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Lista | Top 10 – Os Melhores Filmes do Festival de Gramado 2023

Finalizada a experiência em Gramado, cabe, agora, listar os filmes...

por Frederico Franco
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Finalizada a experiência em Gramado, cabe, agora, listar os filmes que, a partir de minha visão, mais se destacaram entre todos exibidos no Festival. Curtas-metragens da mostra gaúcha, curtas brasileiros e até mesmo longas-metragens com mais pompa encontram seu lugar nessa singela lista. 

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10. Mais Pesado é o Céu

“Estamos aqui diante de dois espíritos livres, errantes, transeuntes. Caminhar faz parte de suas essências. São duas pessoas em busca de alguma coisa – mas nem eles próprios sabem o que desejam. Sua natureza é andar. A fome, literal e metafórica, é o que mantém ambos em movimento. São famélicos que exploram bem a realidade de uma parcela da população – o que dialoga bem com o que Glauber Rocha pensa sobre representação da fome. O filme está apoiado em um realismo que tem, sobretudo, um compromisso com a verdade. Por mais duras que sejam algumas cenas, a câmera basicamente afirma que a realidade dos dois protagonistas é dura, triste e violenta. São raros os momentos de alívio tanto para o espectador quanto para os personagens. O surgimento da personagem Fátima, que de certa forma, adota o casal, é um oásis de ternura em meio à crueldade do mundo construído por Petrus Cariry. Tudo, desde à natureza, até à violência humana, massacra Antônio e Tereza sem o menor pudor. Abuso moral, trabalho análogo à escravidão, abuso sexual: a realidade pesa toneldas nos ombros dos protagonistas.”

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9. Pássaro Memória

“Essa visão de uma capital hostil para aqueles considerados marginais é, de certa forma, um reflexo de como a sociedade em si luta para oprimir, silenciar e distanciar essas figuras de uma vida digna. Ao fim do filme, em uma potente performance da protagonista com outros transeuntes, mostra uma válvula de escape dessa arquitetura violenta: a arte. O fazer artístico, enfrentando a realidade espacial à sua volta, é uma espécie de levante contra a opressão. O espaço que machuca, que segrega, torna-se, então, palco, refém da arte.”

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8. O Acidente

“A vulnerabilidade assusta. A sinceridade também. O silêncio, muitas vezes escolhido como forma de neutralizar esses sentimentos, cria tensão e angústia. O não dito é enigmático, mas tão poderoso quanto qualquer forma de comunicação verbal. Em O Acidente, o diretor Bruno Carboni realiza um grande retrato de pequenos detalhes capazes de dar sentido àquilo que não é falado. […] A apatia é uma marca da personagem principal do início ao fim do filme. Quase sempre é enquadrada sozinha, ou quando é vista em um conjunto sempre aparenta haver um oceano de distância entre a outra pessoa. É justamente nos momentos pontuais em que essa lógica é quebrada que surge todo o mérito da direção de Bruno Carboni: os detalhes”. 

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7. A Última Vez que Ouvi Deus Chorar

“Por mais bela e suave que seja a estética do filme, não se pode deixar de lado o mérito da direção em saber ser opressiva. Em momentos de maior tensão dramática, a câmera quase engole a protagonista com close ups extremos que desfocam absolutamente tudo ao redor dela. Nossa respiração, em tais momentos, fica presa: a dor, o sofrimento, o luto, assim como a câmera, sufocam o espectador ao longo de sua duração. A hibridez do filme também demarca a existência de uma suposta realidade alternativa quando vemos as imagens em negativo. Nelas, vemos uma filha que nunca veio a nascer. A cada passo da criança ouvimos gritos de agonia – como se sua existência fosse marcada especialmente por dor e sofrimento. É nessa realidade paralela que o diretor nos apresenta simbólicas imagens de animais sendo abatidos. Por que essa violência? Não se sabe. Mas talvez, essa realidade paralela que surge sem explicação, não seja algo muito diferente da vida da protagonista, pautada por pura angústia e desgosto.”

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6. Rasgão

É uma alegoria distópica no qual seres alienígenas vêm ao Planeta Terra e sofrem por não conseguir uma comunicação direta com os seres humanos. O trunfo encontrado pelos diretores é de invenção ímpar: transformam agentes da inclusão (como braile, libras e legendas) como parte da linguagem cinematográfica que compõem a diegese do filme. O filme é uma clara forma de protesto contra as políticas anti-inclusão que permeiam a história do Brasil. Aqui, vemos uma narrativa que fala sobre a vida nua, como diria Agamben, aquela que é deixada de lado pelo governo e pelo soberano.”

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5. Tremendo Trovão

“Um curta-metragem que dança entre o experimental e o filme ensaio. É um filme, sobretudo, sobre arte e a necessidade humana de criar em meio ao caos da vida cotidiana. Entre memórias, levantadas por imagens de um passado nem tão distante, o diretor conduz o espectador entre imagens luminosas: luzes essas que podem representar a paixão humana ao se entregar por inteiro à atividade artística. A arte é um elemento compreendido como elemento inato do ser humano. A narração, poética e delicada, lembra as recorrentes inserções de Waly Salomão nos filmes do cineasta Carlos Nader. Poetas apocalípticos que costuram uma errante linha narrativa que não busca de jeito algum dar um sentido claro ao filme.”

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4. Ela Mora Logo Ali

“Em Ela Mora Logo Ali, a palavra escrita, erudita, pouco palatável – aqui no caso, o livro em si – é o mais próximo da essência divina de um texto: como é sabido, a obra não é exatamente um livro simples de ser lido. Por outro lado, a linguagem oral, cotidiana, comunicacional da mãe, é o profano. A protagonista, assim, nada mais faz do que negar a essência divina devido a sua realidade enquanto analfabeta. E isso pouco importa: para se conectar com o filho, nega-se o divino, o sacro. Para a mãe, ver uma ponta de felicidade em seu menino vale mais do que qualquer coisa. A linguagem oral, aquela que comunica, pode não ser celestial, mas é a essência do ser humano. A mãe, ao construir seu próprio Dom Quixote, destrói definitivamente qualquer possibilidade de essência espiritual da história de Miguel de Cervantes. Além disso, a narrativa oral permite ao narrador criar em cima daquilo que já existe. Nenhuma história contada pela oralidade é a mesma. Pela fala, tudo é profano. Mas quem se importa com o divino depois de milênios de profanação?”

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3. Nau

“Uma mulher em um aparente transe que envolve sua própria pele, dialoga ao longe com as ondas do rio. Com uma construção lynchesca a direção do filme prende o espectador em sua narrativa nada linear. O suspense digno de David Lynch, através de um perdido jazz que marca a trajetória da protagonista, é um filme intimista, porém cruel: o que vemos é um sofrimento interminável da personagem principal. Encontros com personagens que tange o realismo mágico, um trompetista de jazz e uma cartomante, dão ao filme um quê das fantasias de Haruki Murakami. A construção corporal da mulher, colocada entre peixes vivos e mortos, tem um impacto similar a um body horror – se Cronenberg usa máquina, Renata de Lélis vai ao reino animal para isso.”

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2. Mãri Hi – A Árvore do Sonho

Negue a técnica, pois o cinema, tal qual a América, ainda não foi descoberto”, diz o mestre do cinema experimental Stan Brakhage. O autor americano defende um cinema que se solte de quaisquer amarras visuais ou narrativas, criando, assim, uma nova percepção ou visão nunca antes produzida. Brakhage vai além e diz que a visão do artista, assim como a do santo, é capaz de imaginar o algo além; as visões oníricas, portanto, devem ser tão ou mais respeitadas que a própria linguagem mais próxima do real. E se um artista conseguir se conectar com suas essências divinas e, ao mesmo tempo, realizar algo cinematográfico? É isso que o realizador indígena Morzaniel Iramari Yanomami propõe em sua radical experimentação chamada Mãri-He: A árvore do sonho. Nele, embarcamos em uma viagem só de ida até a tribo de Morzaniel, onde também encontramos imagens oníricas unicamente experienciadas por meio da mediação visual da câmera cinematográfica.”

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1. Retratos Fantasmas

“O filme de Kleber Mendonça tem direta ligação com impressões suas a respeito de seu cotidiano passado. Desde o famigerado apartamento de sua mãe e até o bairro no qual viveu sua infância até o centro da cidade, o diretor se encaixa em uma lógica citada pela artista Lygia Clark: “é preciso estar sempre captando”. A arte precisa da vida real para ser criada. No primeiro terço de Retratos Fantasmas, Kleber Mendonça conta como pequenos acontecimentos ao redor de seu bairro desembocaram diretamente na construção de dois de seus longas: O som ao redor e Aquarius. Primeiramente, somos surpreendidos: os dois filmes tiveram como principal locação o apartamento que pertencia à mãe do diretor – agora ocupado por ele. Ali, observando detalhes minúsculos, como o latido de um cachorro e a presença de cupins na vizinhança, Kleber começa a construir suas obras. São ficções, mas com um pé grudado nas experiências da vida do diretor. É, talvez, um pouco além da ficção: é a fabulação deleuziana, a imaginação, o ato de ficcionalizar algo cotidiano, pertencente ao mundo de fora do filme.”

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