Avaliação da temporada:
(não é uma média)
Sei que alguns vão torcer o nariz para a metade não pintada no finalzinho da nota, mas vou explicar a razão de que o segundo ano de Ruptura teve uma pequena queda de qualidade. Mas primeiro, falemos das partes boas. O showrunner Dan Erickson claramente fez algumas mudanças de abordagem, deixando um pouco de lado a sátira da primeira temporada para mergulhar na profunda tragédia romântica de Mark e Gemma, com inspirações – na minha visão – ao Mito de Orfeu, e se entregando cada vez mais ao surrealismo, com episódios estupendos como Woe’s Hollow e Chikhai Bardo marcados na História das telinhas. A expansão para uma narrativa que aborda o lado externo com afinco funciona, agregando ao suspense, aos mistérios e ao tom de conspiração/investigação que a trama ganha à medida que Mark e companhia desafiam a Lumon e seu culto. E ainda que a sátira seja mais escanteada, o humor ácido é mantido, bem como os temas sobre identidade e doutrinação, mas com o encaminhamento mais pessoal e emocional, e menos de labuta.
No entanto, é perceptível que Erickson perde um pouco do controle de queima lenta da narrativa e do desenvolvimento minucioso dos arcos dos coadjuvantes, principalmente em Sweet Vitriol e The After Hours, dois capítulos ainda acimas da média, mas que são bem mais protocolares e cumpridores de tabela do que o trabalho cuidadoso do ano de estreia. Não gosto do fechamento do arco de Irving, por mais que sua despedida seja bonita; e não fiquei tão satisfeito com a correria para finalizar algumas pontas soltas antes do clímax da temporada. Mesmo com as ressalvas, a temporada é incrível, com mais uma aula técnica, atuações espetaculares, uma história de deixar a gente enlouquecido com teorias a cada semana e completamente mergulhado tanto nos mistérios da trama quanto nas jornadas dos personagens. Que o hiato não seja tão longo, por Kier!
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Como fazemos em toda série ou minissérie que analisamos semanalmente, preparamos nosso tradicional ranking dos episódios para podermos debater com vocês, lembrando que os textos abaixo são apenas trechos das críticas completas que podem ser acessadas ao clicar nos títulos dos capítulos. Qual foi seu preferido? E o pior? Mandem suas listas e comentários!
10º Lugar:
The After Hours
2X09
Apesar de achar a despedida de Irving bonita e melancólica, bem como apreciar o tema de identidade e de solidão no arco de Dylan, considerando as ressalvas que fiz acima, o team-up de Mark, Devon e Cobel acaba sendo o grande destaque do episódio. A intriga da história jaz ali e o encontro do interno de Mark com Cobel é a peça final para a revelação do quebra-cabeça da Lumon no próximo episódio. É uma pena que muitas dessas peças tenham sido atropeladas em favor de deixar tudo preparado para Cold Harbor, com Erickson, pela primeira vez na série, deixando de trabalhar a narrativa a contento, mas acredito que o grande final da temporada será recompensador, por mais que, sem dúvida alguma, estamos vendo alguns escorregões perigosos. Mas mesmo com soluços, The After Hours é um episódio acima da média, que tem muitos momentos especiais com os arcos individuais dos personagens e que deixa tudo engatilhado para o que promete ser um season finale explosivo. Quem sabe lá, veremos esse penúltimo capítulo com melhores olhos.
9º Lugar:
Sweet Vitriol
2X08
No entanto, é difícil não olhar para Sweet Vitriol como o capítulo mais fraco da temporada até aqui, o que não significa que ele seja ruim (longe disso), vale ressaltar. O episódio todo tem cara de desvio narrativo, apesar de, no fim das contas, ser extremamente importante para o enredo principal, e o ritmo oscila bastante, com a trama, mesmo com uma minutagem menor, soando mais esticada do que o necessário, principalmente nas cenas forçadas do “romance” entre Harmony e Hampton (único trecho dramático do episódio que não gosto). O núcleo como um todo parece sua típica subtrama em outro episódio e não um capítulo único, mas quanto mais penso, mais entendo a abordagem aqui, porque, por exemplo, se esse bloco tivesse sido encaixado em Chikhai Bardo, seria um ônus à uniformidade e à proposta daquele episódio. Penso que Sweet Vitriol é um bom “capítulo-ponte”, contextualizando muitos elementos, trazendo outra ótima reviravolta e estabelecendo o ocorrido por trás da ligação de Devon. Talvez o mais interessante de tudo apresentado aqui seja o fato de que Cobel agora provavelmente vai enfrentar a Lumon ao lado de Mark.
8º Lugar:
Trojan’s Horse
2X05
Trojan’s Horse não deixa os créditos rolarem sem um grande evento, porém. Logo no finalzinho do episódio, temos uma soberba sequência – da direção, a montagem, a atuação de Adam Scott, até a trilha sonora estarrecedora – que mostra Mark sofrendo os efeitos da reintegração e (re)vendo sua esposa. O texto deixa claro que o procedimento é gradual e que o protagonista ainda está em um processo de completude das suas versões, mas o desfecho retrata visualmente que os Marks estão próximos de saberem a verdade um do outro, borrando a realidade do que conhecem e do que assistimos. Ainda tenho dúvidas severas sobre a participação de Reghabi, que segue sendo uma conveniência ambulante, mas os efeitos da reintegração são interessantes demais para criticar a participação da personagem. Depois de quatro episódios cheios de novidades, o quinto capítulo da temporada reorganiza o tabuleiro narrativo complexo da produção e apresenta um gancho ensurdecedor que prepara um futuro promissor para a segunda metade da temporada.
7º Lugar:
Goodbye, Mrs. Selvig
2X02
Goodbye, Mrs. Selvig pode parecer um episódio morno, seja pela forma como tem um ritmo mais vagaroso – que sempre foi a abordagem da série, vale destacar -, seja pela maneira como o roteiro pode parecer um pouco circular, trazendo contextos para voltar ao mesmo ponto do episódio anterior, mas acredito que tenha sido um capítulo mais do que necessário, tanto para responder algumas coisas quanto para desenvolver esse outro lado da narrativa no mundo externo à Lumon. O desfecho com Mark descobrindo que realmente existe algo relacionado à sua esposa morta parece o pontapé de uma narrativa que deve seguir, agora, dando os mesmos holofotes para os externos, o que pode – e deve – moldar a narrativa de volta ao excelente thriller investigativo com doses de conspiração que tomou conta da reta final da temporada de estreia, provavelmente com camadas de surrealismo para tudo ficar ainda mais interessante. Superficialmente, esse segundo episódio soa como algo protocolar ou uma exigência por paciência da audiência, mas no fundo é mais um capítulo meticulosamente bem construído e bem produzido que, se tudo der certo, deve dar muitas recompensas lá na frente.
6º Lugar:
Hello, Ms. Cobel
2X01
O quê de doutrinação ritualística do episódio, como, por exemplo, a pintura do fundador Kier abençoando quatro cabeças com uma mensagem de perdão aos traidores, é a cereja do bolo temático e da linguagem visual engenhosa da produção, que segue enfatizando seus elementos através de um cuidado muito grande com mudanças de iluminação, paleta de cores, simbologias com pinturas e trilha sonora tétrica. Hello, Ms. Cobel pode acabar não sendo o retorno mais “explosivo” que alguns esperaram, mas Ruptura retorna com um episódio que encapsula o que há de melhor na série: uma narrativa profundamente perturbadora, comicamente ácida e provocante; envelopada dentro de um sci-fi que tem muitas teorias instigantes em torno de seu processo lento cheio de mistérios e enigmas que nos intrigam, nos fascinam e nos fazem refletir. O gancho com Casey/Gemma é o ponto de exclamação de um recomeço que parece ser cruel para nosso grupo de personagens.
5º Lugar:
Atilla
2X06
Em um episódio que reforça a sobreposição entre internos e externos, entrelaçando a identidade e as interações entre as versões desses personagens com um nível de destreza formidável e com uma qualidade gigantesca na estrutura e na divisão de cada bloco, dando o espaço necessário e a perspectiva de cada lado da história, nada mais justo do que o ápice do capítulo ser a (possível) finalização da reintegração. Pode parecer que estamos de volta ao gancho de Who Is Alive?, mas a história definitivamente não está andando em círculos, progredindo as respostas de alguns mistérios, alavancando os temas do enredo, destrinchando a complexidade dos personagens e do conceito fascinante da ruptura, e misturando, borrando, atravessando dois universos antes separados. Tem muita coisa no ar ainda, claro, o que me preocupa – por exemplo, não vemos Cobel há um bom tempo -, mas temos quatro episódios por vir e quase tudo que vejo aqui me agrada e me deixa animado pelo que vem aí, especialmente o mote em torno daquele elevador sinistro. Minha única grande crítica ao episódio é a participação da Reghabi, que realmente passou de um incômodo para algo que penso ser mal colocado dentro da narrativa, com a personagem sendo uma personificação da conveniência do roteiro, usando-a sempre que precisam resolver algo – notem como ela é a única personagem sem personalidade e sem um arco estabelecido. Mesmo assim, é notável que a médica/cientista/detetive/sabe-tudo move a trama para caminhos interessantíssimos, com o desfecho do episódio deixando o público mais uma vez com a cabeça explodindo (he, he) para saber o que vai acontecer com Mark e companhia.
4º Lugar:
Cold Harbor
2X10
Na reta final, temos uma descida ao inferno. Diversos momentos chamam a atenção durante o clímax, como as transições de externos e internos nas salas e elevadores; o inesperado uso de violência física e gore, mas que se mostrou apropriado dentro do drama e do suspense, especialmente nas sequências com o Sr. Drummond; a já exaustivamente elogiada parte técnica da produção, com outro trabalho cuidadoso de Ben Stiller; e, claro, o reencontro de Mark e Gemma, em uma das sequências mais bonitas de toda a série. Em uma determinada crítica, citei minha suspeita de que a obra tem inspiração na lenda de Orfeu e Eurídice. Para quem não conhece, o mito acompanha Orfeu tentando salvar sua amada do submundo. Após descer ao mundo dos mortos, Hades e Perséfone concedem o desejo de Orfeu para levar sua esposa de volta, mas com a condição de que o mesmo não olhasse para Eurídice até chegarem ao mundo superior (he, he). Infelizmente, Orfeu fica desconfiado e olha para trás, condenando-a ao submundo, o qual ele se junta a ela depois de morrer. Penso ser óbvio o paralelo para a escolha do Mark interno, que decide ficar no inferno com quem verdadeiramente ama – o desespero de Gemma é palpável, com a mesma facilmente se tornando a figura mais trágica da série. A decisão pode ser considerada egoísmo, autonomia, amor, justa ou injusta, mas com certeza faz sentido dentro do arco do personagem, que anda de mãos dadas com sua amada em direção ao caos, quem sabe para liderarem uma revolução – dessa vez real – dentro da Lumon.
3º Lugar:
Who Is Alive?
2X03
Isso porque a reviravolta final ainda não mostrou suas consequências. Não esperava nunca que a reintegração fosse acontecer tão cedo na temporada, uma vez que Mark e sua irmã ainda estavam bolando formas de comunicação com o interno – repito, o ritmo do roteiro acelerou bastante se comparado com o ano de estreia -, mas é um evento perfeitamente orgânico dentro da história e dentro do arco de Mark, que decide passar pelo procedimento sem titubear após descobrir que sua esposa estava viva. Torço um pouco o nariz para a participação de Reghabi, que é quase uma conveniência narrativa com suas respostas e soluções fáceis, mas confio na produção para tornar o papel da personagem para além disso. O desfecho chega a ser desesperador para a audiência, com um dos melhores ganchos que assisti nos últimos anos – e melhor, não é um season finale! -, abrindo um leque de possibilidades para o restante da temporada. Assim, Who Is Alive? mostra mais uma vez porque Ruptura é uma série que dá aula, com outro capítulo assustadoramente técnico – da fotografia belíssima, da ótima montagem entre os dois lados narrativos, da trilha sonora sempre atmosférica, das simbologias, da direção cuidadosa de Ben Stiller – e incrivelmente bem estruturado, dando tempo para cada personagem, desenvolvendo cada aspecto da narrativa e nos deixando ansiosos para semana que vem!
2º Lugar:
Woe’s Hollow
2X04
Woe’s Hollow é uma bola curva gigantesca. Depois do desfecho de Who Is Alive? com a reintegração de Mark, o “normal” seria uma continuação de eventos para o procedimento do personagem. Mas Ruptura é tudo menos convencional, razão pela qual o episódio abre com Irving no meio de um deserto gelado. Não sabemos o que aconteceu com Mark – e sagazmente a série não mostra ele passando pela ruptura, o que pode sugerir que o Mark que vemos aqui seja a versão reintegrada -, não vemos o escritório, não vemos os externos, não sabemos onde os personagens estão e tampouco o porquê de estarem ali. Aos poucos descobrimos que a Lumon decidiu levar o MDR para uma região invernal selvagem, que faz parte da Floresta Nacional de Kier, numa espécie de viagem de campo dos infernos para que o grupo descubra o Quarto Apêndice, que de maneira geral é mais uma parte sinistra do culto à Kier, relatando como ele dominou um dos Quatro Temperamentos e revelando que o mesmo tinha um irmão gêmeo.
1º Lugar:
Chikhai Bardo
2X07
Ruptura é uma salada temática e narrativa complexa, mas dentre seus vários elementos e sua mitologia rica, algo que vem ganhando espaço é a tragédia romântica de Mark e Gemma. Desde que o protagonista chamou Rhegabi de Perséfone (sugerindo que a mesma é uma traidora, o que tornaria sua personagem pelo menos interessante…), comecei a suspeitar que a obra tem inspiração na lenda de Orfeu e Eurídice, que, em síntese, conta uma história de amor funesta em que Orfeu precisa salvar sua amada do submundo. Pensando nesse sentido, Chikhai Bardo é um capítulo essencial para, primeiro, nos simpatizarmos e nos conectarmos com o casal, e, segundo, para revelar (mesmo que pouco) seus papéis nesse projeto da Lumon. O fato de termos uma abordagem técnica impecável e um roteiro profundo que mistura os dois aspectos em uma narrativa evocativa, desorientadora, enigmática e dramaticamente arrasadora é a cereja do bolo. Outra semana, outra experiência especial com essa série. Agora sabemos o que jaz no elevador e, aparentemente, a reintegração foi finalizada. Veremos agora se esse casal que já sofreu tanto conseguirá vencer o inimigo; e, mais interessante do que tudo isso, quais são os malditos planos desse inimigo!