Avaliação da temporada:
(não é uma média)
Na segunda temporada de Servant, Tony Basgallop continua firme e forte com as restrições que ele impôs à sua criação, ou seja, manter o número de personagens muito reduzido, basicamente o núcleo família dos Turners acrescidos de Leanne e personagens-satélite com uso esparso e a manutenção de substancialmente um único cenário, a mansão do casal Dorothy e Sean. E essa escolha narrativa e estilística que, em mãos menos hábeis, poderia resultar em uma série cansativa, leva a uma temporada ainda melhor que a primeira.
É bem verdade que, mesmo com episódios curtos, de não mais do que 30 minutos, a história anda lentamente, com o showrunner muito mais preocupado em criar atmosfera do que trazer explicações para os mistérios ou complicar demais os eventos. Tudo gira em torno da babá Leanne que, aparentemente, tem poderes sobrenaturais de reviver seres vivos e é usada como instrumento de um culto religioso ainda mais misterioso. Nada é realmente claro ao longo dos 20 episódios até agora, mas, em compensação, há uma magistral construção de atmosfera que mantém o espectador fisgado no desenrolar decididamente vagaroso, com mínimos incrementos de um episódio a outro.
Mas esse é o charme da série e ela deve continuar assim na próxima (e já autorizada) temporada, mesmo com Leanne, ao final, anunciando a chegada de uma guerra com o culto a que pertence. Como Basgallop fará isso, não faço ideia, mas ele com certeza fará um pequeno recorte de algo maior de forma a – espero! – manter a ação confinada na casa dos Tuners. Será muito interessante acompanhar essa jornada.
Como fazemos em séries que acompanhamos semanalmente, segue, abaixo, o ranking dos 10 episódios da temporada, do pior ao melhor ou, neste caso em particular, considerando que não dei nenhuma nota menor do que 3,5 HALs, do “menos melhor” ao “mais melhor”. A única certeza que tive foi da ordem dos quatro primeiros lugares, pois os outros seis são essencialmente fungíveis em suas colocações, o que é um testamento da qualidade da série. Confiram a lista e cliquem nos títulos para conferirem as críticas completas!
10º Lugar:
Pizza
2X03
A história, porém, pareceu-me um tanto quanto artificial, com Dorothy, em sua investigação pelo paradeiro de Jericho e/ou Leanna, encasquetando com uma mansão que parece fazer muitos pedidos de entrega de comida. Para conseguir driblar a segurança, então, ela, seu marido e seu irmão bolam uma estratégia de instantaneamente criar um serviço de entrega de pizzas – genialmente batizado por Julian de Cheesus Crust – com direito a fabricação de cardápios em formato de folheto, telefone e a efetivamente fabricação da guloseima de forma a tornar possível que um deles entre na casa. E esse “um deles” acaba sendo o desavisado Tobe que, convenientemente, retorna à série com essa função específica, o que resulta em seu encontro com Leanne e uma reviravolta surpresa, com Dorothy secretamente envenenando a pizza. A artificialidade de toda essa construção não vem de Leanne estar ali na casa ou mesmo de o truque de Dorothy funcionar, mas sim de todo o aparato de entregas de pizza que a família faz surgir do nada, algo que é agravado por uma montagem que dá pouquíssima impressão de dilação temporal.
9º Lugar:
Goose
2X09
Além disso, de uns tempos para cá – mais marcadamente em Marino, claro – os roteiros tem imprimido um tom de comédia corporal que inevitavelmente acrescenta estranheza e incômodo à já bizarra premissa. Essa característica volta aqui com a meteórica deterioração física e mental de Julian (Juju!) a olhos vistos desde que transou com Leanne no episódio anterior, como se o personagem tivesse tido suas forças vitais sugadas pela agora fogosa babá que só pensa em mais sexo com o ex-Ron Weasley. Os posicionamentos de câmera de Nimród Antal, que mais uma vez retornar para a direção, com ângulos exagerados, sejam rentes ao chão, seja com um plongée extremo no lavabo dos Turners onde Julian se droga, ajuda nessa percepção de um tom cômico que, porém, existe apenas para sublinhar o desequilíbrio completo dessa família disfuncional.
8º Lugar:
Spaceman
2X02
Do lado de Dorothy, algo parecido acontece. Afinal, há também um pouco de conveniência na doença da âncora de seu jornal que faz com que ela seja chamada para substitui-la, algo que ela faz de bom grado de maneira não só a tentar “comunicar-se” com Jericho, como também desentocar Leanne. Digo que essa linha narrativa se parece muito com a da sessão de hipnose, pois foi outro momento tornado muito fácil por uma veloz sucessão de acontecimentos, mas que acabou sendo muito bem executado. Lauren Ambrose, vivendo por um momento sua Dorothy recomposta para aparecer diante das câmeras, mais uma vez mostra-se excelente ao combinar sutis toques de desequilíbrio com uma determinação feroz para lidar com a situação impossível em que se encontra. Sua “versão mamãe” da co-âncora do programa foi ao mesmo tempo engraçada e desconcertante, inteligente e aflitiva, com resultados práticos diretos já que a babá realmente ressurge em uma ligação para Sean ao final que é usada como cliffhanger.
7º Lugar:
Loveshack
2X08
E o melhor é que, mesmo mantendo o mistério no que toca a trama envolvendo o tio George, o episódio não deixa de fazer a história caminhar para a frente, jogando um pouco mais de luz na história pregressa de Leanne, algo catalisado por Julian e sua pesquisa sobre o passado da moça. É interessante notar como ela via em Dorothy a mãe ideal que ela aparentemente nunca teve, o que explica sua frustração extrema ao notar que mesmo sua mãe-modelo tem seus profundos problemas, além de revelar que o incêndio em sua casa foi causada por ela mesma, tentando abrir espaço para que sua mãe a amasse. E é mais interessante ainda notar como mais uma peça no quebra-cabeças da morte de Jericho é acrescentada, com o próprio Julian admitindo seu pecado de não ter ajudado a irmã quando ela precisava simplesmente porque preferiu dedicar-se aos seus vícios.
6º Lugar:
Marino
2X07
Do lado do “congelamento” do Tio George, o roteiro de Ishana Night Shyamalan flerta com o pastelão, mas sem mergulhar de cabeça no estilo para não tirar a tensão da narrativa ou destoar da atmosfera da série. E essa pegada é muito bem executada por Nimród Antal, que retorna à série depois de dirigir Bear e Cricket, da 1ª temporada, usando Julian como uma espécie de alívio cômico grotesco em sua tentativa de esconder George e, depois, de tapar sua boca quando ele começa a chamar por Leanne, enquanto a policial Stephanie Reyes visita o casal para investigar o panfleto da pizzaria deixado na casa dos Marinos e para genuinamente ver como Dorothy está. Há um bom equilíbrio entre o desespero de Julian e a forma como a oficial vai vagarosamente ampliando o escopo de sua visita até transformá-la em praticamente uma batida policial.
5º Lugar:
Cake
2X05
E é interessante como o roteiro de Tony Basgallop e Nina Braddock faz rodeios e mais rodeios para chegar no ponto, inclusive trazendo Tobe de volta como entregador dos ingredientes para o bolo e, claro, ajudante de Leanne no processo misterioso enquanto Dorothy e Sean se viram para conseguir 200 mil dólares para o suposto pagamento de resgate pelo bebê, outra parte do plano da babá. Sem dúvida alguma, Cake anda de lado em termos narrativos, algo que é uma surpresa se considerarmos que se trata do episódio que marca a metade da temporada, momento normalmente utilizado para algo “grande”. Mas o grande, aqui, vem nos segundos finais apenas, com o “simpático” tio George retornando à série e Leanne, sozinha, engolindo o bolo todo e, lógico, o pequeno bebê de plástico (ou porcelana, sei lá), com todo o restante parecendo realmente o que é: uma preparação cuidadosa sob o ponto de vista estilístico para manter o espectador em parte iguais tenso e confuso (ok, mais confuso do que tenso).
4º Lugar:
Doll
2X01
E, com isso, a townhouse dos Turners, apesar de não exatamente uma mansão em termos de dimensões, é trabalhada de maneira brilhante pela direção de Julia Ducournau, a diretora do perturbador Raw, como se as paredes estivessem o tempo todo se fechando ao redor dos protagonistas e até mesmo desorientando o espectador com uma câmera que “quebra” a geografia do lugar, além de trazer incômodos e até feios close-ups dos atores, como no momento em que Dorothy acha a câmera originalmente plantada por Sean. A casa, novamente, é trazida para o primeiro plano, como mais um personagem da série e isso dá um sabor todo especial à Servant.
2X01
3º Lugar:
Espresso
2X06
O enfoque no personagem de Boris McGiver, todo sujo e desgrenhado, é, porém, um prazer. Ou um nojo, como queiram. O ator está excelente em seu frenesi desesperado, notando que a townhouse dos Turners está ruindo como consequência direta da presença de Leanne no mesmo espaço. Fica subentendido por sua insistência em retirar a jovem de lá e devolvê-la à casa onde ela estava até ser drogada por Dorothy que talvez o problema não seja exatamente Leanne, mas sim a presença dela em um lugar onde ela não deveria estar, por ser necessária, potencialmente essencial, em outro lugar predestinado ou algo semelhante. O lado sobrenatural e divino, com direito até mesmo a praga de baratas e um unguento preparado com muito amor, reza e cuspe pelo Tio George, faz-se fortemente presente, criando uma excelente urgência que a direção de Isabella Eklöf (informação irrelevante: é a segunda diretora seguida na série com trema no sobrenome…) captura muito bem com a atmosfera do ambiente, a troca de “pares” tendo o Tio George como centro das atenções e, claro, com a ótima e absolutamente enervante atuação de McGiver. Nesse aspecto, o roteiro também merece parabéns, pois consegue complicar a narrativa sem revelar muita coisa, o que só acrescenta à ansiedade que é assistir Servant semanalmente (e eu adoro assistir séries semanalmente, que fique claro!). Basta notar que, a essa altura do campeonato, pouco conseguimos realmente compreender sobre o que está acontecendo ali.
2º Lugar:
Josephine
2X10
Mas o relaxamento dura pouco e o terror estilo anos 80 começa para valer logo em seguida, com Josephine, vendo que Leanne realmente não tem salvação, começa o tal ritual da fita Betamax jogando algo nos olhos da moça e sumindo de vista somente para reaparecer de tempos em tempos no frenesi do episódio para fazer o espectador ter pequenos ataques cardíacos (eu sei que eu tive pelo menos uma meia dúzia e olha que nunca fui de pular no sofá vendo filme de terror…). Não é que a diretora tenha se provado uma grande cineasta, pois não é nada disso. Apesar de ela ter sem dúvida conseguido trabalhar belos tracking shots que alteram a perspectiva de comprimento dos corredores da casa dos Turners e criado boas oportunidades de jump scares sem ajuda de música eleva ao volume 11, o que realmente faz o episódio funcionar como ele funciona é o quanto ele quebra as expectativas de quem acompanha a série. Sai pela janela o horror mais sutil, a narrativa lenta em que muito pouco acontece para que, de repente, a meia hora do episódio seja uma espécie de resumo de clichês de horror, mas aglutinados com qualidade e não aleatoriedade.
1º Lugar:
2:00
2X04
Mas 2:00 não seria a mesma coisa sem a inventividade das lentes de Shyamalan. Falem o que quiser do cineasta, mas ele sabe construir suas cenas, começando com o enquadramento em close-up de Leanne com apenas meio rosto aparecendo, já estabelecendo um tom visualmente desafiador e incômodo que é seguido por plongées cuidadosos, ângulos baixos constantes na medida em que a babá tenta se proteger de Dorothy e até mesmo o uso de câmera em primeira pessoa no momento climático do episódio. O diretor mais uma vez coloca a casa em destaque ao confundir sua planta em nossa cabeça e ao fazer o melhor uso do espaço cênico do sótão que, aos poucos, vai ganhando transformações estéticas conduzidas pela prisioneira, como uma forma de passar o tempo ou de encontrar algum tipo de conforto, além de inteligentemente marcar a passagem do tempo para nós.