Avaliação da temporada:
(não é uma média)
- Há spoilers.
A sétima série da Marvel Studios nos meros primeiros 18 meses da Fase 4 do Universo Cinematográfico Marvel introduz Kamala Khan, a jovem super-heroína muçulmana de origem paquistanesa criada em 2013 que é fã da Capitã Marvel e que é revelada, nos quadrinhos, como uma inumana depois que a Bomba Terrígena explode na Terra, ganhando poderes de alteração de seu corpo que se assemelham ao do Sr. Fantástico, do Quarteto Fantástico. Considerando que a introdução dos Inumanos no UCM se deu por intermédio da ótima Agents of S.H.I.E.L.D. e, depois, ganhou desenvolvimento na terrível série Inumanos, que, ainda bem, durou só uma temporada, ambas da finada Marvel Television, a personagem sofreu mudanças bastantes amplas em seus poderes que passaram a ter contornos cósmicos a partir de um bracelete que herda de sua avó.
No entanto, os poderes de Ms. Marvel não são tão relevantes assim para a série que está muito mais preocupada em lidar, neste primeiro momento, com a herança cultural e religiosa de sua protagonista, do que efetivamente criar uma série de ação pura. Isso é visível especialmente nos dois primeiros episódios da minissérie que adota, sem pudor, uma linguagem adolescente, colorida, original e alegre para uma menina fã de super-heróis que acaba se tornando uma super-heroína e precisa aprender como seus poderes funcionam. A estreante Iman Vellani é mais uma escalação perfeita do estúdio, com a atriz trazendo aquele ar efusivo de uma adolescente deslumbrada com suas descobertas e encarnando Kamala Khan à perfeição.
O problema da minissérie é que ela vai além dessa fase de descoberta de poderes e adaptação à uma vida de super-heroína, passando, a partir do terceiro episódio, a focar cada vez mais fortemente na origem dos poderes da protagonista e de sua herança extradimensional, criando uma trama razoavelmente complexa que nos apresenta a conceitos novos dentro do UCM, além de um grupo de vilões – os Clandestinos – que deixa muito a desejar em termos de desenvolvimento, mais parecendo personagens aleatórios que a produção considerava essencial para fazer da série uma série de super-herói. Com isso, o lado teen é deixado de lado, para que, então, a narrativa mergulhe em um lado que seria mais bem desenvolvido em uma eventual segunda temporada, depois que Kamala Khan já estivesse dominando pelo menos parte de seus poderes.
Do jeito que a série acabou ficando, ela conta duas histórias desconectadas, começando pela abordagem adolescente que mencionei para, em seguida, interrompê-la e tratar dos antepassados de Kamala, com direito até a uma viagem no tempo cuja lógica dentro do UCM simplesmente precisamos fechar os olhos e respirar fundo sem pensar em seus detalhes para fazer algum sentido. Trata-se, muito claramente, de uma história maior do que o espaço disponível para contá-la, o que exigiu o uso de diversos atalhos, conveniências e tratamento raso dos personagens, especialmente os Clandestinos, para que tudo pudesse acabar no tempo regulamentar. Infelizmente, nessa correria, muito do que a série poderia ter sido e que ensaiou ser em seu começo acabou se perdendo.
Mesmo assim, Ms. Marvel, em razão de seu terço inicial e de seu final e, principalmente, da magnética atuação de Vellani, é uma série prazerosa de assistir por genuinamente capturar a adolescência sem descambar para a comédia romântica e por tentar uma linguagem dinâmica e visualmente atraente para lidar com toda a cultura paquistanesa/muçulmana que serve de pano de fundo para tudo o que vemos na tela, inclusive boas críticas socioculturais que perpassam a narrativa do começo ao fim, com direito, inclusive de abordar aspectos históricos – notadamente a Partição da Índia – que quase nunca (nunca, na verdade) são abordados no Ocidente. E isso sem contar que a série, em seus segundos finais, acaba servindo de porta de entrada oficial dos mutantes no UCM, quando o melhor amigo de Kamala lhe diz que ela parece ser fruto de uma mutação e que talvez por isso consiga fazer uso do bracelete canalizador da energia da Dimensão Noor.
XXXXXXXXXXX
Como fazemos em toda série que analisamos semanalmente, preparamos nosso tradicional ranking dos episódios para podermos debater com vocês, lembrando que os textos abaixo são apenas trechos das críticas completas que podem ser acessadas ao clicar nos títulos dos capítulos. Qual foi seu preferido? E o pior? Mandem suas listas e comentários!
6º Lugar:
Time and Again
1X05
É muito para desempacotar e é particularmente demais para ser abordado em algo como dois terços de um curto episódio. Quando o espectador começa a criar empatia com Aisha e Hasan, vem uma elipse para a gravidez, depois para Sana já nascida, em seguida para as revoltas e distúrbios no país e o preconceito contra os muçulmanos e então a confusão na estação de trem. Em resumo, o roteiro acaba desperdiçando dois potencialmente importantes personagens do passado da protagonista e, de quebra, perde a oportunidade de lidar com mais vagar com a Partição da Índia que, convenhamos, antes da série trazer o assunto à tona, quase ninguém do Ocidente sequer tinha ouvido falar e que aquele “filminho narrado” no começo sequer começa a arranhar a superfície.
5º Lugar:
Destined
1X03
Mas deixe-me abordar o caso concreto para ninguém me entender erroneamente. Lá na crítica de Generation Why, comentei que os elementos da cultura de Kamala Khan ocuparam todo o espaço cênico, algo que reputei como necessário para situar rápida e eficiente o espectador, algo importante em uma minissérie de apenas seis episódios. Conjecturei que essa característica fosse arrefecida no episódio seguinte, o que efetivamente acabou acontecendo, gerando um capítulo ainda mais equilibrado. No entanto, Destined é um passo atrás novamente nesse aspecto, já que o episódio parece estar muito mais preocupado em lidar com a cultura “diferente” que quer abordar do que com uma progressão narrativa que não fique espremida em alguns minutos no começo e no final.
4º Lugar:
Seeing Red
1X04
Ao sem cerimônia transportar toda a ação da minissérie para Karachi, no Paquistão, Seeing Red acaba fazendo melhor aquilo que Destined tentou, ou seja, tornar as culturas paquistanesa e muçulmana o centro das atenções, mas sem esquecer da ação. A grande verdade é que a mudança literal de cenário empresta mais naturalidade ao lado paquistanês da série, transformando-o em um pano de fundo vibrante e relevante, mas não intrusivo como foi no episódio anterior. Ainda não é, decididamente, um capítulo com a qualidade jovial, colorida, levemente transgressora e muito descompromissada que vimos em Generation Why e em Crushed, mas, muito sinceramente, não há mais como esperar esse retorno à simplicidade e eu compreendo a necessidade de se seguir em frente com um mergulho mais profundo nas origens dos poderes de Kamala Khan.
3º Lugar:
No Normal
1X06
O que funciona, aqui, é justamente o “estilo Goonies” de aventura, ou seja, uma espécie de brincadeira descompromissada em que adolescentes (e um adulto, eu sei) precisam lidar com vilões atabalhoados com o uso de apetrechos improvisados da escola onde se escondem. Claro que No Normal não chega ao patamar da obra infanto-juvenil clássica de Richard Donner, mas ela captura seu espírito com bastante sagacidade se o espectador souber embarcar na proposta leve que evidentemente retorna à estrutura dos dois primeiros episódios da série, estilo esse que, reconheço, deveria ter sido mantido por toda sua duração, sem a necessidade, no momento, da aventura no Paquistão.
2º Lugar:
Generation Why
1X01
O primeiro episódio de Ms. Marvel, assim como nos quadrinhos, é sobre a representação islâmica nas obras de super-heróis, mas, talvez ainda acima disso – e também como nas HQs da personagem -, Generation Why seja sobre o fã, um Galaxy Quest para fãs de super-heróis, mas não o fã sempre de cara amarrada porque determinada série ou filme não é como ele imaginou em seus devaneios, não o fã que leva a sério demais o objeto de sua adoração e não o fã que pega um elemento que desgosta e o usa como cavalo de batalha para destruir todo o restante. Esse aí não é fã, mas sim um chato de galochas. Fã é o cara que, como Kamala Khan, deixa seus olhos brilharem quando se depara com algo que gosta, que tenta compreender que nem sempre adaptações serão iguais ao material fonte (a pista está no nome…) e que investe com alegria em sua paixão.
1º Lugar:
Crushed
1X02
Quando Kamala Khan volta para casa depois que seu crush Kamran (Rish Shah) mostra interesse nela e a clássica Be My Baby, das The Ronettes, começa a tocar em sua cabeça, com direito a um número de dança à la Dirty Dancing, aquilo que já estava muito bom ficou basicamente perfeito, ou seja, a exata captura audiovisual daquele fulgor adolescente inocente, de primeira experimentação, de algo novo e diferente na vida de uma jovem. E isso porque, mais uma vez, o grande trunfo de Ms. Marvel, mesmo que este segundo capítulo já comece a mergulhar em outras questões, é manter seu foco centrado em Iman Vellani que, muito sinceramente, não sei mais se está atuando ou apenas sendo ela mesma, uma adorável e cativante jovem de origem paquistanesa que vê seu mundo começar a se abrir a partir do momento em que um bracelete herdado de sua avó a transforma em uma super-heroína.