Avaliação da temporada:
(não é uma média)
Confesso que comecei a assistir a 3ª temporada de Mayans M.C. bem receoso em razão da saída de Kurt Sutter, permanecendo apenas o razoavelmente inexperiente Elgin James no comando da série e também por ser a primeira temporada produzida debaixo das enormes asas da Casa do Camundongo que, como parte da aquisição da Fox, levou junto a FX. Mas o showrunner, em seu trabalho solo, não só mostrou categoria, como pela primeira vez tirou um pouco o foco das famílias Reyes e Galindo, desenvolvendo personagens que permaneciam unidimensionais, como Bishop e Taza, tendo até mesmo tempo para vemos um pouco do simpático Hank.
Com isso, mesmo com problemas aqui e ali, especialmente nos episódios 3X06 a 3X08, a série ganhou em unicidade narrativa, fazendo jus ao nome Mayans, já que passou a tratar do grupo como um todo, algo que, antes, fica restrito ao núcleo de Coco que, aliás, ganha uma abordagem para lá de sombria neste terceiro ano, com o personagem mergulhando nas drogas pesadas e afastando-se de seu clube. Falando nisso, a temporada toda manteve uma constante nuvem carregada por sobre seus personagens, seja Bishop lidando com a proximidade do aniversário de morte de seu filho ao mesmo tempo que cultivando sua ambição de se tornar o único rei dos Mayans, seja Angel tendo que encarar o retorno e o subsequente sumiço de Adelita, com a notícia da morte do filho dos dois, ou seja a própria Adelita mergulhando mais profundamente ainda no lado sombrio de suas atividades revolucionárias ao transformar crianças em um um grupo de pequenos assassinos. E tudo isso com Miguel tendo que lidar com as consequências da morte da mãe, passando a desconfiar de todos ao seu redor e El Palo preparando sua lenta vingança contra os Mayans de Santo Padre.
O único raio de luz na história foi o relacionamento amoroso entre EZ e a bela Gaby que, claro, simplesmente não podia acabar bem, especialmente pela forma propositalmente destoante como as sequências dedicadas aos dois foram tratadas. No entanto, surpreendentemente, no lugar de simplesmente seguir o caminho mais óbvio, que seria eliminar Gaby e criar uma tragédia para servir de gota d’água para eventual explosão de violência de EZ, os roteiros quase que singelamente mostraram ao protagonista que não há felicidade em seu futuro e que um relacionamento como esse simplesmente não poderia prosperar sem risco para sua futura família. A compreensão da dimensão dessa questão, algo que, claro, espelha a vida pregressa de Felipe Reyes como Ignacio Cortina, é dolorosa e torturante tanto para EZ quanto para os espectadores que foram brindados com um personagem que finalmente para de tentar ser o que ele não é e abraça seu lado sombrio com vontade, algo que fica simbolicamente marcado no belo cliffhanger em que ele parece defender sozinho o clube do ataque dos Mayans de outras cidades, marcando a eclosão da guerra civil.
E é claro que o retorno do maquiavélico Lincoln Potter no último episódio, em uma deliciosa conversa em que revela a Miguel Galindo que ele está prestes a ser preso – e que Potter o quer solto para poder continuar a se divertir com sua caçada! – seguida da tentativa de vingança de Adelita contra ele, somente para que ele revele que seu filho está vivo. Nada mal para um final aberto, não é mesmo?
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Como fazemos em toda série que analisamos semanalmente, preparamos nosso tradicional ranking dos episódios para podermos debater com vocês. Qual foi seu preferido? E o pior? Mandem suas listas e comentários!
10º Lugar:
You Can’t Pray a Lie
3X06
Em outras palavras, o fantástico momento do ataque a EZ, que fechou Dark Deep-Laid Plans, episódio de metade de temporada, foi desperdiçado. E, pior do que isso, todo o potencial que o momento tinha de levar Gaby a repensar seu relacionamento com EZ ou, no mínimo, de procurar respostas e tentar fazer as pazes com a situação traumática, foi defenestrado e substituído por uma road trip cheia de amorzinho, com parábolas em Igrejinha, primeira visita ao Oceano e, claro, o momento do sex on the beach em que, muito ao contrário, o relacionamento dos dois chega a outro nível, dizendo para nós, espectadores, que o Gaby precisava para finalmente transar com EZ, era quase morrer de susto em um atentado que a deixou completamente ensanguentada e que ela lidou como se fosse outra quarta-feira na vida dela. Chega a ser estranho ver tamanha simplificação narrativa em Mayans M.C., o que eu reputaria como preguiça da roteirista se eu estivesse falando de outra série.
9º Lugar:
Pap Struggles with the Death Angel
3X01
Falando neles, Coco é outro que só foi ladeira abaixo depois de ficar quase cego na 2ª temporada. Provavelmente se viciando nos medicamentos que tomou, ele, agora, está em um poço sem fundo em busca de drogas que muito claramente o impede de funcionar direito ou de continuar a tentar ser um bom pai para a filha que praticamente acabou de conhecer como tal. A espiral sombria da série continua também com o desejo de vingança de Taza contra Palo que, por seu turno, planeja sua própria vingança e com a revelação de que Felipe entrou em depressão depois do assassinato de Dita por EZ. Em outras palavras, com Pap Struggles with the Death Angel, a temporada já começa quase que no ponto de ebulição, mesmo dedicando tempo para apresentar um novo e decadente status quo.
8º Lugar:
What Comes of Handlin’ Snakeskin
3X07
What Comes of Handlin’ Snakeskin é, em comparação com o episódio imediatamente anterior, um alívio e, mais do que isso, um sinal de que a temporada não se perdeu. No entanto, é curioso como Elgin James não parece estar conseguindo reverter aos momentos de tensão que ele magistralmente construiu até o quinto episódio, deixando a história ficar um pouco à deriva justamente quando ele tinha que começar a unir as pontas para levar a um encerramento digno, especialmente se o fim da temporada for o fim da série como e desconfio que será em razão da compra da Fox pela Disney.
7º Lugar:
A Mixed-Up and Splendid Rescue
3X08
É tanta coisa para escrever que eu realmente nem sei por onde começar, mas, contemplando as diversas linhas narrativas e sub-tramas abordadas, creio que a melhor saída para meu texto da semana seja não cair na mesma armadilha do roteiro de Jenny Lynn e concentrar-me nos aspectos macro. Aliás, vale um parêntese importante, pois Lynn conseguiu um milagre ao lidar com tanta coisa ao mesmo tempo, certamente um mandamento do showrunner, escrevendo pequenas, mas importantes interações entre um sem-número de duplas de personagens, seja El Palo tentando convencer o violento El Banquero a ajudá-lo em sua rota de vingança, seja a doçura de Hank com Nails ou a conexão mais forte entre Angel e a mesma Nails quando ela o informa sobre sua gravidez, ou, ainda, a terna e surpreendente conversa entre Laura e Tazza, em que o segundo é revelado como homossexual, tendo o finado David como o único amor de sua vida. Foi sem dúvida uma tarefa complexa que a roteirista mostrou eficiência em cumpri-la e que o diretor Alonso Alvarez-Barreda soube colocar na telinha da melhor maneira possível.
6º Lugar:
The Orneriness of Kings
3X02
The Orneriness of Kings (chique o título, não?) coloca EZ em destaque diante do conselho dos Mayans quando ele bola um plano para criar equilíbrio à negativa de ajuda aos demais grupos de outras cidades por Bishop e para colocar seu líder como o efetivo rei de toda a região, com um gargalo de drogas vindas do México rigidamente controlado por ele. Parece-me – mas posso estar errado – que esse plano altamente complexo tomará grande parte da narrativa da temporada, especialmente porque não deve demorar muito para Linc Potter perceber o que está acontecendo.
5º Lugar:
Overreaching Don’t Pay
3X03
Overreaching Don’t Pay é um exemplo muito claro disso. O plano de EZ, que eu inocentemente disse que ocuparia boa parte da temporada em minha crítica dupla anterior, ganhou tração e passou a ser uma corrida desesperada de 100 metros rasos executado por um Bishop dolorido duplamente por um drama pessoal que ainda não sabemos exatamente o que é e por Alvarez, com aquela simpatia que lhe é peculiar, impedir que ele sequer levante a bola do plano para o ex-líder. A decisão de colocar o plano em movimento de qualquer jeito imediatamente pintou o quadro do que veríamos mais para a frente, mesmo que o início da execução tenha ganhado um tom engraçado com o fornecedor de drogas que só fala com letras de música. Mas, não demora, e tudo começa a desmoronar por circunstâncias que ninguém poderia exatamente prever e que tem conexão direta com a jovem que EZ e Angel acabaram levando à prisão por usá-la como burro de carga de drogas. A traição da cafetina em vingança contra os Mayans é mais um elemento que mostra que o clube de motocicletas está em péssimos lençóis, não mais conseguindo lealde irrestrita de quem quer seja.
4º Lugar:
The House of Death Floats By
3X09
Apesar da importância da sequência homicida de Miguel, ela funcionou muito bem como cortina de fumaça para o verdadeiro grande momento do episódio, esse sim de plena consciência de EZ que, apesar de dar atenção burocrática a Steve, traumatizado pelo assassinato que cometeu, resolve a questão com o clichê simplista “é isso que nós somos” ou algo do gênero, o que, na verdade, é muito mais uma conversa interna para ele mesmo do que um conselho útil para o prospect à beira de uma crise de nervos. Novamente, Elgin James não tenta esconder o que o roteiro pretende fazer com o personagem, algo que fica ainda mais claro no momento em que ele é promovido a membro full do clube e não consegue reagir com feição diferente do que de horror profundo. Mas o objetivo não é esconder nada e nos fazer entender o que significa ser um Mayan. Afinal, se lembrarmos de Sons of Anarchy ou mesmo da série spin-off, lembraremos que a conversão de prospect a membro do clube é sempre algo a ser celebrado e profundamente desejado pelo promovido. Steve é o outro lado dessa moeda, um homem que sempre sofreu por ser obeso e que, no momento em que achou que havia encontrado seu lugar, percebeu que não tinha como pagar o preço necessário. Sua saída era, na cabeça dele, a única possível e tudo ocorre em uma sequência simples, mas que reverbera.
3º Lugar:
Our Gang’s Dark Oath
3X04
E, com isso, algo muito importante e que por muito tempo faltou na série, ganha completamente sedimentação: o desenvolvimento maior dos demais membros dos Mayans que não apenas os irmãos Reyes. Diferente de Sons of Anarchy, que era muito mais intramuros no clube do título, Mayans M.C. tinha foco majoritariamente na dupla EZ e Angel em oposição aos integrantes do Cartel Galindo, não havendo muito espaço para os demais personagens, talvez com exceção de Coco. Nesta terceira temporada, não só Coco ganha contínuo desenvolvimento, ainda que pintando um quadro terrível sobre sua vida torturada, como Bishop passa a ser alguém mais relevante do que apenas o líder do grupo. Isso já vinha acontecendo vagarosamente, claro, mas, aqui, ele realmente passa a ser um personagem mais complexo, carregando a dor da perda de um filho e uma necessidade de firmar-se como mais do que ele é, o que também pode significar seu fim trágico como é o caso do que parece se avizinhar de Coco.
2º Lugar:
Dark, Deep-Laid Plans
3X05
Mas Coco é a nota discordante do episódio, por assim dizer. O restante é pura alegria ou pelo menos o máximo de alegria que Elgin James permite a seus personagens (e a nós, espectadores, claro). De um lado, temos o plano de Bishop finalmente dando certo graças a engenhosidade de EZ que consegue “subir” a “ponte do rio Kwai” e o risco que assume ao dar uma de Evel Knievel com a picape cheia de drogas. Ambos ganham seus minutos de felicidade, com Bishop realmente achando que seu caminho para ser o único rei está traçado e EZ decidido em conciliar-se com Gaby. Mas a direção do showrunner parece invocar nuvens de chuva por sobre a cabeça dos dois, pois, mesmo no triunfo, a tragédia futura é mais do que perceptível, tragédia essa que vem muito rapidamente no caso de EZ naquela assustadora sequência final em que, quase como em um videogame, somos arremessados em meio à ação em semi-primeira pessoa que deixará evidente para Gaby, quando a poeira finalmente baixar, quem realmente sua paixão é e o que ela atrai.
1º Lugar:
Chapter the Last, Nothing More to Write
3X10
Sem dúvida alguma, o momento mais dramático e surpreendente foi a conversa entre Felipe e Gaby no açougue quando ela conta que EZ iria embora com ela para eles viverem felizes para sempre. Ecoando as palavras de EZ para Angel, em que o primeiro reconhece que tem um lado sombrio que sua mãe sempre procurou afastar levando-o para os estudos e para as artes, Felipe implora para Gaby sair de perto de seu filho, fugir para longe enquanto ela ainda não sofreu as inevitáveis consequências de uma relação com alguém que não conseguirá abafar suas tendências, alguém que muito provavelmente seguirá exatamente os mesmos passos que Ignacio Cortina seguira décadas antes. Ver um pai dizer isso de seu filho, roubando-lhe qualquer chance de felicidade verdadeira ao lado da mulher que ama é duro e Edward James Olmos, que ganhou pouco destaque nesta temporada, tem seus minutos para mais uma vez mostrar a qualidade de sua performance.