A escassez de material sobre música erudita é algo patente na seção de música do Plano Crítico. Embora todos os gêneros estejam representados no site por meio de críticas, colunas e listas, ainda há muito pouco sobre a chamada “música clássica” por aqui. A ideia de comandar uma coluna regular no site especificamente dedicada ao gênero surgiu no fim de 2018 em conversa com Luiz Santiago. Sabendo de minha experiência dupla como ouvinte e como pianista, nosso editor-chefe me sugeriu a empreitada e eu prontamente a aceitei. Trago para a primeira coluna um compositor bastante especial para mim. Possivelmente, minha primeira paixão no universo musical erudito e um dos autores que mais ouvi em toda a minha vida.
Falo de Frederic Chopin, compositor polonês que passou toda a segunda metade de sua curta vida radicado na França. Um dos primeiros românticos, Chopin dedicou quase que a totalidade de sua obra para o piano (exceção se faça às suas belas sonatas para violoncelo). Não somente isso. O compositor, perseguido pelo czarismo que dominara seu país natal, transformou a própria compreensão sobre o instrumento, inaugurando o estilo cantabile, em que a melodia assumia um sentido vocal sem precedentes e bastante decalcado da ópera italiana (especialmente a de Vincenzo Bellini). A melancolia, a solidão, o fantasma da morte que o perseguia (diz-se que Chopin sofria de tuberculose, embora estudos recentes aventem a hipótese de fibrose cística) e o patriotismo são centros temáticos de sua produção.
Frederic Chopin é um dos compositores do repertório pianístico mais executados e apreciados mundo afora. É certo que a lista de grandes intérpretes de sua obra é longa. Elaborei a seguir uma lista constando apenas de oito grandes nomes. Advirto que, de modo algum, pretendo apontar definitivamente quais são os melhores intérpretes do polonês em todos os tempos. Os critérios que utilizei foram os seguintes: 1) a ordem dos pianistas seguirá obviamente a da minha preferência pessoal; 2) essa preferência estará condicionada unicamente ao repertório chopiniano e, portanto, não se trata de elencar os pianistas de que mais gosto em um repertório geral; 3) a lista conterá medalhões, mas também intérpretes mais novos, afinal, há muitos grandes pianistas em plena atividade e a cujos recitais temos a sorte de poder ir. Não é bom conhecermos as novas caras, além de reverenciar as lendas? Pois vamos à lista!
8. Seong-Jin Cho (Coréia do Sul, 1994)
Dono de uma técnica prodigiosa, o vencedor do 17º Concurso Internacional Fryderyk Chopin, realizado em Varsóvia em 2015, traz leituras de Chopin cheias de vigor e energia, mas jamais descuidadas de pianíssimos delicados e bem timbrados. Foi um dos destaques do prestigiado concurso por suas interpretações bem equilibradas, sem exageros em planos dinâmico e agógico. Pianista incrivelmente talentoso e de carreira promissora, que já exibe a maturidade que falta a muitos de seus contemporâneos na compreensão da música de Chopin. Vale conferir sua belíssima interpretação do Scherzo Nº 2 na terceira etapa do concurso:
7. Yulianna Avdeeva (Rússia, 1985)
Na edição anterior do mesmo concurso, a vencedora viu-se envolvida em uma injusta polêmica, ao ser acusada de não merecer a premiação. Um clima de torcida organizada bastante desrespeitoso reivindicou o prêmio para outros dois finalistas – Daniil Trifonov e Ingolf Wunder. Yulianna Avdeeva não só mereceu o prêmio, tornando-se a primeira mulher após Martha Argerich a ser laureada em Varsóvia, como provou seu extremo bom gosto e refinamento musical nas gravações de Chopin que faria nos anos seguintes. Sua gravação dos 24 Prelúdios, Op.28 para o selo Mirare, em 2014, é verdadeiramente estupenda. Assim como essa lindíssima interpretação do Concerto Para Piano Nº2, cujo extraordinário segundo movimento é transformado em uma verdadeira joia pelas mãos da talentosíssima pianista russa:
6. Evgeny Kissin (Rússia, 1971)
O russo é certamente um dos grandes gênios do piano em nosso tempo e, mesmo não tendo se especializado no repertório chopiniano, revela uma incrível desenvoltura e personalidade ao interpretá-lo. O traquejo para executar as obras mais difíceis do compositor polonês manifestou-se cedo para Kissin, que aos 12 anos já demonstrara toda a sua genialidade ao interpretar os dois Concertos para Piano para uma enorme plateia no Conservatório de Moscou. Sua fulgurante leitura do Estudo “Revolucionário” atesta seu gênio:
5. Martha Argerich (Argentina, 1941)
A lendária pianista argentina já declarou que, quando passa um tempo sem tocar Chopin, sente-se como se tivesse deixado de ser pianista. Embora dominando praticamente todo o repertório que executa pelas salas de concerto de todo o mundo, Chopin parece ser tão especial para ela quanto é sua própria compreensão da obra do polonês. Martha Argerich sabe dosar como poucos o rubato na música chopiniana e suas interpretações são tão cheias de intensidade quanto de delicadeza. Não me deixa mentir a sua gravação da Sonata Nº2, em que se alternam os diversos matizes da música do polonês, capturados por Martha com incrível precisão:
4. Kate Liu (Singapura, 1994)
A jovem pianista conquistou a medalha de bronze no 17º Concurso Internacional Fryderyk Chopin. O motivo para colocá-la tão à frente do vencedor da mesma edição e oitavo nome dessa lista é bastante simples – Kate Liu trouxe para cada uma de suas provas o melhor Chopin que ouvi em muitos anos. Fica claro para mim que ali não há só talento e dedicação, mas uma comunicação rara de se ver entre intérprete e compositor. Sua interpretação de Andante Spinato e Grande Polonaise Brilhante, uma das minhas obras favoritas do prodígio polonês, é a melhor que conheço, mesmo considerando a dos melhores pianistas de toda a história. Momento de puro deleite ocorrido durante a segunda fase do concurso, levando a plateia ao êxtase:
3. Arthur Rubinstein (Polônia, 1887 – 1982)
Tendo se apresentado em concertos e recitais até os 88 anos, Arthur Rubinstein é um caso de grande especialista na obra do compositor polonês. Diz-se que Rubinstein sempre está em seu melhor quanto toca Chopin e que Chopin sempre está em seu melhor quando interpretado por Rubinstein. Motivos para isso realmente não faltam. Seu lirismo e sua clareza absoluta de fraseado tornam suas gravações da obra completa de Frederic Chopin verdadeiros tesouros da história da música ocidental. Vejam como o espírito chopiniano se torna claro em seu dedilhado tão preciso e limpo:
2. Maria João Pires (Portugal, 1944)
Maria João Pires destaca-se possivelmente com uma das mais inspiradas intérpretes desse compositor tão especial. A pianista portuguesa é capaz de nos fazer ouvir contrapontos quase nunca notados em outras gravações, de recriar frases dando-lhes inflexões extremamente imaginativas e, assim, de encher de cores e timbres a já tão rica música de Chopin. É exatamente o que a pianista faz naquela que é considerada a melhor gravação dos Noturnos – possivelmente a obra mais importante e bela do polonês. O excerto abaixo, retirado dessa mítica gravação, contém os dois lindíssimos Noturnos Op.34 e justifica a posição de Maria João Pires no topo da lista dos meus pianistas prediletos para ouvir Chopin :
1. Krystian Zimerman (Polônia, 1956)
Qualquer nome que eu pudesse indicar como o meu intérprete chopiniano favorito geraria controvérsia. Mas o pianista polonês Krystian Zimerman é, para mim, em todo o conjunto de gravações que realizou da música de Chopin, quem melhor expressou o que é a música desse compositor. Desconheço quem já o tenha executado com tamanho equilíbrio entre técnica e caráter, com máxima consciência do emprego do rubato nas frases mais delicadas e com absoluta limpeza sonora nas passagens mais vigorosas. Percebam como Zimerman encanta, por exemplo, em sua interpretação das Baladas. Chopin refinado e de altíssimo nível do início ao fim. Não há aqui uma frase sequer que não tenha sido executada com o máximo de capricho por esse grandioso pianista. Para mim, o mestre dos mestres no repertório chopiniano: