- Há spoilers, obviamente.
O Poderoso Chefão é, inegavelmente, um dos melhores e mais importantes filmes americanos da História do Cinema e, como tal, tem uma legião de fãs de todas as décadas que adoram o longa pelas mais diversas razões e, claro, têm as mais variadas cenas e momentos como favoritas. E, de fato, o longa de 1972, dirigido por Francis Ford Coppola, parece ser composto de 175 minutos de cenas e momentos inesquecíveis, além de frases até hoje repetidas por aí como parte do léxico.
A missão que eu me obriguei a cumprir, portanto, como parte das comemorações dos 50 anos desta obra-prima, foi criar um Top 10 dos melhores momentos do longa. Trata-se, em primeiro lugar, de uma lista composta exclusivamente por mim, com base em meu gosto pessoal. Em segundo lugar, propositalmente fugi de mencionar “cena” ou “sequência” no título do presente artigo justamente para me dar toda a liberdade possível para eleger aquilo que eu quisesse, da forma que eu quisesse, pelas razões que eu quisesse, ou seja, sem me preocupar com formalidades cinematográficas sobre o que é uma cena e também me permitindo colocar em uma lista só “momentos” de vários minutos ao lado de outros de apenas alguns breves segundos e com justificativas intra e extra-filme.
Portanto, gostaria de fazer uma oferta que vocês não podem recusar: confiram as Menções Honrosas e o Top 10, digam se concordam ou discordam e, principalmente, mandem suas próprias listas para compararmos e conversarmos!
Menções honrosas
(sem ordem específica)
Mesmo começando com Menções Honrosas limitadas ao razoável número de cinco, não consegui listar, aqui, tudo o que gostaria. Mas, como já disse, cada momento do filme merecia estar aqui! Vamos lá:
- Pobre Karthoum: Talvez – só talvez – a mais lembrada cena do filme inteiro, que usou uma cabeça real de cavalo de corrida (não, não mataram cavalo algum para o filme, só compraram uma que estava disponível) e exigiu litros e mais litros de sangue cenográfico para as dezenas de takes que Coppola obrigou John Marley a fazer.
- Peter Clemenza ensinando Michael a cozinhar: A descontração do momento em meio à tensão da situação chega ao seu ponto mais alto – e hilário – quando Michael recebe uma ligação de Kay que diz que o ama e ele não consegue responder na mesma moeda por vergonha de dizer isso em alto e bom som diante de Clemenza e de todos ali.
- O assassinato de Virgil Sollozzo e do Capitão Mark McCluskey por Michael: Toda a cena, de Michael sendo pego de carro pelos dois até a execução deles no restaurante Louis é primorosa em execução e tensão e funciona como uma precisa maneira de fazer a transição física, por assim dizer, entre o Michael que não queria nada com os negócios da família e o Michael completamente dedicado aos negócios da família.
- “Veja como eles massacraram meu garoto”: O momento em que descobrimos, de uma vez por todas, que Coppola fez mágica com seu filme, pois lamentamos a morte de Sonny e o sofrimento de seu pai – dois bandidos e assassinos, não podemos esquecer – com a mesma intensidade que sofremos quando nosso herói favorito morre ou sofre um revés em outros filmes. E temos vontade de chorar…
- Michael cortejando Apollonia: Outra cena – como a da lição de culinária – em tom completamente diferente do filme todo – inclusive e especialmente em termos fotográficos e de cenário, claro, que revela um outro lado de Michael, um homem capaz de ser atingido pelo raio fulminante do amor à primeira vista OU, em outra interpretação, certamente mais sombria, um homem que quer deixar evidente para todos o comando que ele é capaz de impor.
Agora é a hora do Top 10!
10º Lugar:
O Assassinato de Santino “Sonny” Corleone
Tenham o seguinte em mente: a famosa cena em que Sonny é metralhado no pedágio de Long Island em uma emboscada organizada por Emilio Barzini, Sr. foi integralmente filmada em apenas um take, ou seja, Coppola só disse “ação” apenas uma vez, apesar de o diretor notoriamente exageras na quantidade de takes que exige de cada cena. UM. TAKE. SÓ.
E as duas principais razões para isso foram de ordem prática. A primeira delas – e a mais importante, claro! – foi a questão econômica, já que somente essa sequência consumiu pouco mais de 100 mil dólares do orçamento do filme, o que a torna de longe a mais cara por segundo de toda a produção. A segunda, que também explica a primeira, foi a questão de segurança de James Caan, pois a cena não tinha como ser feita com dublê. O ator teve seu figurino enxertado com algo como 100 pequenos explosivos e bolsas de sangue que seriam ativados tanto remota, quanto manualmente (sim, há fios imperceptíveis saindo de seu terno que foram puxados por técnicos no momento certo) e que poderiam machucá-lo de verdade, até porque são os mesmos explosivos que também foram inseridos em seu Lincoln Continental V12 Coupe, em buracos de bala pré-feitos e pintados por cima (assim como no posto de pedágio). Ou seja, se um segundo take fosse necessário, outros 100 mil dólares seriam gastos e Caan se arriscaria novamente.
Mas tudo deu absolutamente certo. Do momento em que o cobrador do pedágio se abaixa até quando Sonny cai estirado no chão, tudo foi capturado por diversas câmeras em apenas um maravilhosamente violento take que nunca havia sido tentado antes nessa magnitude. E o efeito visual disso tudo para os espectadores, mesmo aqueles acostumados com o grau de violência gratuita que os filmes oferecem hoje em dia é devastador, especialmente quando lembramos que tudo foi feito artesanalmente, diante das câmeras.
9º Lugar:
A Reunião de Don Vito Corleone com Virgil “O Turco” Sollozzo
Essa cena é, em uma análise rasa, a antítese da anterior. Tomada interior, calma, sem violência e sem gritos. Mas ela é justamente a origem de tudo, o verdadeiro começo do banho de sangue que O Poderoso Chefão acaba sendo e, curiosamente, tem Sonny como seu pivô, por assim dizer. A sequência, que ocorre no escritório de Don Vito Corleone – a empresa de fachada Genco Pura Olive Oil Company – é marcada pela informalidade, com todos sentados em cadeiras formando um círculo, e Sollozzo sendo recebido com festa pelo Padrinho, que ouve com atenção a proposta que ele tem a fazer, mas, muito claramente, pronto para negá-la desde quando Tom Hagen informa seu pai adotivo sobre a questão das drogas.
Esse momento merece estar aqui na lista porque ele estabelece, como em diversos outros que ainda citarei, a importância da família no filme. O silêncio impera. Sollozzo fala o que tem que falar enquanto todos ouvem e Don Vito, então, é o único a responder com um rápido e justificado não. A família ouve, o patriarca fala e essa ordem é quebrada, então, pelo comentário aparentemente inofensivo de Sonny – “você está me dizendo que os Tattaglias garantem nosso investimento?” – com seu pai olhando-o em reprovação silenciosa, com o gesto sendo repetido com cortes para os olhares de Tom Hagen e Peter Clemenza e, talvez ainda mais importante, de volta à Sollozzo, que tem uma reação diferente, esboçando, bem lá de longe, um sorriso.
A sutileza é tudo nessa cena. Qualquer intervenção de Sonny ou outro presente ali da Família Corleone já seria algo inaceitável na ordem das coisas, mas uma intervenção que deixa transparecer que o filho mais velho da família talvez tenha interesse no negócio que o pai rejeitou é algo sério e Sollozzo não só percebe isso, como usa esse momento como gatilho para seu plano para eliminar o patriarca e seu principal assassino Luca Brasi, sequestrar Tom para fazê-lo de pombo correio e, então, reverter a negativa. E o melhor: uma outra “versão” dessa cena aconteceria de maneira menos sutil mais lá para a frente, em Las Vegas, entre Michael, o novo Poderoso Chefão, e seu irmão Fredo.
8º Lugar
A Passagem do Manto
Outra cena calma, mas emblemática. Michael já vinha trabalhando diretamente para a família como o efetivo líder e, para todos os efeitos práticos como o “Don”, mas essa cena – que é realmente conhecida na produção como “passagem do manto” e que foi escrita não por Coppola, não por Mario Puzo, mas sim por Robert Towne como um favor ao diretor, já que ele estava tendo problemas com o momento e ele só tinha basicamente mais um dia de filmagem com Marlon Brando. Aliás, Towne, apesar de ter sido pago alguma coisa pela Paramount, recusou créditos e, de brincadeira, apenas pediu que Coppola agradecesse a ele se ganhasse o Oscar, o que aconteceu, claro, e, como prometido, o diretor devida e expressamente agradeceu a ele, inclusive mencionando a sequência.
Nela, o já envelhecido e fraco Don Vito Corleone lamenta que Michael foi forçado a assumir o manto da família, já que seu filho mais novo era a esperança de que os Corleones começariam a traçar um caminho pela legalidade, e efetiva e simbolicamente entrega toda sua confiança a Michael, inclusive aconselhando-o sobre quem potencialmente seria o traidor. O que fica subentendido nesse momento é que toda a estratégia que vemos desaguar na cena do batizado em que Michael elimina todos os chefões da máfia foi algo combinado entre ele e o pai. Não as minúcias de tudo, claro, mas as pinceladas gerais, algo que começa – se formos puxar pela memória – no momento em que, para garantir a paz e o retorno seguro de Michael da Sicília, Don Vito Corleone diz que se alguém quebrar a paz, não será ele. ELE é a palavra chave, obviamente, que abre as portas para que seu sucessor faça por ele aquilo que ele ali já tinha vontade de fazer.
7º Lugar:
Kay e Don Michael Corleone
Kay é uma personagem subestimada em O Poderoso Chefão. No entanto, ela não deveria, pois toda sua construção a faz o olhar externo sobre a Família Corleone, o que obviamente a faz ser o peixe fora d’água, mas, ao mesmo tempo, aquela esperança de que “tudo vai dar certo”. A Kay do casamento de Connie – assim como o Michael da mesma cena – é a Kay deslumbrada, a Kay apaixonada, a Kay que não consegue sequer acreditar de verdade quando Michael conta sobre como seu pai “convenceu” o agente de Johnny Fontane a liberá-lo de suas obrigações.
Ao final de O Poderoso Chefão, Kay está casada há anos com Michael e tem dois filhos com ele. Sua inocência se foi, mas sua confiança no marido ainda é mantida por um fio. É isso que a faz indagar a Michael se o que Connie o acusa de ter feito – matado Carlo e todos os chefões da Máfia – é verdade. A cena é dura, pois Michael, agora Don Michael Corleone, não pode admitir que sua família se meta em sua Família, se é que vocês me entendem. Mas ele abre uma única exceção e a permite perguntar, respondendo um simples, lacônico e direto “não”, com um breve balanço da cabeça, com Kay sorrindo, mostrando-se aliviada e abraçando-o.
Mas essa é a Kay que quer acreditar no marido desesperadamente. Lá no fundo, ela sabe que ele acabou de mentir na cara dura para ela. E isso não é algo que fica apenas nas entrelinhas. A sequência termina exatamente da forma como o filme começou, com o Don recebendo sua “outra” Família e a porta de seu escritório sendo fechada, com Kay observando tudo – com semblante fechado e sério e alma torturada – à distância. Um final absolutamente espetacular que casa à perfeição com o conceito de família que é tão caro ao filme desde seus segundos iniciais.
6º Lugar
Negociações de Paz
Essa sequência tem um sabor especial para mim, pois, em minha interpretação – e creio não estar sozinho nela – é aqui que nasce o plano-mestre que é concluído com o assassinato de todos os desafetos da Família Corleone. Sim, Don Vito Corloene estava sendo genuíno em seu desejo de garantir o retorno seguro de Michael da Sicília, mas mesmo isso é, na visão macro dele, essencialmente uma forma de “mentir sem que ninguém tenha chance de perceber”. Michael de volta não é só um filho de volta, mas sim o executor de seu plano e a garantia da continuidade de sua família, já que ele sabe que mais ninguém nela tem o pulso necessário e que ele mesmo está ficando velho. E, claro, a reunião é a maneira que ele encontra – como Michael ao final com Carlo – de ter certeza do que ele já desconfiava: que quem está por trás de tudo é Barzini.
Portanto, ver Don Vito Corleone falar de paz, do retorno de Michael e, por vias transversas, pedir desculpas pelo que ocorreu e franquear seus contatos para as demais famílias, inclusive aceitando o tráfico de drogas, é um espetáculo em estratégia e cara-de-pau com consequências de longo prazo para todos ali, já que sua promessa de que ELE não quebrará a paz é a mais pura verdade, pois Don Vito Corleone realmente não tem a menor intenção em ser o instrumento de consolidação do poder de sua Família. Marlon Brando, claro, mostra-se mais uma vez incrível no papel, talvez em seu momento de mais destaque em todo o longa e, claro, ele realmente nos faz acreditar piamente no que seu personagem tão descaradamente promete.
5º Lugar
A Queda
Nunca houve na História do Cinema uma representação cinematográfica não-bíblica da queda de Lúcifer do Paraíso do que o momento em que a câmera de Coppola, focada em Michael sentado em uma cadeira com o rosto inchado do soco que levara do Capitão McCluskey, diz que ele matará o policial e também Sollozzo. E o que torna essa cena absolutamente brilhante é que ela é o espelho da sequência de abertura com um zoom que se afasta do rosto do agente funerário Amerigo Bonasera para revelar Don Vito Corleone de costas. Aqui, o zoom se aproxima lentamente de Michael de frente, Michael com uma das bochechas fazendo a mímica da do pai em uma “coincidência fortuita”. E, aqui, Michael faz algo por um misto de “negócios” e vingança (é inasfatável esse componente, temos que combinar, sendo que até Sonny percebe), enquanto que lá, seu pai prometera também violência, mas proporcional e em favor de terceiros.
Mesmo que a reação de Sonny seja levar tudo meio que na brincadeira, nós sabemos, sem a menor sombra de dúvida, que Michael realmente quer fazer o que sugere. A intensidade da atuação de Al Pacino nesse momento, falando por entre os dentes fechados, chega a ser assustadora, assim como é toda a ambientação cuidadosamente criada pela direção de arte para criar uma claustrofobia suja, um mergulho consciente de um personagem ao inferno sem que ele hesite por sequer um momento. Michael sabe o que tem que fazer e, mais ainda, ele sabe das consequências do que ele tem que fazer, consequências essas que vão muito além dele próprio e que afetarão sua Família por anos a fio.
4º Lugar:
O Batizado
O sagrado e o profano. O próprio Satã falsamente renunciando a si mesmo durante a cerimônia de batizado de seu próprio sobrinho, marcando o exato momento – que já vinha sendo preparado antes por uma soberba montagem que intercalava os assassinos, as vítimas e as cenas na Ingreja – em que Michael Corleone executa seu sanguinário plano de vingança contra todos aqueles que alguma forma conspiraram contra sua família. Al Pacino, com cabelo engomado e um semblante absolutamente sério, em outra atuação assustadora, pavimenta o caminho para que ele se torne o literal Poderoso Chefão, sem mais rivais e com mais poder do que seu pai (sabe quem é o pai de Satanás, não?) jamais teve.
Novamente, a família é o centro de tudo no longa. O ambiente em que Michael está não poderia gritar mais alto esse conceito, com seus capi, também membros de sua família estendida, executando ordens que vingam seu pai e seu irmão, ordens essas que, claro, exterminam os chefes de cada família rival. É a expressão máxima da lógica perversa do mundo em que Michael escolheu viver e o verdadeiro começo de seu calvário que só lhe traz desgraças nos anos seguintes. E o ingrediente sempre presente de que Coppola nos faz vibrar e torcer pelo próprio Satã é, aqui, ainda mais perturbador e desafiador.
3º Lugar:
O Casamento de Connie
Quem leu a lista até aqui provavelmente está coçando a cabeça se perguntando onde estão as menções a diversas cenas inesquecíveis do filme, como a que contém a frase que abre o longa, “I believe in America.“, ou a da oferta que ele (o produtor de cinema) não poderá recusar, ou a que vemos Luca Brasi primeiro treinando o que vai falar e depois, aqueles votos constrangedores de felicidade que ele faz ao seu Padrinho e assim por diante. Pois bem, confesso que a inclusão do “Casamento de Connie” aqui em terceiro lugar de minha lista é meu grande engodo na base de “minha lista, minhas regras”, pois o que eu quero dizer com “Casamento de Connie” vai da tela preta inicial do longa em que ouvimos as primeiras notas da música-tema de Nino Rota até a marca dos exatos 27 minutos filme adentro quando a dança de Don Vito é cortada para o pouso de Tom Hagen em Los Angeles. Sim, isso tudo! E sim, enganei vocês, he, he, he!!!
Mas sério agora. Essa gigantesca sequência é uma das melhores cenas de abertura da História do Cinema e uma que não tem nenhum frame gratuito o que está lá apenas como efeite. Todo o pesadelo que deve ter sido filmar especialmente a festa em si – as tomadas exteriores – com centenas de extras fazendo as vezes de convidados, garçons, cozinheiros, banda e assim por diante, mais do que compensou pois nesses 27 minutos aprendemos tudo o que precisamos aprender sobre a Família Corleone, o que eles fazem e, em pinceladas macro, o que o filme abordará. Além dos icônicos momentos que mencionei no parágrafo anterior, entendemos com detalhes os dois lados dessa família que será esmiuçada: há o privado, escuso, escuro e claustrofóbico representado pelo escritório onde Don Vito Corleone recebe pedidos que, no dia do casamento de sua filha, ele, com bom siciliano, precisa atender e há o público, alegre, claro, aberto representado pelo restante do terreno do complexo em Long Island onde a família Corleone mora.
No detalhe, entendemos quem é o Padrinho e o que ele faz, quais são as personalidade de seus filhos, cada um representando aspectos da personalidade do pai – Sonny, violento, estourado; Fredo, medroso, fraco; Connie, alegre e inocente e Michael, inteligente e perspicaz -, de Tom Hagen, Luca Brasi, Peter Clemenza e assim por diante. Entendemos que estamos vendo um império criminoso pela presença do FBI anotando placas e tirando fotos na porta da casa e somos preparados para vivenciar um mundo de contrastes que poderia muito bem ser encapsulado, talvez, pe canção siciliana Luna Mezz’o Mare (ou C’e La Luna Mezz’o Mare) sendo interpretada de maneira recatada por Mama Corleone e, em seguida, de maneira alegremente depravada pelo velhinho Don Victor Stracci…
2º Lugar:
No Hospital
A sequência que vai de Michael Corleone chegando ao hospital para visitar seu pai até o momento em que ele e Enzo Aguello, o padeiro que tem devoção por Don Vito, fingem ser guarda-costas no topo da escadaria do lugar para afastar os assassinos que chegam para acabar o serviço teria lugar fácil, fácil nos melhores thrillers de suspense ou até em filmes de terror de altíssima qualidade. É como ver um filme dentro de um filme que – sim, vou repetir isso! – aborda a família de maneira brilhante mais uma vez, pois coloca um filho arriscando a vida para salvar o pai, um pai agradecido que verte uma lágrima ao ver o filho (é de arrepiar esse momento), e um amigo da família estendida que não titubeia nem por um centésimo de segundo em ajudar seu padrinho sem sequer saber qual é o perigo (outro momento de arrepiar).
A tensão é impressionante e quase sem igual. O eco dos passos de Michael, o hospital vazio, a remoção da cama para outro quarto, os sons que parecem vir de ameaças, mas que, na verdade, vêm de Enzo chegando com um buquê de flores, o medo amplificado pela trilha sonora pontual de Nino Rota no topo da escadaria com Michael e Enzo desarmados e blefando com suas vidas, o momento crítico da chegada dos pistoleiros e o alívio absurdo que sentimos quando eles vão embora. São minutos que deixam ainda mais evidente a perigosa vida que os mafiosos escolheram viver e o alto preço que se paga por ela, o que inclui – no caso de Michael – sua própria alma, já que é exatamente aqui que ele finalmente percebe que precisará largar a vida que gostaria de ter e trocar pela vida que precisa ter e da qual não consegue escapar.
1º Lugar:
“Leave the Gun, Take the Cannoli.”
Eu sei, eu sei. Muita gente provavelmente vai dizer que essa cena é ótima, mas que “nunca” que merecia um primeiro lugar, especialmente na comparação com várias das demais listadas. Eu entendo. Mas discordo. Discordo muito na verdade. Sei que não vou convencer ninguém, mas deixe-me oferecer cinco razões para justificar minha escolha. Aqui vão elas:
- A cena é esteticamente soberba, com o frame do centésimo de segundo antes do assassinato – esse aí da imagem abaixo que eu tive que infelizmente cortas as laterais – sendo um dos melhores da História do Cinema e que, se fosse pintura à óleo, poderia figurar nos maiores museus do mundo e não, não estou exagerando;
- A inesquecível frase que usei como título aqui em inglês mesmo – mas que em português é “Deixe a arma, traga os cannoli.” – é fruto de um triplo improviso, o que só por isso já a torna mais sensacional e inesquecível do que ela já é. O primeiro improviso foi de Coppola que, duas cenas antes (filmada no mesmo dia, vale frisar), enxertou uma linha de diálogo para a Senhora Clemenza, vivivda por Ardell Sheridan, quando ela se despede do marido: “Não se esqueça dos cannoli”. Mais tarde, Richard S. Castellano – que, aliás, namorava Sheridan na época e viria a se casar com ela na vida real (razão bônus, hein?) – lembrou-se dessa frase e, no completo improviso, acrescentou “take the cannoli” ao texto original, que era só “leave the gun“. E, ato contínuo, o ator que fez o atirador agiu de acordo com o improviso de seu colega e foi lá e pegou os cannoli.
- A reunião de “take the cannoli” à “leave the gun” inadvertidamente acrescenta mais camadas ao texto e encapsula todo o tema do filme: a família e o que somos capazes de fazer por ela. Afinal, os cannoli remetem à família de Clemenza, mostrando que ele faz o que tiver que ser feito, mas coloca a família em primeiro lugar sempre.
- Reparem a Estátua da Liberdade. Ela está de costas para o assassinato. Isso não é sem querer e pode ter várias interpretações. Uma delas é que Clemenza escolheu essa posição em respeito ao país que abrigou os imigrantes italianos e lhes deu tantas oportunidades. Outra possível é que é como se a estátua estivesse com vergonha do que acontece e se virou. Mais outra, que o “país das oportunidades” fecha os olhos para os atos escusos que realmente criam essas oportunidades e fazem a máquina capitalista andar.
- Reparem na vegetação. Ela parece representar a riqueza do país, uma riqueza a que todos em tese podem ter acesso, mas que poucos realmente têm, como se Coppola estivesse dizendo que essa riqueza exige ações que envergonhariam muita gente.
Então sim, para mim, essa brevíssima cena é o melhor momento de O Poderoso Chefão, um filme feito apenas de melhores momentos.