Nos tempos mais sombrios é quando a arte costuma florescer com um esplendor digno da mais incrível Primavera Tropical. Artistas dos mais diferentes meios parecem alimentar-se de crises sociais/políticas para produzir obras absolutamente louváveis. Quem agradece, claro, somos todos nós que temos o prazer de testemunhar o nascimento de produções que poderão entrar para a história e serem lembradas daqui a décadas.
Dito isso, pensei em organizar a minha lista dos dez melhores álbuns de rap nacional do ano de 2018. O rap, que sempre foi um gênero de resistência e de protesto contra os diversos abusos sofridos pela população negra, produziu (como não poderia ser diferente) obras incríveis durante esse ano e, como fã do gênero, me senti na obrigação de contribuir, mesmo que minimamente, na divulgação dessas criações que considero algumas das melhores do ano (várias ótimas ficaram de fora pelo espaço limitado, infelizmente). Espero que gostem. E comentem quais são as suas escolhas e o que acharam da cena do rap nacional este ano!
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10° Lugar: KL Jay na Batida Vol. 2 (No Quarto Sozinho)
DJ KL Jay
Dezessete anos depois de lançar KL Jay na Batida vol. 3 (Equilíbrio — A Busca), o mestre e eterno DJ dos Racionais MC’s, DJ KL Jay, lança a segunda parte de sua trilogia invertida: KL Jay na Batida vol. 2 (No Quarto Sozinho). Com mais de 20 participações (entre elas Sandrão, Kamau, Edi Rock e Rincon Sapiência), o álbum é um encontro de gerações do rap nacional e o resultado final é ótimo. O maior destaque, como já era de se esperar, fica a cargo das bases do artista, que cria uma variedade imensa de batidas diferentes entre si e igualmente incríveis, dignas de seu nome. Para quem não conhece, vale muito a pena dar uma chance.
Música destaque: Na Atividade
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09° Lugar: Da Favela Pro Mundo
ADL
Assim como o disco do KL Jay, vi pouca repercussão desse Da Favela pro Mundo, novo projeto do grupo ADL. Quando parei para ouvir, porém, fiquei maravilhado e incrédulo ao mesmo tempo. Maravilhado pela qualidade; incrédulo pela repercussão abaixo da merecida. O álbum tem batidas extremamente atuais (até remetem ao trap) e verdadeiras pedradas em suas letras (capazes de causar um grandioso “VISH” como reação dos ouvintes). O problema é: teve menos repercussão que deveria.
Música destaque: Tiro na Cara
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08° Lugar: Crise
Rashid
Com vários projetos lançados ao longo dessa década, Rashid se consolidou como um dos grandes nomes da cena nacional e, como já havia feito anteriormente, lançou mais um grande trabalho nesse ano de 2018. Crise traz o que já estamos acostumados do artista: rap de mensagem com rimas muito bem pensadas intercaladas com algumas love songs. A diferença são músicas mais agressivas, como se o rapper estivesse cansado de críticas infundadas ao seu trabalho (e até com a situação atual da cena) e resolvesse responder aos ataques (até soa mais irritado, como na música Musashi). Veredito? Mais um excelente projeto do Rashid.
Música destaque: Musashi
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07° Lugar: S.C.A.
FBC
Muito já tentei gostar e acompanhar mais de perto artistas de trap, mas é difícil o estilo me pegar como o rap. Aí vocês devem imaginar minha surpresa no S.C.A. ter me encantado tanto. As características próprias do trap (o uso em excesso de auto-tune e aquelas onomatopeias, como “skrr”, me irritam) geralmente me afastam de projetos do tipo, porém aqui foi diferente. FBC fez um trabalho que consegue pegar elementos muito bons do trap, como batidas e alterações certeiras na voz, e misturar com elementos igualmente bons do rap, como letras fortes e até samples de Sabotage e MV Bill dão as caras para reforçar a mensagem da canção. Caso não tenha ouvido, merece que dê uma chance.
Música destaque: Contradições
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06° Lugar: Raízes
Negra Li
Esse é o disco que, ao meu ver, mais conversa com outros gêneros musicais (o pop, principalmente). Uma mistura de gêneros sempre é perigosa por correr o risco do projeto não conseguir estabelecer uma identidade sólida, criando dificuldade ao ouvinte em conseguir definir musicalmente o que acabou de ouvir. Por sorte, esse é um álbum da Negra Li, e ela sabe muito bem o que faz. Raízes, como o próprio nome sugere, é um projeto da rapper que busca inspiração em estilos que serviram de fonte para o rap (como o R&B, o Soul e o Funk), assim como há também a presença pop. O resultado é um disco extremamente gostoso e viciante. E o que é essa capa? Linda além da conta.
Música destaque: Somos Iguais
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05° Lugar: Gigantes
BK’
Outro projeto liberado para o público nos últimos meses do ano, Gigantes faz jus ao nome. Entretanto, confesso que o segundo disco do rapper BK’ demorou para me conquistar, assim como havia acontecido com Castelos e Ruínas, seu primeiro disco. Após insistir um pouco, o álbum me conquistou e passou a tocar em looping em meus fones de ouvido. Não sei precisar exatamente o porquê demorei para realmente gostar do disco, mas sei que na faixa Abebe Bikila (com participação de ninguém mais, ninguém menos que DJ KL Jay) fui fisgado e percebi que deveria olhar esse trabalho com mais atenção e carinho. Sem arrependimentos. Um dos melhores do ano.
Música destaque: Abebe Bikila / Gigantes
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04° Lugar: Mixtape Comunista Rico
Diomedes Chinaski
“Comunista rico, porque riqueza de verdade é compartilhar”. E que riqueza Diomedes Chinaski resolveu compartilhar conosco. Mixtape Comunista Rico conta desde relatos de episódios e situações da vida do rapper pernambucano, passando por reflexões sobre problemas pessoais e relações sexuais, chegando até fortes críticas políticas (onde dá nome aos bois) e sistêmicas (o nome do disco já entrega isso). Se a intenção do rapper era passar quem ele era com um (ótimo) trabalho, conseguiu fazê-lo com maestria.
Música destaque: Comunista Rico
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03° Lugar: Tungstênio
Renan Inquérito
Esse foi um dos projetos que mais me surpreenderam no ano. Fiquei sabendo do lançamento por acaso em um post do Emicida no Twitter (se bem me lembro). Quando comecei a escutar, no entanto, fiquei encantado. Inquérito consegue misturar canções com letras e batidas mais agressivas com outras mais “leves” melodicamente sem abrir mão de mensagens pertinentes. O metal tungstênio, assim como o próprio artista coloca em mais de uma das canções, está presente em uma grande variedade de coisas (de aparelhos cirúrgicos até a tela dos celulares) e serve para as mais diversas finalidades. Tungstênio da mesma maneira: explora diferentes batidas, ritmos e melodias dentro do gênero para passar sua mensagem. O resultado é um projeto extremamente coeso e interessantíssimo.
Música destaque: Histórias Reais / Vitrines
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02° Lugar: Bluesman
Baco Exú do Blues
Suicídio, bipolaridade, depressão, codependência e desabafo. De acordo com o próprio artista, é disso que se trata Bluesman, seu segundo disco. Ao mesmo tempo que coloca a saúde mental dos negros em pauta, Baco cria uma obra muito pessoal, fortíssima e capaz de imergir em pensamentos e reflexões qualquer um que se disponha a ouvi-lo. A ideia de associar ao blues diversos outro gêneros musicais e ritmos e explorar-los durante as canções foi simplesmente genial. Lançado no final de 2018, por pouco não toma o primeiro lugar da lista.
Música destaque: Me Desculpa Jay Z
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01° Lugar: O Menino Que Queria Ser Deus
Djonga
“Perguntam como eu entrei pra história em dois anos, deve ser porque eu botei vinte e três nos versos”. Esse é um verso da participação de Djonga na música O Céu É o Limite e acredito que define bastante a caminhada do artista até aqui. Se com Heresia, seu disco de estreia, já nos apresentou um projeto sólido e digno de elogios, com O Menino Que Queria Se Deus ele coloca seu trabalho em um nível superior. Ao abordar desde a repercussão de seu primeiro disco até o nascimento de seu filho, Djonga coloca seu característico flow agressivo em destaque ao mesmo tempo que explora mais sua capacidade vocal, juntando tudo isso com a excelente produção do Coyote Beatz. Um álbum digno de melhor do ano e que já nasce clássico.
Música destaque: Junho de 94