Home QuadrinhosArco Crítica | O Faroeste Macarrônico e Outras Histórias de Cinema

Crítica | O Faroeste Macarrônico e Outras Histórias de Cinema

O cinema visitado por diferentes personagens da Disney.

por Luiz Santiago
2,2K views

Publicado em abril de 2021, pela editora Culturama, este volume intitulado Um Especial Disney: Histórias de Cinema reúne onze aventuras que ligam o Universo da Disney nos quadrinhos à Sétima Arte. De épocas diferentes e concebidas por diferentes times de artistas da Itália e da Dinamarca, essas tramas abraçam a metalinguagem, fazem malabarismos com as regras do cinema e nos convida a rir diante do absurdo de algumas escolhas narrativas ou diante de uma sequência de referências que entendemos e que gostamos de ver nesse tipo de contexto.

Para que a postagem não ficasse maior do que já está, resolvi dividir as pequenas críticas do presente Especial em duas partes, com cinco histórias cada uma, já que Trio de Estrelas ganhou uma crítica em formato integral e foi publicada à parte. Você conhece essa publicação da Culturama? Já leu alguma das aventuras aqui editadas? O que achou delas? Leia as críticas abaixo e também deixe o seu comentário ao final da postagem!

.

Desligando o Cérebro

Desligando o Cérebro é o primeiro capítulo do arco Patos no Cinema, que exceto pela última parte (cujo título original é Zio Paperone Rockerduck e il Grande Colossal) não foi publicada neste Especial Histórias de Cinema, da Culturama. A história, escrita por Marco Bosco, mostra duas pessoas que não conseguem se desligar do trabalho nem no momento de diversão, ainda mais quando estão juntas e trocam materiais, observações, hipóteses e notas sobre o que veem: o Professor Pardal e o Professor Ludovico. Essa atitude é uma conhecida nossa, sendo um dos comportamentos mais constantes de nossa Era, inclusive, causando o massacrante burn out. Aqui na ficção, porém, os personagens não são oprimidos por essas observações, embora claramente vivam na ilusão de que “saíram para se divertir”, embora não o tenham feito.

Para além desse olhar crítico à questão do trabalho a todo momento, em todo lugar, o autor alfineta o cinema blockbuster, colocando os personagens para assistir a uma variação de Rambo (chamada Rombo 12, que se passa na Amazônia). Não é de hoje que essa mania enlatada de fazer cinema é criticada pelas mais diversas artes, e desde que a crítica seja bem feita, ela realmente funciona e nos faz rir. Fico aqui pensando, porém, se essa dupla de professores seria capaz de criar uma pequena sinopse a respeito do filme, ou se falariam apenas das questões científicas que criaram durante a exibição. E isso porque queriam diversão pura, nada de intelectualidade, hein! Imagina se quisessem!

Pico, Archimede e il film spensierato — Itália, 26 de maio de 2009
Código da História: I TL 2791-3
Publicação original: Topolino (Libretto) #2791
Editoras originais: Mondadori, Disney Italia, Panini Comics
No Brasil: Um Especial Disney 6 – Histórias de Cinema, Editora Culturama, abril de 2021
Roteiro: Marco Bosco
Arte: Ottavio Panaro
Capa: Donald Soffritti
5 páginas

.

Espada e Sandália

Parte do arco A História do Cinema, esta aventura homenageia o peplum, o gênero cinematográfico das histórias de “espada e sandália“, termo que se refere ao figurino e à arma dos combatentes nessas tramas. O peplum é um braço dos épicos históricos, mitológicos ou até bíblicos que ficaram muito famosos na Itália, especialmente na década de 1950. É evidente que podemos encontrar filmes assim desde os primeiros anos do cinema, vide o exemplo do curta italiano A Captura de Roma (La Presa di Roma), datado de 1905, mas os filmes mais famosos do gênero e a sua verdadeira idade do ouro estão nos anos 50. O roteiro de Roberto Gagnor, nesta edição, faz um belíssimo amálgama de temporalidades, diretores e eventos cinematográficos para colocar os deslocados Mickey e Pateta como figurantes (ao menos esse era o plano original) em um estúdio romano, no ano e 1948.

Esta é uma aventura metalinguística sobre a produção cinematográfica, e o autor vai lançar mão das mais interessantes referências para poder contar a sua saga de produção, fazendo com que os protagonistas passem de figurantes a roteiristas, câmeras e assistentes de direção e montagem, além de protagonizarem a correria para impedir um João Bafo-de-Onça cineasta estrague os planos de Beto Roberto (Roberto Rossellini), que neste momento está produzindo uma versão de Maciste, mas que depois dos perrengues passados aqui, irá assumir o seu verdadeiro nome, Sério Ratone (Leone) e passará a produzir faroestes (os maravilhosos desenhos de Valerio Held já vinham fazendo referências a Por Um Punhado de Dólares e Três Homens em Conflito, então é uma oficialização narrativa do que a imagem já tinha indicando), dando início a um novo momento em sua carreira.

Exceto por alguns poucos tropeços de encadeamento quando a vilania de Bafo entra em cena, Espada e Sandália é impecável. É também uma carta de amor ao cinema italiano dos anos 1940 e 1950, basta ver como o roteirista fez questão de passar por diversos realizadores, técnicos, gêneros e modelos de produção cinematográfica desse período (com direito a alfinetadas em Hollywood, se a gente prestar bem atenção). Notem que assim que chegam ao estúdio, Mickey e Pateta veem que Frederico Felino (Federico Fellini) está dirigindo Abismo de um Pesadelo (Abismo de um Sonho) — que na vida real foi o primeiro longa-metragem que o grande mestre italiano dirigiu sozinho. A dupla ainda encontrará um Vitório Adaga (Vittorio De Sica) muito bravo por ter tido o seu épico neorrealista Ladrões de Velocípedes (Ladrões de Bicicletas) interrompido. Até um tal de Ênio Musicone (Ennio Morricone), inigualável compositor italiano, faz sua participação aqui. Como disse, é uma verdadeira carta de amor ao cinema da bota mediterrânea e funciona em igual medida para cinéfilos e para quem não tem tanta ligação com o cinema clássico. Aliás, é uma história que serve como convite ao público para conhecer essas obras e esses diretores.

Topolino e il peplvm contrastato — Itália, 4 de abril de 2018
Código da História: I TL 3254-2
Publicação original: Topolino (Libretto) #3254
Editoras originais: Mondadori, Disney Italia, Panini Comics
No Brasil: Um Especial Disney 6 – Histórias de Cinema, Editora Culturama, abril de 2021
Roteiro: Roberto Gagnor
Arte: Valerio Held
Capa: Lorenzo Pastrovicchio (desenhos) e Max Monteduro (cores)
5 páginas

.

Ficção e Realidade Andam Juntas

Mais um capítulo do arco Patos no Cinema. Aqui basicamente temos a exemplificação do ditado popular “quando a esmola é grande, o cego desconfia“. E dá pra desconfiar mesmo se este “algo” é dado (sim, dado!) pelo Tio Patinhas! Como confiar numa coisa dessas? Com certeza tem algo aí oculto e que irá se revelar em breve… geralmente algo bem ruim para o pobre do trabalhador. Quando Batista e Dona Cotinha recebem dois ingressos para curtir uma sessão no Cinepatinhas Odeon, eles não conseguem imaginar o que pode ter acontecido ao quaquilionário sovina para a manifestação de “tanta bondade“. E não demora muito tempo para a resposta aparecer.

Tio Patinhas é aquele explorador que, com toda a elegância do mundo, consegue, às vezes (ou quando quer), disfarçar o que está fazendo. Para fins de uma história como esta, esse tipo de comportamento acaba sendo cômico, dentro da seara do “riso de nervoso“. Mas notem como há uma cerca carga sombria, até de perseguição, no final do enredo. Batista e Cotinha saindo amedrontados do cinema e tendo o chefão ali na porta, indo buscá-los. Certamente surge a pergunta na mente: para quê? Para atribuir mais trabalho? E o roteirista Marco Bosco (o mesmo de Desligando o Cérebro) está tão ciente disso, que fez o paralelo literal e simbólico entre Alcatraz: Fuga Impossível, o filme exibido que a dupla vê pela metade (cada um, uma parte) e o fato de ser empregado por Patinhas. Não é fácil não!

Battista, miss Paperett e il film d’evasione — Itália, 9 de junho de 2009
Código da História: I TL 2793-3
Publicação original: Topolino (Libretto) #2793
Editoras originais: Mondadori, Disney Italia, Panini Comics
No Brasil: Um Especial Disney 6 – Histórias de Cinema, Editora Culturama, abril de 2021
Roteiro: Marco Bosco
Arte: Alessandro Gottardo
Capa: Alessio Coppola
23 páginas

.

O Faroeste Macarrônico

Nesta história dinamarquesa de 2007, o roteirista Gorm Transgaard explora a deliciosa versão do faroeste na Itália (o western spaghetti) a partir de um encontro que não sai nada bem entre Donald e Margarida. Confesso que preferiria uma trama que focasse, desde o princípio, nesse ambiente cinematográfico. Penso que o autor perdeu bastante tempo criando um caminho introdutório que não é tão atrativo assim, se comparado à melhor parte da história, que acontece no cinema e, mais especificamente, dentro da tela, numa espécie de A Rosa Púrpura do Cairo no gênero bang-bang. O encontro entre os patinhos dá errado porque o cinema para o qual eles se dirigem vendeu todos os ingressos. Por mais que eu tenha dado risada da situação da chuva (é mesmo absurdo ver aquele carro com a capota aberta no meio da tempestade), tive dificuldades de me conectar com a história nesse comecinho.

A ligação com o cinema aqui é inicialmente muito frágil. Parece que “a parte boa” da trama não vai chegar e que estaremos diante de mais uma história de trapalhadas e frustrações envolvendo esse casal. Bem… mesmo demorando mais do que deveria, a parte boa chega e é bastante compensadora. A casa de exibição da Bruxa Vanda está com Resgate Arriscado em cartaz, e após alguns desentendimentos com Donald, ela manda Margarida e o próprio pato para dentro do filme. Também não me importei muito com essa cena da briguinha entre os dois, tampouco com a cena final, da luta das pessoas contra a bruxa. Porém, tudo o que acontece dentro do filme é divertidíssimo e, de longe, a melhor coisa da história. As altas alfinetadas em alguns roteiros de faroeste espaguete, a aventura de salvamento super clichê, mas que faz todo sentido dentro do gênero, a ambientação que ficou muito boa na arte de José Maria Manrique, enfim, aquilo que realmente importa, aqui, funciona bem. Já as pontes de ligação até esse mundo… não me atraíram tanto.

Mad Movie / Farlig film — Dinamarca, 22 de janeiro de 2007
Código da História: D 2004-237
Publicação original: Anders And & Co. nº 2007-04 #2007-04
Editora original: Egmont Serieforlaget
No Brasil: Um Especial Disney 6 – Histórias de Cinema, Editora Culturama, abril de 2021
Roteiro: Gorm Transgaard
Arte: José Maria Manrique
Capa: Arild Midthun (ideia), Francisco Rodriguez Peinado (arte), Enriqueta Perea (arte-final)
16 páginas

.

O Curta-Metragem

Pobre Vovó Donalda! Ninguém merece uma companhia como o Gansolino no cinema! Aliás, ele é o tipo de criatura que realmente me faz perder a paciência na sala escura. Gente que come fazendo o barulho de todos os motores possíveis, gente que sai no meio do filme e volta pisando no pé de todo mundo, cheia de coisas nos braços, atrapalhando a visão de todos. Gente que dorme e ronca no cinema. E, algo que não acontece nessa história de Marco Bosco, mas que é necessário falar: gente que usa celular no cinema. Esse povo deveria ser levado para colonizar Marte e nunca mais voltar para a Terra! E tenho dito!

Eu só não gostei muito da adaptação feita para o título nacional, porque o tradutor brasileiro (que é excelente, vale dizer!) acabou utilizando um termo objetivo (“curta-metragem“, que tem um significado muito específico em gramática do cinema) como se fosse um termo simbólico (equivalente ao “filme curtíssimo“, como diz no título original). O problema é que o filme exibido aqui NÃO é um curta-metragem. É apenas a sensação de ser um curta (como disse, é uma questão simbólica), porque a dupla é expulsa do cinema antes de a sessão terminar, dado o mal comportamento de Gansolino. Foi uma saída elegante de Fernando Ventura para o problema do título, mas acabou vendendo a história como se fosse outra coisa. De toda forma, esta é uma trama com a qual a gente consegue se relacionar por completo. Mais um bom capítulo do arco Patos no Cinema.

Ciccio, Nonna Papera e il film cortissimo — Itália, 23 de junho de 2009
Código da História: I TL 2795-4
Publicação original: Topolino (Libretto) #2795
Editora original: Mondadori, Disney Italia, Panini Comics
No Brasil: Um Especial Disney 6 – Histórias de Cinema, Editora Culturama, abril de 2021
Roteiro: Marco Bosco
Arte: Roberta Migheli
Capa: Alessio Coppola (arte), Stefano Intini (cores)
6 páginas

Você Também pode curtir

Este site usa cookies para melhorar sua experiência. Presumimos que esteja de acordo com a prática, mas você poderá eleger não permitir esse uso. Aceito Leia Mais