Home Colunas Lista | Os Melhores Filmes de 2024 – César Barzine e Handerson Ornelas

Lista | Os Melhores Filmes de 2024 – César Barzine e Handerson Ornelas

Anatomia ficcional.

por Luiz Santiago
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Foram elegíveis para esta lista, apenas: o que foi OFICIALMENTE lançado nos cinemas brasileiros em 2024; o que foi lançado nos streamings e VODs OFICIALMENTE acessíveis no Brasil em 2024 (ou seja, HBO Max, Hulu e iTunes com conta americana estão fora); o que foi exibido OFICIALMENTE em Festivais brasileiros em 2024 ou filmes de festivais que foram OFICIALMENTE acessível a partir do Brasil.

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CÉSAR BARZINE

Mais uma vez sou obrigado a reconhecer que, no quesito quantitativo, minha cinefilia anual deixou a desejar. Ao mesmo tempo, foi o ano em que mais revi filmes em proporção às obras inéditas, e todos eles eram clássicos. Pode-se dizer que o ano foi, praticamente, uma retrospectiva dos anos anteriores. Além disso, retornei à mostra CineOP, em Ouro Preto, cujo tema foi animação — e, pela primeira vez, vivi a experiência do cinema a céu aberto.

Fico bastante surpreso e contente com o resultado desta lista, que, diga-se de passagem, está bem superior à última que fiz, para o ano de 2022. Nela, pontuei que o cinema começava a se recuperar da pandemia, mas que a qualidade dos filmes ainda sofria com os seus efeitos. Contudo, não deixei de demonstrar esperanças por um restante de década melhor ainda por vir. Agora posso dizer com tranquilidade que 2024 vingou aquele período de vacas magras.
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10º – Dias Perfeitos

Wim Wenders | Japão e Alemanha | 2023

Dias Perfeitos encontra a beleza no mundano e coloca Koji Yakusho para conquistar todos como a figura central na jornada de um homem que parece contente com seu próprio exílio, e mesmo que deixe o mundo ditar suas próprias regras, utiliza o silêncio ao seu favor, o que faz com que seus pequenos momentos de diálogo entre figuras do presente e passado sejam ainda poderosos e não deixem de trazer ao menos um pouco de esperança.

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9º – O Sabor da Vida

Trần Anh Hùng | França | 2023

Um filme sobre comida, pessoas apaixonadas e pequenas coisas da vida que pega esses três elementos e os elevam a um patamar espiritual. Somos apresentados ao universo da culinária, e Trần Anh Hùng (melhor trabalho de direção do ano) não economiza na exposição dos mais diversos pratos. O objetivo é cobrir completamente o espectador com aquelas delícias e, com a ajuda de seu belíssimo domínio da câmera, o diretor se esforça para aproximá-lo desses mesmos sabores que os personagens digerem e vivenciam. A comida vai do fisiológico ao existencial, torna-se uma rede de afetos e uma forma de viver a vida. Uma história idílica e singela feita com o coração e o estômago.

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8º – Zona de Interesse

Jonathan Glazer | Reino Unido, Polônia e Estados Unidos | 2023

É justamente nesta tentativa opositora que a moralidade é despedaçada e entregue ao espectador – o que gera, de certa forma, um interessante efeito de contraditoriedade constante. No entanto, é nela, também, que o horror é transformado em museu. Em museu limpo, também higienizado. Em um lapso futurista, o proto-Eichmann enxerga a conclusão de seu trabalho e pode, assim, ir para casa. Talvez se apostasse em demonstrar esse horror, como defende o filósofo francês, o caminho de Höss seria perturbado. Pois seu grande inimigo, não deixa de ser, enfim, a memória, como Glazer tenta e consegue parcialmente demonstrar.

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7º – O Sequestro do Papa

Marco Bellocchio | Itália, França e Alemanha | 2023

Basicamente um manifesto anticlerical, ao mesmo tempo que soa como um filme religioso. Os momentos de devoção religiosa apresentados em forma de resistência atestam isso; são passagens que expressam uma fé judaica pura, intensa e inspiradora. Mas também são, não devemos esquecer, um grito sobre identidade geral, algo tanto individual quanto coletivo. As interpretações, indo do pequeno Leonardo Maltese ao idoso Paolo Pierobon, são magistrais. Este último consegue fazer com que uma minúscula expressão facial adquira um vigor demoníaco. Já o menino cumpre perfeitamente o papel de vítima digna de compaixão. Em sua segunda metade, o roteiro expande seus horizontes tocando em questões históricas mais gerais para, no final, retornar ao micro, fechando, de maneira intrigante, essa jornada pessoal de pesadas dimensões sociais.

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6º – O Menino e a Garça

Hayao Miyazaki | Japão | 2023

Marcando ou não o verdadeiro fim da carreira de Hayao Miyazaki, O Menino e a Garça é outra estupenda animação na filmografia desta lenda viva que une uma abordagem de cunho pessoal com uma invejável criação de mundo que leva Mahito e os espectadores a uma jornada inesquecível. Experimentar o longa em toda sua grandeza é como viajar por um mundo ao mesmo tempo desafiador e deslumbrante que assusta e faz sorrir, choca e afaga. E, quando os créditos começam a subir, o que fica, dentre as lembranças multicoloridas e dinâmicas, é aquela sensação gostosa de ter visto um grande mestre fazendo aquilo que nasceu para fazer.

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5º – Ficção Americana

Cord Jefferson | Estados Unidos | 2023

American Fiction é uma excelente comédia satírica e um ótimo drama familiar, entendendo muito bem como discutir raça e cultura, suas diferenças e a percepção em volta delas no contexto afro-americano. As duas vertentes da produção nem sempre se comunicam tão bem, mas Jefferson consegue trabalhar uma narrativa com intersecções entre comédia e drama que criam uma ótima produção. Com uma quantidade inesgotável de questionamentos, é notável que o cineasta se recusa a fazer algo que vemos muito hoje em dia: mastigar da maneira mais rasa e expositiva suas críticas; o que torna tudo ainda mais ironicamente reflexivo de discutir. Até em um desfecho metalinguístico atrapalhado, o filme termina sem nos dar respostas, o que é absolutamente fantástico.

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4º – Ervas Secas

Nuri Bilge Ceylan | Turquia | 2023

Existe, como é de se esperar em filmes lentos do tipo, muitos planos abertos e estáticos; a ideia de um espaço além dos personagens caminha lado a lado com a inércia deste mesmo espaço. No final, vemos planos externos ensolarados que sugerem um olhar revisionista das vivências naquele lugar. Ida a pontos turísticos, paisagens idílicas, digressões existencialistas e monólogos narrados levam à ambivalência da relação de Samet por lá. Mas o que essas coisas realmente dizem? Tudo no filme é pouco claro (não no sentido visual), e é aí que está sua profundidade e charme: desorientar o público e o personagem.

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3º – Meu Amigo Robô

Pablo Berger | Espanha, França | 2023

Meu Amigo Robô é um pequeno deleite audiovisual que agradará filhos, pais e avós e, melhor ainda, provavelmente levará a indagações dos filhos sobre os temas da obra que, se respondidas pelos adultos de maneira sóbria, sem rodeios e floreios, só beneficiará os pequenos enredomados em seu mundinho em que tudo tem aquele final esperado feito justamente para evitar perguntas. Pablo Berger, com uma cajadada só, fez um longa que não trata as crianças como seres feitos de cristal e que retorna aos bons e velhos tempos das animações desenhadas no estilo antigo e, ainda por cima, sem qualquer ajuda da verbalização de ideias. Nada mal para “apenas um desenho para crianças”, não é mesmo?

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2º – Vidas Passadas

Celine Song | EUA | 2023

Narrando um romance de forma não convencional – tanto que Song usa da autoconsciência no roteiro para se distanciar dos acasos comuns da comédia romântica, principalmente quando forja a expectativa do beijo final – Vidas Passadas esbanja maturidade ao capturar de maneira delicada um retrato sobre relação, conexões e escolhas. A última cena  –  ilustrada no dilema do triângulo amoroso – fecha de forma arrasadora a ideia de caminhos divergentes com que Nora lida, afinal, por trás da escolha entre Arthur (o presente) e Hae Sung (as renúncias), Nora está fazendo uma escolha sobre sua vida e trajetória como uma premiada escritora.

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1º – Anatomia de uma Queda

Justine Triest | França | 2023

Pode parecer que Anatomia de uma Queda levanta uma série de questões e no fim não decide por nada, mas é na incerteza que encontramos as respostas. Se a realidade é tão relativa, e cada vez mais artificial, temos o poder de construir nossa própria realidade. Sandra criticava Samuel por se vitimizar constantemente e jamais ser o protagonista da própria vida. Independente da crença de cada um, estamos todos vivendo uma história, e hoje em dia podemos expor esse conto, se essa narrativa será escrita por nós ou por influência de outras pessoas, é escolha de cada personagem.

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HANDERSON ORNELAS

Esse ano foi um ano curioso para o cinema. Com poucos destaques de blockbusters e pouca movimentação do “cinema de bonequinho”, abriu-se espaço para algumas maravilhosas pérolas surgirem para o grande público. Minha jornada pelo cinema nesse ano foi ótima, com destaque para minha surpresa com a qualidade das animações desse ano e do nível estrondoso de dois cineastas autorais fazendo os melhores blockbusters de 2024. Se eu posso colocar um “porém”, diria que para o gênero do terror, esse ano ficou aquém aos últimos, com um cardápio razoável de bons filmes, mas pouquíssimos excelentes.

Minhas credenciais, de acordo com meu letterboxd, seguem: vi cerca de 120 filmes esse ano, sendo 54 deles aptos para essa lista, lançados no Brasil em 2024. E em minha seleção abaixo há um pouco do meu gosto variado por cinema: animações estrangeiras de altíssimo nível, indicados e vencedores do Oscar 2023 (no caso, filmes que só chegaram por aqui esse ano), dois blockbusters magníficos de George Miller e Denis Villeneuve, um lindíssimo documentário sobre um gênio, um (já) clássico do cinema nacional e uma grande promessa do Oscar 2025, exibido por aqui em festivais. Siga em frente e deixe seus comentários!

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10º – Pobres Criaturas

Yorgos Lanthimos | Irlanda, Reino Unido, Estados Unidos | 2023

Publicado em 1992 e escrito pelo romancista escocês Alasdair GrayPobres Criaturas é uma bem-vinda história de libertação feminina mascarada de pastiche de narrativa vitoriana com criaturas e humanos bizarros e com artifícios literários que transformam o romance em um enigma dentro de um enigma. Yorgos Lanthimos, pela primeira vez trabalhando com material adaptado, faz da já sobejamente estranha obra um filme visualmente criativo e ousado, com Emma Stone encantadora no papel de Bella Baxter, uma jovem resgatada da morte por suicídio pelo Dr. Godwin Baxter (Willem Dafoe), uma versão exagerada e cartunesca – mas não menos trágica – do Dr. Victor Frankenstein e, com isso, consegue dar uma roupagem muito própria e autoral para o romance.

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9º – O Menino e a Garça

Hayao Miyazaki | Japão | 2023

Quando Vidas ao Vento foi lançado em 2013, Hayao Miyazaki convocou uma coletiva de imprensa e anunciou sua aposentadoria. Não foi a primeira vez que ele disse que se aposentaria, mas, por toda a pompa e circunstância ao redor do evento midiático em Veneza, além de seus 72 anos bem vividos, imaginava-se que o grande mestre realmente recolher-se-ia em alguma confortável casa no arquipélago japonês para viver seus anos crepusculares. Corta para 2016 e eis que Miyazaki retorna para a animação com o roteiro e direção do curta-metragem Boro, a Lagarta, que seria lançado em 2018 exclusivamente no Museu Ghibli e, depois, no Parque Ghibli, contraindo, com isso, o grave vírus normalmente conhecido como “aposentadoria, que aposentadoria?”, logo iniciando os trabalhos no que viria a ser O Menino e a Garça.

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8º – Anatomia de Uma Queda

Justine Triet | França | 2023

A diretora de Anatomia de uma QuedaJustine Triet, expôs durante um dos eventos de divulgação do filme que ela vê tribunais como uma espécie de ficção. “Vejo o tribunal como um lugar onde nossas vidas são ficcionalizadas, onde uma história, uma narrativa, é colocada em nossa vida. Todos ali estão contando uma história, todos estão criando uma narrativa, e tudo está muito distante da verdade”. Mesmo não gostando quando realizadores explicam demais suas obras, a fala serve como uma entrada precisa para o universo do filme, onde a linha entre fato e ficção se desfaz. Uma das obras-primas de 2023, estamos diante de um longa desafiador, no melhor sentido da expressão, apresentando uma narrativa que questiona a própria natureza da verdade e apresenta a complexidade da subjetividade do olhar.

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7º – Jurado Nº 2

Clint Eastwood | Estados Unidos | 2024

Vou pedir vênia aos meus leitores e começar a presente crítica afirmando com todas as letras que Jurado Nº 2 é mais um inacreditável exemplo do quanto Hollywood precisa repensar profundamente seu modelo econômico e sua forma de valorizar seus grandes nomes. Clint Eastwood vem dirigindo e/ou estrelando filmes com consistente qualidade e sucesso de bilheteria exclusivamente para a Warner Bros. há nada menos do que 50 anos e Jurado Nº 2, provavelmente seu último trabalho de direção em razão de sua idade avantajada (94 anos), foi lançado em menos do que 50 salas de cinema nos EUA, seguindo quase que imediatamente para o streaming e só realmente chegando ao grande circuito no Reino Unido. É como se a Warner tivesse acordado e percebido que Eastwood já deu o que tinha que dar e precisava se livrar dele de alguma forma, ainda que, ironicamente, em termos de faturamento por sala, seu filme tenha sido um dos maiores sucessos de 2024.

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6º – Furiosa: Uma Saga Mad Max

George Miller | Austrália, Estados Unidos | 2024

A sensação final é de que Furiosa: Uma Saga Mad Max é mais contexto do que espetáculo, focada em expandir a mitologia da franquia com uma abordagem menos visualmente criativa. Ainda assim, a exploração do passado de Furiosa é dramaticamente engajante dentro desse pós-apocalipse que continua sendo cruel, enquanto a ação, se menos inspirada, ainda é melhor do que a maioria dos blockbusters recentes. O mundo continua interessante, a protagonista também, mas claramente faltou um pouco mais de personalidade narrativa e tato visual.

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5º – Ainda Estou Aqui

Walter Salles | Brasil, França | 2024

Ainda que a direção de Walter Salles não aborde todo esse momento e essa poderosa história com a paixão que tivera em outra trama familiar (Central do Brasil, 1998), o resultado ainda é de grande qualidade, digno de constar entre as nossas melhores produções contemporâneas, além de reacender o debate sobre a investigação, o julgamento e a punição dos agentes da lei, políticos, sociedade civil e militantes digitais que tentam recolocar no poder a miséria militar que massacrou o Brasil entre 1964 e 1985. Esta é a história de uma família, de uma mulher, de uma luta que parece estar mais viva do que nunca, e que nos lembra com muita melancolia que, em determinados tipos de sociedade e sistemas, nenhum direito conquistado está a salvo. É preciso lutar constantemente por eles.

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4º – Hayao Miyazaki e a Garça

Kaku Arakawa | Japão | 2024

Melhor do que acompanhar a exploração do imaginário de Hayao Miyazaki em animação é acompanhar essa exploração no mundo real, em formato documental. Sou obcecado por Miyazaki, já vi praticamente todos os documentários com filmagens da rotina do diretor e do resto da trupe do Studio Ghibli. E esse com certeza se destaca pelo tamanho de seu significado. Gravado pela emissora japonesa NHK e posteriormente lançado em Cannes, com consequente distribuição em streamings do mundo todo, o documentário acompanha Miyazaki e o produtor Toshio Suzuki ao longo de sete anos do desenvolvimento de O Menino e A Garça. Uma obra extraordinária sobre a devastação do luto e do envelhecimento, a inevitabilidade da vida e da morte e o esforço metódico, complexo e tedioso do processo criativo.

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3º – Conclave

Edward Berger| Reino Unido, Estados Unidos | 2024

Mesmo com meus incômodos, porém, Conclave consegue ser um belo thriller eclesiástico (se é que isso existe…) sobre um procedimento arcano que serve de palco para Ralph Fiennes novamente mostrar todo seu potencial dramático e para reiterar a maestria de Edward Berger no controle de um longa. Por mim, se Benítez não existisse, ou existisse de outra forma, o filme não só seria melhor, como, também, manteria perfeita coesão narrativa ao somente tratar de intrigas endógenas. Do jeito que seu personagem ficou, ele acaba detraindo do todo (mas não por culpa do ator)), ainda que, por outro lado, esses eventos tenham potencial de levar à discussões acaloradas pós-filme.

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2º – Memórias de Um Caracol

Adam Elliot | Austrália | 2024

Quem se emocionou com a obra-prima Mary & Max – Uma Amizade Diferente (2009), estará aqui diante de um filme do mesmo diretor, com a mesma abordagem de comunicação entre duas pessoas sensíveis, separadas geograficamente, mas unidas emocionalmente por uma amizade indescritível. No caso de Memórias de Um Caracol (2024), esse laço é ainda mais forte e todo o drama acaba ganhando um peso maior do que o anterior, porque os protagonistas são irmãos gêmeos que precisam vencer, dentre outras grandes dificuldades da vida, uma distância geográfica que parece ainda maior do que realmente é.

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1º – Duna: Parte 2

Denis Villeneuve | Estados Unidos | 2024

É difícil encontrar uma palavra melhor para Duna: Parte 2 do que épico, porque é ainda mais difícil sair da sala de cinema sem atestar que acabamos de ver algo absolutamente gigantesco. Sim, podemos criticar a eterna batalha de comunicação que Villeneuve faz entre o íntimo e o amplo, da falta e descarte de muitos elementos temáticos que poderiam ser aprofundados ou até da narrativa que mais uma vez caminha numa linha de fazer preparativos para a próxima sequência, mas consigo facilmente entender determinadas escolhas e até fechar os olhos para alguns defeitos em face de uma experiência cinematográfica tão rara. Não falo só de estética ou de técnica, mas também de maravilha e do êxtase que o cinema de espetáculo pode oferecer.

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