2021 foi um ano muito movimentado para a Marvel Studios. Depois de um 2020 pandêmico em que o universo cinematográfico deu uma pausa, os heróis voltaram com tudo a ter presença nas salas de cinema e no colo das nossas TVs. Além de 4 novos filmes, o MCU apresentou 5 séries em formato inédito, lançados diretamente para “multimonopolizado” streaming do Disney+. Ao fim de tantas produções, aproveitando o gancho da recém acabada minissérie do Gavião Arqueiro e ainda no hype de Sem Volta Para Casa, decidimos elencar todas as obras da Marvel neste ano, da pior para melhor.
“Pô, mas cadê a coragem do Plano Crítico de antigamente e não elencar logo todo o MCU atualizado?”. Calma jovem padawan, muito em breve isso irá acontecer. “Ah, mas como vamos comparar filmes com séries? Não é injusto?”. Não se pensarmos que o formato dessas séries é equivalente a filmes com maior duração, divididos em capítulos para que o MCU tenha títulos para lançar no streaming. Sei que duas delas (por enquanto) foram renovadas para uma segunda temporada, mas a proposta também apresenta uma trama fechadinha em si, de um mesmo universo, permitindo comparações qualitativas.
Participaram da elaboração deste ranking, eu, o colunista que vos fala, Iann Jeliel, junto a Kevin Rick, Davi Lima, Roberto Honorato e nosso querido editor Ritter Fan. Antes da ordem, vale destacar algumas observações importantes sobre critérios usados na elaboração do ranking:
- Era necessário gabaritar a Marvel em 2021 para participar da lista, ou seja, ter visto todas as 5 séries completas e assistidos aos 4 filmes.
. - Cada participante elaborou seu ranking individual e, em cada ranking, os filmes ganharam uma certa quantidade de pontos, adquiridos de forma inversamente proporcional à sua colocação. Exemplificando: O 1º lugar levou 9 pontos, o 2° lugar, 8 pontos, e assim sucessivamente até o último e 9° lugar, levando apenas 1 ponto;
. - Com a soma simples dos pontos, chegamos à primeira versão da lista, uma vez que houve um empate. Para desempatar, o filme/série que levou a melhor colocação em ranking individual levou vantagem;
. - A classificação final pode não refletir na avaliação das críticas, visto que, os colunistas presentes, obviamente, têm divergências nas opiniões entre si;
. - Os comentários curtos abaixo das posições serão feitos por mim (Iann) e representaram parte da minha opinião, levando em conta a impressão conjunta dos escritores envolvidos;
. - Haverá links para cada crítica (por episódio; com ou sem spoilers) nos títulos. Não deixe de ler os comentários e acessar os textos completos após o ranking.
Por fim, esta, como qualquer outra lista, não possui caráter definitivo. Concorda? Discorda? Ótimo! Deixe sua opinião sobre a nossa ordem com respeito nos comentários, além de colocar a sua ordem para a gente debater. Vamos ao ranking!
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9º lugar: What If…? – 1ª Temporada
(13 pontos)
Dada a premissa das séries dos quadrinhos, além do inédito formato de animação, What If… tinha enorme potencial para se destacar entre os demais projetos da Marvel no ano. Infelizmente, o formato semi-procedural (visto que as histórias, ao final, se conectam) acaba exercitando pouco a possibilidade de ‘despirocar’ na continuidade dos eventos. Ora os episódios trocavam as peças de uma história que já vimos, ora a história nova não tinha tempo para ser encenada como narrativa, sendo basicamente “passada” adiante como respostas do que aconteceria, ora havia uma dependência das bases de uma história já vista para que a nova funcionasse minimamente. Salvo o episódio do Ultron (e talvez o do Dr. Estranho), a primeira temporada dificilmente empolga o telespectador.
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8º lugar: Falcão e o Soldado Invernal
(19 pontos)
A ideia de conversa sobre as dificuldades de passagem de manto de um símbolo patriota para um negro, com o histórico norte-americano, é um bom ponto de partida dramático para a minissérie dos dois coadjuvantes principais do Capitão América. A base buddy-cop de espionagem em fundos políticos potencializa esse arco, especialmente com a inserção de John Walker como um terceiro elemento e uma verdadeira antítese no debate colocado. Infelizmente, a execução da série é tecnicamente reducionista, tanto na ação, quanto no drama. Falta desenvolvimento das arestas. Os caminhos acabam convergindo em uma espécie de filme de origem genérico no formato de passagem de bastão onde a representatividade funciona como um escudo (perdão ao trocadilho…).
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7º lugar: Gavião Arqueiro
(21 pontos)
Falando em escudo, não é de hoje que a Marvel usa a comédia e uma suposta autoconsciência do humor para disfarçar a inutilidade de certos personagens, pregando o assumir de sua tolice como forma de melhorá-los. Aconteceu, por exemplo, com o Thor depois de dois filmes chatos: no terceiro, ele virou um piadista. E acontece, pela segunda vez, com o Gavião Arqueiro: zoado frequentemente em A Era de Ultron e aqui novamente, em uma série com o seu nome, mas que é mais vista pela presença da Kate Bishop, da Yelana, da participação do Rei do Crime (COMPLETAMENTE DESCARACTERIZADO!!!), do cachorro, do que por ele. Crossovers que levam a contradições com a ideia de utilizar o clima natalino como justificativa de ser despretensiosa. Duas muletas que não se conversam e resultam numa comodidade absoluta que leva à mediocridade. É, para mim, a pior coisa da Marvel no ano e só não está em último lugar, porque nosso querido Ritter achou “divertidinho” até demais.
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6º lugar: Homem Aranha: Sem Volta Para Casa
(25 pontos)
COMENTÁRIO COM SPOILERS
O grande evento da Marvel no ano tem os méritos de conseguir desvincular o apelo pela nostalgia com a presença de outras gerações de um lugar puramente feito como agrado ao fã (reitero: filme nunca deve ser feito só para o fã). Tanto que a maior força da narrativa está mais na jornada de amadurecimento desse Peter Parker (que sempre pareceu ter tudo nas mãos, sem dificuldades ou com os dilemas complexos que o aracnídeo carrega) do que no crossover dele com as antigas versões de Tobey Maguire e Andrew Garfield. Claro, é um deleite vê-las atuando juntas para além de um clímax de batalha final, discutindo sobre as maldições e traumas que carregam, sendo um apoio dramático de um para o outro, em especial para o Tom Holland após a surpreendente perda da Tia May, mas nunca o principal motivo dele amadurecer.
Contudo, parando friamente para pensar na escala épica do evento, por mais que tenha momentos isolados deliciosos e de enorme sensibilidade dramática (a cena do teto da escola), dava para ser melhor. Jon Watts desde os filmes anteriores provou que é um diretor ineficaz para cenas de ação, logo, aquele clímax escuro na estátua da liberdade beira o decepcionante e só não o é porque o efeito da junção dos três personagens, pensada primeiro no drama lhes dá mais força emocional (fora a presença do Duende Verde). Além disso, demora para o filme arcar com as consequências que propõe, com o diretor insistindo num clima high-school que já passou – o primeiro ato demasiadamente veloz trata o problema da descoberta de identidade como se fosse algo descolado. A Marvel tem dificuldade de abandonar o humor em certos momentos. Mesmo as piadinhas que funcionam, por vezes, quebram o clima de seriedade que consegue ser muito bom quando quer. No fim, valeu pela correção deste Aranha e retorno dos heróis às suas origens. Demorou, mas felizmente o MCU tem um Homem-Aranha para chamar de “raiz”.
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5º lugar: WandaVision
(27 pontos)
WandaVision surge como uma espécie de primeiro experimento mais explícito da Marvel (friendly family) realmente distante do conforto da sua fórmula. Pelo menos em teoria, porque na prática, não se comporta bem assim. Mesmo nos primeiros episódios em que a ideia era brincar com os personagens, imaginando-os em diversos formatos de sitcom dos mais diferentes períodos, já estava claro um caráter estranho naquela realidade, que em algum momento, nos primeiros episódios, se sustentou bem no mistério que não anula a brincadeira inicial. A metalinguagem inicialmente proposta para ser o diferencial, acabou levando a série para um lugar-comum, que ainda por segurança, se converte em um ‘filme de origem’ da Feiticeira Escarlate.
Portas como o retorno do Visão, realidades alternativas, dentre outras possibilidades interessantes, são cessadas e/ou racionalizadas para sustentar o conforto de um público mimado apenas pelo caráter referencial. Esse que é bem aproveitado. Mas do que adiantam referências sem uma boa base dramatúrgica? Wanda e o próprio Visão pouco evoluem como personagens, no fim de tudo. Apenas conhecemos mais da sua fisiologia de seus poderes, para os quais o cinema não tinha tempo de dar ênfase. Nesse sentido, a questão de complemento ao universo do cinema é suprida, mas a um custo cíclico de ideias “diferentes” que foram ou mal aproveitadas ou são deixadas em aberto para serem reaproveitadas (retcom) depois.
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4º lugar: Viúva Negra
(27 pontos – Melhor Colocação)
É meu primeiro lugar particular do ano. Um filme que chegou atrasado, é verdade, mas ao mesmo tempo também chegou no momento certo. Explico. Uma das minhas maiores reclamações, como consumidor do MCU, foi a demora de um filme solo de heroína para a Viúva. Sua trajetória na Marvel pode ser resumida a um papel de sexualização “smurfette” (uma mulher em meio a um grupo de homens) e depois um casal trocado dos Vingadores (ou vai dizer que você não já “shippou” ela com o Capitão América ou com o Gavião Arqueiro em algum momento?). A morte da Viúva em Ultimato é uma das coisas que mais me incomodaram naquele filme, porque tinha a impressão de ser um descarte do elo mais fácil (a justificativa de não ter ninguém à sua espera na Terra foi meio que uma confirmação disso na teoria). Por outro lado, a premissa do seu filme solo já começar nesse contexto de pós-legado da morte, permitiu uma liberdade criativa diferenciada na contação da sua história.
Tirando início e fim, é um dos poucos exemplares da Marvel completamente desvencilhado de uma expansão macro do universo, ou seja, a importância do filme vai exclusivamente para a sua protagonista, não sendo desviada para elementos futuros ou referências que não estejam acopladas à valorização tardia do seu legado. Só que a diretora Cate Shortland não faz o filme ser sobre isso, pelo contrário, ela aborda a opressão da personagem sobre uma óptica completa, honesta, que se aproveita muito bem emocionalmente da nossa convivência prévia com a personagem. Sem as demais preocupações e limitações do universo, Cate encorpa um clima de espionagem puro, remetendo a Capitão América 2: O Soldado Invernal, mas trocando o teor político pelo social e se aproximando de uma ação mais limpa em vez de crua, aproximando-se mais de um Missão Impossível do que um Jason Bourne (que seria o CAP2). Foi bem melhor receber um filme da Viúva agora com essa liberdade do que fazê-lo cedo demais como um filme de origem genérica e sem personalidade.
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3º lugar: Eternos
(28 pontos)
É hora da polêmica: Eternos pode se resumir a Liga da Justiça que o Snyder queria fazer, mas não conseguiu. Sei que isso diz mais sobre o filme da DC do que o da Marvel, mas é de se admirar como Chloe Zhao consegue aplicar a humanidade em tantas figuras messiânicas completamente novas (com um tempo de tela muito bem distribuído) e que aparentemente também chegaram atrasadas a este universo. Não há só um malabarismo para justificar a não-intervenção deles antes. Essa premissa parte para um lugar maior com um surpreendente subtexto da robotização dos mitos e das crenças neles.
O tom mais sério sempre ajuda, mas a força de Eternos está no campo ideológico e, como ele, vai convergindo questionamentos e gerando todos os conflitos do filme, dando-lhe uma dimensão épica crescente, mesmo com o tom naturalista e contemplativo da direção. Um dos projetos mais corajosos e diferentes da Marvel, indigesto para alguns pela falta de humor (o que não necessariamente é falta de carisma) ou rumos temáticos ambiciosos com seus vários personagens complexados, mas felizmente, a democracia agiu corretamente e faz justiça ao filme ao colocá-lo no Top 3 do mesmo site que fez duas críticas negativas a obra.
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2º lugar: Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis
(31 pontos)
Enquanto as séries fizeram o trabalho sujo de progressão e expansão do universo cinematográfico como produto, os quatro filmes da Marvel no ano tiveram resultados bem sólidos, por terem uma maior liberdade de trabalhar seus conceitos isoladamente, com propostas revigorantes, adeptas à mescla de gêneros e personagens que não precisam ser comediantes para atingir o carisma necessário a fim de conquistar o público. Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis talvez tenha sido o mais equilibrado, justamente por sua proposta focar em atingir uma austeridade entre dois hemisférios de estilos artísticos diferentes.
Puxa-se o lado das artes marciais chinesas, mais especificamente o subgênero Wuxia, com lutas contemplativas, íntimas e respeitosas, dentro de uma condução rítmica predominantemente americanizada, onde a coreografia é potencializada pelos cortes rápidos, a urgência narrativa é constante e a plasticidade artificial dos movimentos lembra o melhor do cinema de Jackie Chan. Essa combinação de leveza com a agressividade na ação, num contexto de fantasia surpreendente mitológica (sem criar muitas racionalizações, tem dragão mesmo e é isso aí), traz uma interessante crescente para a história, consolidada pela boa construção do vilão em conjunto com o drama familiar do protagonista. Uma grande surpresa.
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1º lugar: Loki – 1ª Temporada
(34 pontos)
Se na corrida entre Marvel e a DC no cinema, a Marvel tinha a dianteira por apostar numa organização milimétrica de cada um dos passos do seu universo, hoje, quando sua fórmula claramente criou uma saturação, a empresa tem noção de que precisava sair da zona de conforto, mas não queria fazer isso abdicando totalmente dos anos que passou arrumando o seu conglomerado com o máximo de coerência logística possível. Nesse contexto surge Loki, uma série de um personagem que estava mais do que saturado, mas que consegue ser perfeitamente utilizado como a base de uma reestruturação do universo cinematográfico por completo, racionalizando seus conceitos mais complexos (tempo, multiverso, origem de tudo) de um modo que permite bagunçá-los e manter a coerência e a compreensão do público acostumado com o caráter cíclico dessas histórias nos quadrinhos.
A primeira temporada de Loki não é só conceitualmente vistosa, visualmente inventiva enquanto épico de sci-fi, como narrativamente acopla sua proposta a um novo descobrimento da identidade do seu personagem-título. As inúmeras variantes de Loki, por exemplo, servem de apoio para definir um estudo fascinante da amálgama narcisista e traíra do deus da mentira, que só consegue ser enganado, literalmente, por ele mesmo. A partir dessa conclusão existencialista, abre-se diversos comentários interessantíssimos que vão da metalinguagem (com a autoconsciência de Loki ao pertencimento de uma ficção de alguém maior), passando até por analogias religiosas (Loki é Adão e é Eva num centro de criação que não sabe tudo e que tem páginas em branco) e o confronto de verdades absolutas para criar algo novo. Quem diria que com WandaVision e What If… (dadas as premissas), seria Loki a obra da Marvel com mais culhão para pirar nas ideias em grande estilo. Merece o topo dessa lista.