Em 21 de agosto de 2024, o cineasta australiano aposentado Peter Weir completou 80 anos de idade e nós resolvemos fazer as críticas de toda sua razoavelmente curta filmografia, composta de apenas 14 longas-metragens (excluímos seus curtas e médias-metragens por serem muito difíceis de encontrar), algo em que trabalhamos semanalmente entre o dia de seu aniversário e 24 de dezembro. E, agora, chegou a hora de ranquearmos todos os seus filmes, valendo destacar que ele não tem um filme ruim sequer e que vários são tão bons que chegou a uma altura da lista que foi um sufoco escolher uma ordem. Digam o que acharam da lista feita exclusivamente por mim, Ritter Fan, e mandem a de vocês!
14º Lugar:
Caminho da Liberdade
(2010)
Caminho da Liberdade, apesar de ser um filme que consegue cumprir a missão de atiçar a curiosidade de quem o assiste, não é, definitivamente, a obra que mereça encerrar a carreira de um grande diretor. Continua sendo uma boa experiência, mas Weir é muito mais do que apenas um bom diretor, como ele conseguiu mostrar diversas vezes em sua curta filmografia. Fico imaginando como seria se ele, no final de sua carreira, tivesse continuado a ter o tipo de apoio que Hollywood deu a ele quando ele fez a transição da Austrália para lá.
13º Lugar:
Green Card: Passaporte para o Amor
(1990)
Se tem uma coisa que posso dizer com muita certeza é que, se Green Card: Passaporte para o Amor tiver sido mesmo um filme “de encomenda”, pelo menos essa encomenda foi feita a Peter Weir, um cineasta de mão cheia que, mesmo quando não está particularmente inspirado, consegue entregar algo que, de uma maneira ou de outra, tem um je ne sais quoi que faz a jornada valer a pena. Se a premissa não é particularmente memorável e se a dupla de atores funciona bem, mas não bem o suficiente para segurar o filme nas costas, Weir consegue dar seu jeito ao colocar a narrativa em banho maria para fazer o espectador apreciar a forma como os personagens aos poucos se aproximam no curioso apartamento com seu próprio jardim botânico.
12º Lugar:
Confusão em Paris (Violência por Acidente)
(1974)
Confusão em Paris é, muito claramente, o trabalho de um diretor talentoso ainda tentando encontrar sua voz, seu estilo e ousando enquanto ainda pode. Peter Weir, que, mesmo não tendo tido uma carreira prolífica, seria responsável por grandes obras em sua filmografia ao longos das décadas e mostra, já nesse estranho começo, uma enorme capacidade de assombrar o espectador e nenhum receio de imprimir a sua visão muito particular nas obras sob sua responsabilidade. O filme automobilístico que foi responsável pelo pontapé de sua carreira, diferente do caso de seu conterrâneo George Miller, não a definiu, com o cineasta partindo para trabalhos ricos e variados nos mais diferentes gêneros, como fica evidente pelo filme que lançaria já no ano seguinte, o lírico, onírico e atmosférico Piquenique na Montanha Misteriosa.
11º Lugar:
O Encanador
(1979)
O Encanador tem, portanto, diversas camadas. Pode ser visto como um exercício de estilo com Weir fazendo uso de suas ferramentas fílmicas para transitar entre gêneros e deixar o espectador permanentemente em dúvida sobre Max, mas também pode ser visto como algo mais, como uma crítica social sobre a intransponível diferença de classes sociais, sobre o relacionamento de um casal que parece andar no fio da navalha e sobre a libertação sexual de uma mulher confinada ao seu apartamento e aos seus estudos. O não muito longo longa pode ser “apenas” um telefilme em sua origem, mas Peter Weir definitivamente entregou muito mais do que apenas entretenimento barato e descartável.
10º Lugar:
Gallipoli
(1981)
Gallipoli é, sob todos os pontos de vista, um filme de personagens com contorno de coming of age, tendo a relação entre Inglaterra e Austrália como a versão macro da relação colonizador-colonizado dentro do país dos cangurus, com a guerra servindo de pano de fundo e, também, como um dos momentos que levou ao amadurecimento da Austrália como país, criando uma espécie de autoconsciência coletiva em razão da Campanha de Galípoli. Weir, novamente, aponta sua câmera crítica para seu país, oferecendo uma outra visão, uma outra camada de opressão e de dominação no panorama geopolítico mundial. E isso tudo com uma obra que não reinventa a roda, que faz uso da icônica Oxygène II, de Jean-Michel Jarre, como música tema de maneira muito semelhante ao que Vangelis fez no mesmo ano para Carruagens de Fogo, e que usa a prosaica conexão entre dois jovens para criar ternura, drama, tensão e, claro, horrores.
9º Lugar:
Sociedade dos Poetas Mortos
(1989)
Robin Williams, que já tinha uma carreira sólida, mas ainda não estelar – e que, curiosamente estrelara, três anos antes, no longa Seize the Day, que é a tradução para o inglês de Carpe Diem, frase latina que significa “aproveite o dia” que é a primeira lição de Keating a seus alunos -, é, inegavelmente, o coração e a alma do longa. Seu personagem não só representa o melhor do ser humano e, por isso mesmo, é visto como um pária por seus pares, como Williams parece encapsular à perfeição as exigências de seu papel, quase como a materialização física dos conceitos abstratos que Keating representa, fazendo com que cada segundo em que ele está em tela seja tão hipnotizante, tão valioso, que é inevitável sentir uma pontinha de vazio quando Weir direciona a câmera para o drama dos jovens deslumbrados pelos caminhos que o professor abre para eles.
8º Lugar:
O Ano Que Vivemos em Perigo
(1982)
Gibson e Weaver também estão bem no filme, vale dizer, ainda que sejam atuações bem mais funcionais do que particularmente especiais. Mas o par romântico hesitante entre seus personagens convence e Weir extrai o melhor dessa relação dentro da estrutura do filme, sem jamais deixar de lado seu ponto mais importante que reflete sua filmografia toda até a produção deste filme, que é a abordagem dos efeitos nefastos da colonização na população local ou, talvez mais amplamente falando, da manipulação, uso e descarte dos seres humanos pelo regime dominante, algo que a fotografia escura, suja, opressiva e por vezes caótica de Russell Boyd pontua muito bem valendo-se de filmagens em locação não na Indonésia, que não autorizou a produção, mas sim nas Filipinas até que eles começaram a receber ameaças de morte e tiveram que retornar à Austrália. Guy Hamilton e Jill Bryant trafegam entre os polos, mostrando a compaixão daqueles que sabem que não ficarão por ali por muito mais tempo, mas não da maneira genuína que afeta Bobby profundamente por toda a obra em razão de sua inteligência e consciência até a sequência climática em que tudo converge.
7º Lugar:
O Show de Truman: O Show da Vida
(1998)
Com um enredo inteligente, apesar de não ser perfeito, e uma direção episódica (literal, simbólica e tematicamente), O Show de Truman tornou-se, merecidamente, um fenômeno cultural, com direito a estudos de diversas áreas acadêmicas, discussões acaloradas e um público que no mínimo se diverte muito durante sua exibição. Um show exibindo um show e criticando o show que as pessoas pagaram para ver, além de metaforizar a vida dessas pessoas também como parte de um show. Truman, nessa história toda, é tão real e tão fictício como qualquer um de nós. Nossa desvantagem é que raramente há trilha sonora emotiva e cameo de Philip Glass tocando um de nossos grandes encontros.
6º Lugar:
A Costa do Mosquito
(1986)
A Costa do Mosquito é um inesquecível recorte cinematográfico da civilização ocidental que Peter Weir usa para também estudar a natureza humana e, claro, o assustador caminho da sanidade ruindo. Não é uma obra fácil ou agradável de se assistir quando fica evidente que o que ela condena é muito mais do que um homem representando atos históricos de imposição de costumes, crenças e ciência a qualquer custo. O longa condena o hoje, o agora como um todo e não apenas o hoje ou agora dos chamados países imperialistas. Basta olharmos ao nosso redor com a visão correta, aberta, esclarecida, para perceber que cometemos e continuaremos a cometer os erros do passado.
5º Lugar:
Mestre dos Mares: O Lado Mais Distante do Mundo
(2003)
Em seu penúltimo longa, o australiano Peter Weir, por sinal voltando a trabalhar com ator principal de sua região do mundo, mostra que ele é perfeitamente capaz de lidar com gigantescas e ambiciosas produções hollywoodianas com exatamente o mesmo tipo de cuidado, sensibilidade e visão de seus filmes menores, intimistas, com abordagens eminentemente humanas. Mestre dos Mares é um espetáculo que reúne o melhor dos dois mundos, ou seja, o dinheiro da mais poderosa indústria cinematográfica do mundo com a cabeça autoral de um cineasta que se recusa a se desviar de suas características centrais. E talvez seja por isso que, no final das contas, o longa não tenha sido recebido tão bem em 2003, demorando anos para ganhar o reconhecimento que merece e, mais de duas décadas depois, continua merecendo.
4º Lugar:
Sem Medo de Viver
(1993)
No entanto, o pedido silencioso de socorro de Max Klein – que o espectador demora a entender que é isso que ele está fazendo – está presente em cada segundo de projeção e é um dos mais belos estudos de personagem da Sétima Arte, com Jeff Bridges realmente capturando a alma de alguém profundamente traumatizado que desfez as conexões com o mundo em que vivia, mas que tenta desesperadamente mostrar que ainda está ali, em algum lugar, aguardando resgate que pode nunca chegar. Com Sem Medo de Viver, Peter Weir mostra justamente que a vida não é algo para ser vivido sem medo e, portanto, sem amor, mas sim abraçando e reverenciando esse temor e esse amor que são os elementos que revelam seu real valor.
3º Lugar:
A Última Onda
(1977)
Alguns podem ter reações negativas sobretudo ao final do longa, acusando-o de abrupto ou de saída fácil, mas tenho para mim que, assim como foi o caso de Piquenique na Montanha Misteriosa, Peter Weir não tinha a menor intenção de solucionar mistérios, de investigar os acontecimentos ou de entregar visões definitivas sobre o que aconteceu ou deixou de acontecer. Afinal, o que realmente importa é a jornada – um clichê, eu sei, mas que é verdade em muitos filmes – e, mesmo que o final cultive o mistério, o que temos não é mais do que a manutenção da dubiedade, da latitude para interpretações. Sim, é um final aberto e sim é razoavelmente brusco, mas é que as dúvidas permanecem também em David Burton até o fim e não há solução para o tema apocalíptico de suas premonições, pelo que não é incongruente que o fim seja apenas “um” fim. E, para mim, que fim!
2º Lugar:
A Testemunha
(1985)
A Testemunha, que concorreu a seis estatuetas do Oscar, inclusive as de Melhor Filme e Direção (a primeira de quatro indicações de Weir) e levando as de Roteiro e Montagem, revela um cineasta maduro, capaz de negociar com maestria seu desejo de fazer mais do que apenas o básico que Hollywood exige e de continuar trabalhando temas que lhe são caros, ganhando a sempre desejável visibilidade que essa indústria proporciona. É a tempestade perfeita entre os mandamentos marketeáveis para fazer dinheiro para os executivos e o apuro técnico e autoral de um diretor que nunca realmente deixou de lado sua sede de fazer comentários sociais e políticos relevantes e caros para ele.
1º Lugar:
Piquenique na Montanha Misteriosa
(1975)
Piquenique na Montanha Misteriosa é uma obra sobre a jornada, um recorte de uma época em um lugar remoto que faz do místico, do mágico, uma alegoria sobre o crescimento, sobre o despertar, mas sem, em momento algum, indicar ao espectador como ele deve sentir-se. Peter Weir, muito cedo na carreira, sedimenta-se como um diretor virtuoso, de grande sensibilidade, capaz de hipnotizar, encantar, assustar e verdadeiramente horrorizar o espectador com um longa memorável e absolutamente irresistível.