Avaliação da temporada:
(não é uma média)
- Há spoilers.
Não canso de me surpreender com Star Trek: Lower Decks, segunda série animada da história da franquia Star Trek e que caminha para sua quarta temporada abordando as vidas dos “personagens de fundo”, os alferes das naves da Frota Estelar, que, finalmente, são colocados em primeiro plano. O showrunner Mike McMahan, no terceiro ano, mostra que ele sabe como ninguém equilibrar referências ao material que veio antes e ao próprio material da série que já ganha robustez suficiente para merecer seu próprio cantinho neste vasto universo.
Apesar de contar com Mining the Mind’s Mines, que considero um dos mais fracos episódios de toda a série até agora, a temporada compensa com A Mathematically Perfect Redemption, certamente o melhor de todos até agora não só por seus próprios méritos completamente “enlouquecidos”, como por ter a coragem de deixar os personagens principais para trás de forma a focar na inteligência artificial Cesta de Amendoim que imediatamente se torna não só a melhor vilã da série, mas uma das mais fascinantes de toda a franquia. E, como se isso não bastasse, a temporada cria uma interessante e complexa história pregressa para Rutherford, retorna às raízes piratas de Tendi e revisita a relação conturbada entre mãe e filha que Mariner e a Capitã Freeman cultivam, sem esquecer de fazer o “clone de transportador” de Boimler reaparecer em uma trama que o leva à misteriosa Seção 31.
Em outras palavras, Lower Decks, merecidamente, vem se tornando mais ousada, mais abrangente e mais desafiadora a cada novo ano e é sensacional que isso aconteça em uma série animada adulta que é 100% canônica na franquia ao ponto de haver a promessa de os atores que fazem os alferes encarnarem seus respectivos personagens em versões live-action para um crossover com Strange New Worlds. O futuro de Star Trek nunca foi tão fascinante!
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Como fazemos em toda série que analisamos semanalmente, preparamos nosso tradicional ranking dos episódios para podermos debater com vocês, lembrando que os textos abaixo são apenas trechos das críticas completas que podem ser acessadas ao clicar nos títulos dos capítulos. Qual foi seu preferido? E o pior? Mandem suas listas e comentários!
10º Lugar:
Mining the Mind’s Mines
3X03
Foi só eu elogiar The Least Dangerous Game como um exemplo de como se fazer um “episódio solto” que Lower Decks me vem com Mining the Mind’s Mines, outro episódio solto, mas sem o tipo de narrativa que fez o anterior ser tão bom. É até possível que justamente o fato de um vir seguido do outro tenha forçado a comparação e feito com que o terceiro episódio da temporada saísse prejudicado em meu julgamento, mas eu diria que não, pois tudo o que o episódio tem a oferecer é uma sucessão pouco inventiva de alucinações coletivas de um lado e uma história nada empolgante envolvendo Tendi de outro, em uma combinação que só não é soporífera porque são 20 e poucos minutos apenas.
9º Lugar:
Room for Growth
3X04
Room for Growth não se vale do ótimo uso da mitologia de Grounded ou goza da força cinética de The Least Dangerous Game, mas o episódio é, sem dúvida alguma, uma versão aprimorada de Mining the Mind’s Mines que, porém, perde um pouco de sua força simplesmente pelo fato de ele ser tematicamente semelhante ao episódio anterior, de certa forma diluindo a mensagem e criando uma quase que inevitável comparação. Mesmo assim, trata-se de mais um capítulo de qualidade de Lower Decks que não para de surpreender na forma como explora os personagens de fundo da cada vez mais vasta saga espacial originalmente criada por Gene Roddenberry.
8º Lugar:
Trusted Sources
3X09
Eu gosto da maneira como uma relação de mãe e filha que, há algum tempo, permanecida estável, degringola muito facilmente, com Freeman chegando a deduções que talvez fossem verdadeiras no começo da série, mas que ignoram o quanto Mariner cresceu como personagem. Além disso, todos da Cerritos passam a não querer mais falar com a alferes, até mesmo sua namorada, em uma demonstração muito relevante de “passado que condena” e de deduções em uma estalar de dedos que passam a ser verdades instantâneas, algo que é pródigo em redes sociais em nosso mundo dito moderno.
7º Lugar:
Crisis Point 2: Paradoxus
3X08
É muito bacana ver uma série de animação profundamente inserida em uma vasta franquia televisiva e cinematográfica como é Star Trek já ter material suficiente para se auto referenciar como base para um episódio inteiro. Crisis Point 2: Paradoxus retorna ao conceito do brilhante Crisis Point, o penúltimo episódio da primeira temporada de Lower Decks para uma continuação que funciona nos mais variados níveis, ainda que uma análise meramente perfunctória possa levar à conclusão de que a sequência é bem pior do que a obra original.
6º Lugar:
Grounded
3X01
Todo o episódio inaugural da terceira temporada gira em torno de Beckett Mariner fazendo de absolutamente tudo, inclusive furtar a própria Cerritos que está passando por uma reforma completa, para descobrir provas para exonerar sua mãe. Ela recruta os suspeitos de sempre, Brad Boimler, D’Vana Tendi e Sam Rutherford em sua missão que passa por usar uma réplica operacional da nave de Zefram Cochrane, o inventor do motor de dobra conforme vimos no magnífico Jornada nas Estrelas: Primeiro Contato, usada em um parque de diversões construído em cima do lugar histórico em que tudo aconteceu, para conseguir seu objetivo. O fato de terem conseguido recrutar o próprio James Cromwell para dar voz ao holograma do personagem que deu vida em 1996 é uma jogada fantástica que, por si só, vale o ingresso do episódio, por assim dizer.
5º Lugar:
The Stars at Night
3X10
E eis que, em The Stars at Night, McMahan realmente resolveu essa trama em um estalar de dedos, mas, incrivelmente, sem desperdiçá-la. Claro, o roteiro que ele escreveu simplifica aquilo que eu talvez febrilmente demais imaginei que poderia ter uma série de desdobramentos, mas a grande verdade é que menos é mais e o que eu e talvez outros espectadores esperavam simplesmente não interessa. Ao converter a suspostamente complexa história em uma maneira de o Almirante Buenamigo roubar o código de programação de inteligência artificial de Rutherford para desenvolver naves não pilotadas – que foram batizadas de Classe Texas – e, com isso, subir na carreira, o showrunner criou uma história de ambição, egoísmo e irresponsabilidade com uma pegada cinematográfica que chega a ser emocionante apesar do uso de todos os clichês do gênero.
4º Lugar:
The Least Dangerous Game
3X02
Do excelente design da criatura, que conta até com “sangue verde brilhante”, passando pelo ritual pré-caça, até a caçada em si para desespero absoluto de Boimler, tudo funciona muito bem. Até mesmo o momento de alívio que ele tem com a capitão protegendo-o (até saber que é K’ranch que o caça, momento em que ela deixa a coisa rolar) tem um timing cômico excelente graças ao roteiro de Garrick Bernard que é ao mesmo tempo econômico e expansivo (ele cria duas raças novas assim em um estalar de dedos, afinal) e a direção de Michael Mullen que usa a minutagem curta da animação completamente ao seu favor em não deixar o espectador respirar um minuto que não seja para rir de toda a confusão causada.
3º Lugar:
Hear All, Trust Nothing
3X06
O que segue daí é uma ótima linha narrativa que lida com identidade, algo que, de certa forma, é também ecoada na história de Mariner que permanece na Cerritos com sua namorada andoriana Jennifer “Jen” Sh’reyan (Lauren Lapkus) em razão de um “sarau” que as amigas de Jen organizaram e que Boimler, Tendi e Rutherford a incentivam a ir. É que, assim como Tendi tem vergonha do passado de sua espécie, Mariner tem vergonha de mostrar quem realmente é para as amigas de sua namorada, especialmente considerando que, como seus amigos deixam bem claro, ela é mandona demais. Gosto muito quando o roteiro de um episódio consegue fazer esse espelhamento e o trabalho de Grace Parra Janney é particularmente bom aqui, pois, apesar do pano de fundo temático ser igual, a execução de cada história é completamente diferente, uma se fiando em um caminhão de referências para realmente fazer um crossover eficiente com DS9 e a outra bem mais íntima, que se passa em apenas uma cabine da Cerritos.
2º Lugar:
Reflections
3X05
Seja como for, a história pregressa de Rutherford é muito interessante e o fato de ela envolver uma aparente conspiração que vai até os mais altos escalões da Frota Estelar ou alguma entidade talvez querendo se infiltrar na Federação cria um arcabouço que tem o potencial de gerar muitos desdobramentos na série. Muito sinceramente, eu duvido que esse assunto passe a ser o principal ao longo dos próximos episódios e que as consequências sejam realmente de amplo alcance, mas o que realmente importa é que Lower Decks voltou de verdade a se preocupar com o desenvolvimento de seus personagens, seja Rutherford mais obviamente, seja Mariner e até Boimler com as lições aprendidas na superfície de Tulgana IV. Agora é aguardar para ver como McMahan lidará com o que ele próprio criou aqui e como isso afetará a série, se afetar.
1º Lugar:
A Mathematically Perfect Redemption
3X07
A Mathematically Perfect Redemption não tem redenção nenhuma, lógico, mas é, realmente, um episódio matematicamente perfeito, provavelmente fruto dos alucinógenos de Mike McMahan e equipe de roteiristas. Não só ele já começa deixando o espectador basicamente perdido sobre o que afinal está acontecendo (com exceção dos espectadores com memória assustadoramente robótica capaz de lembrar de Cesta de Amendoim e o que aconteceu com ela), insere uma personagem improvável em uma ambientação ainda mais estranha, desenvolve a história que em mãos menos hábeis não teria nem pé nem cabeça de maneira lógica e, de quebra, cria todo o tipo de armadilha para resultar em algo realmente memorável, completamente fora da caixinha da franquia como um todo, arriscaria dizer. Já quero Cesta de Amendoim de volta em temporada futura ao lado de Agimus para criar o caos para a Cerritos e para a Federação!