfecho de Jurassic Park III

Quando Indominus ataca em Jurassic World – O Mundo dos Dinossauros

A empolgante e intensa trilha sonora de John Williams, inicialmente aventureira e épica, mas depois tomada por momentos de crescente horror é um elemento para adensar a pertinência do convenio entre o filme e os traços do horror. As situações estabelecidas pelo roteiro de David Koepp e Michael Crichton, autor do romance ponto de partida, colocam os personagens em momentos de muita adrenalina e pânico, cerceados pela força brutal de criaturas indomáveis, dispersas em ambientes nada propícios aos humanos. A direção de fotografia de Dean Cundey entrega momentos angustiantes de POV (ponto de vista) e suas possibilidade de construção do medo, com passagens que promovem arrepios genuínos. O design de produção de Rick Carter gerencia com eficácia os cenários opressores, a vastidão que ora parece representativa de liberdade, ora transmite sensação de perigo que pode surgir de qualquer canto do quadro. Richard Hymns supervisiona o design de som e nos faz sentir os dinossauros como criaturas barulhentas e ameaçadoras. Somamos isso aos efeitos especiais (animatrônicos, ventanias, trovões, relâmpagos, mecanismos hidráulicos) e visuais (softwares em plena expansão no campo da informática para manipulação da imagem) e temos uma narrativa recheada de momentos de horror, primeiro passo para uma bem-sucedida franquia do cinema contemporâneo.

Sim, Jurassic Park – O Parque dos Dinossauros, é um filme de horror. Ecológico. E dos melhores.

 

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