A série como um todo:
Noah Hawley pegou tudo aquilo que esperávamos de uma série de TV baseada em quadrinhos de super-heróis e jogou fora pela janela com Legion, entregando-nos muito mais do que apenas mais uma obra de um gênero que começava a ficar saturado pela mesmice. Pouco preocupado em trazer as páginas dos quadrinhos para o formato de série, o showrunner extraiu o conceito de um protagonista com vastos poderes telepáticos que é desequilibrado mentalmente e criou a sua própria história, de seu próprio jeito, muitas vezes privilegiando os aspectos estéticos em detrimento do desenvolvimento de personagens, mas sem jamais deixar de inovar, de envolver o espectador, de realmente tentar algo diferente, que não fosse esquecido facilmente.
E digam o que quiserem dizer de Legion, mas o resultado conjunto das três temporadas da série é refrescante e fascinante, uma verdadeira lição de como é saudável desvencilhar-se das amarras estabelecidas pelo material fonte e soltar a imaginação. A história de David Haller, que começa com vítima, tornando-se herói e, depois vilão, tendo que literalmente desfazer sua vida para consertar tudo o que fez de errado é Televisão com T maiúsculo, ainda que a segunda temporada tenha talvez derrapado aqui e ali muito em função de um número desnecessariamente maior de episódios.
Na terceira temporada, depois de vilanizar David, Noah Hawley acrescenta um novo ingrediente ao seu mix: a viagem no tempo. Pode parecer um artifício batido e uma “saída fácil”, mas sua abordagem sobre como o tempo funciona e as consequências de se abusar dele é, possivelmente, a melhor representação do fluxo temporal já feito no audiovisual, não só com o conceito de um “hall do tempo”, com também dos sacrifícios necessários para a viagem e, claro, a inserção de Demônios do Tempo – ou Comedores do Tempo – que se locomovem em jump cuts representando elipses temporais audiovisuais que eles literalmente digerem.
O foco em David e sua desesperada e sanguinária aposta em refazer tudo usando Switch como veículo, assim como a introdução – finalmente! – de Charles e Gabrielle Xavier, seus pais biológicos funcionaram muito bem na narrativa, oferecendo mais profundidade sobre o protagonista. Mesmo falhando na “segunda vida” de Syd em um episódio maravilhoso, mas temporalmente deslocado na temporada, a temática da importância da família e da criação para a moldagem do caráter ganhou excelentes contornos e um final surpreendentemente simples, direto e que responde todas as perguntas feitas, sem deixar arestas.
O que Noah Hawley deixará, porém, é saudades. Não só por encerar a série com apenas 27 episódios, mas também por ser provável que nunca mais tenhamos uma “série de super-heróis” (as aspas são necessárias, pois ela transcende essa qualificação) como Legion. Só o tempo dirá se estou certo, claro, mas o nível de criatividade e liberdade que o showrunner teve aqui, além da coragem em jamais se desviar de uma proposta bizarra e substancialmente diferente do material fonte, não é uma combinação que encontramos todos os dias.
Vamos agora aos rankings das temporadas e dos episódios da terceira?
TEMPORADAS
3º Lugar: Segunda Temporada
Pró: a coragem de transformar David Hawley em vilão.
Contra: o aumento da temporada para 11 episódios sem que os três extras fossem realmente justificados.
2º Lugar: Terceira Temporada
Pró: o ingrediente novo “viagem no tempo” ganha um tratamento absolutamente irretocável e sem precedentes.
Contra: um único episódio (Chapter 25) que, apesar de fascinante, ficou deslocado na história.
1º Lugar: Primeira Temporada
Pró: tudo.
Contra: nada.
EPISÓDIOS DA 3ª TEMPORADA
8º Lugar: Chapter 25
3X06
A ação que vimos no capítulo anterior é freada bruscamente para esse desvio surreal que só tem os últimos minutos de “encaixe” na narrativa principal, o que acaba esfriando o élan que a série vinha acumulando. É como se, em meio a uma perseguição automobilística em um filme de ação, houvesse um corte que nos levasse para um romance adolescente. A quebra de ritmo nem seria tão grave se esse artifício de Hawley não ocupasse um episódio inteiro. Uma versão encurtada da “segunda vida de Syd”, com o mesmo resultado, teria sido muito interessante, mas não com a introdução de tantas variantes, como a garota dependente química Cynthia (Samantha Cormier) e o Lobo Mau/Diabo do excelente, mas deslocado e perdido Jason Mantzoukas, em uma escalação surpresa ou a (pouco inspirada) batalha de rap ao final. É coisa demais para objetivo de menos, já que a dicotomia entre natureza e criação e a questão da tentação ficam evidentes já nos primeiros minutos de projeção, quando ainda estamos completamente embasbacados pelo que estamos vendo.
7º Lugar: Chapter 24
3X05
Esses são apenas dois grandes momentos do episódio que Noah Hawley não consegue transmitir peso dramático. As sequências foram brilhantemente executadas, mas, em ambas, ficaram faltando consequências imediatas e diretas. Eu até entenderia no caso de David, já que ele nunca foi um personagem com mais de uma ponta aqui e ali, mas mesmo ele, considerando o que acontece, merecia mais. Lenny então, nem se fala. David sofre mais com o sequestro de Switch por Cary do que pela morte sangrenta de sua mais antiga companheira.
6º Lugar: Chapter 21
3X02
É fascinante como Hawley expande sua teia de dúvidas, meias-verdades e mentiras, fazendo-nos novamente, como no começo da série, ter dificuldade de separar ilusão de realidade, só que de maneira muito mais discreta e insidiosa. Ao inserir viagem no tempo nesse mix, o showrunner quer abrir a possibilidade de um recomeço, justamente o que David busca e que Syd renega. Hawley quer que achemos que tudo pode ser resolvido em um piscar de olhos, que toda a maldade pode ser apagada e que tudo pode voltar a ser como era antes. A reunião de dois seres superpoderosos como Farouk e Haller à Switch, provavelmente em breve com poderes amplificados, é explosiva em todos os sentidos e deixa qualquer um mais do que intrigado para ver até onde isso vai.
5º Lugar: Chapter 23
3X04
Os tais Demônios do Tempo, literais monstros peludos que me lembraram fortemente das criaturas do futuro distante de A Máquina do Tempo, de H.G. Wells, o que certamente não é uma coincidência, já haviam sido aludidos antes e era óbvio que eles apareceriam alguma hora. Peludos, com olhos brilhantes e trabalhados visualmente com jump cuts e uma atmosfera expressionista, os bichos tinham tudo para ficarem ridículos. Mas a forma como o roteiro lidou com o arremesso de David para um campo de concentração nazista para ver sua mãe e como acelerou a vida de Lenny até o leito de morte de sua filha emprestaram uma interessante dramaticidade à proposta, afastando – pelo menos no meu caso – a estranheza inicial do conceito. E isso sem contar com o corte para um episódio de The Shield, claro…
4º Lugar: Chapter 26
3X07
O roteiro co-escrito por Noah Hawley e Olivia Dufault usa basicamente tudo que aprendemos ao longo da temporada para entregar um episódio astuto que faz perfeito uso da lógica interna criada, retornando não só aos Comedores de Tempo, onipresentes aqui, como também ao Tempo entre o Tempo para onde o Farouk do presente fora arremessado no Capítulo 24 em uma perfeita preparação para um final potencialmente explosivo em que provavelmente veremos finalmente o embate entre Charles e Ahmal no plano astral que somente vimos na fantástica versão em giz do Capítulo 7 ou alguma variação disso (ou não veremos nada, pois a única certeza que tenho é que não tenho certeza de nada do que se passa na cabeça Hawley).
3º Lugar: Chapter 20
3X01
O primeiro episódio da derradeira temporada da série me fez pensar mais seriamente nisso, pois mesmo a segunda temporada, que muitos acharam inferior à inaugural, eu acabei gostando muito, apesar de realmente ter vislumbrando problemas. Mas Chapter 20 emprega 20 minutos para introduzir uma nova personagem, a mutante que viaja no tempo Switch (há um personagem dos quadrinhos Marvel com esse nome, mas ele não parece ter sido a inspiração aqui), vivida por Lauren Tsai em sequências e mais sequências absolutamente fascinantes que envolvem procurar uma virgem grávida, achar o peixe laranja, correr atrás de um ônibus amarelo que, porém, é vermelho, e engatinhar por tubos transparentes. E, quando ela chega onde tem que chegar ou onde ela sempre esteve, depende – basicamente dentro da mente perturbada de David – a insanidade continua ou é até intensificada quando descobrimos que o super-poderoso mutante, agora, tem um culto de seguidores liderados por Lenny, conhecida pelo título de Rainha do Café da Manhã, que é mantido constantemente drogado e subjugado diretamente pelas ondas mentais do Legião que são “fumadas” pelos membros, incluindo uma gigantesca figura que mescla um suíno com Jabba, o Hutt.
2º Lugar: Chapter 27
3X08
E porque profundamente satisfatório? Para começar, fica claro desde o início que voltar no tempo não significa mudar o futuro, mas sim apagá-lo. David sabe disso, o que significa que ele tem ampla consciência do que ele se tornou. Temos, sim, em sua figura, nessa versão do Legião, o grande vilão da série, tão grande que ele sabe que precisa deixar de existir, que ele precisa dar uma chance não a ele, mas ao bebê David. Não há um afago de Hawley, um varrer para debaixo do tapete para tudo que seu protagonista fez. O que ele fez está feito e não tem volta. Ele precisa “morrer” ou, no caso, deixar de existir. E não, ele fez tudo aquilo que ele fez – inclusive e especialmente o estupro de Syd – como David Haller e não como David Haller controlado por Ahmal Farouk, pois essa teria sido a saída “bonitinha” para tudo e eu sempre duvidei que Hawley fosse escolhê-la.
1º Lugar: Chapter 22
3X03
Começando pela escalação, Noah Hawley mostrou mais uma vez um impressionante nariz para escalações ao mesmo tempo inusitadas e perfeitas. Harry Lloyd como Charles e Stephanie Corneliussen como Gabrielle foram escolhas inspiradas para esses papeis tão importantes, já que os dois emprestam humanidade aos personagens de forma que é fácil esquecermos quem eles são e o que eles representam para os mutantes. Substancialmente, o que vemos no episódio é uma bela história de amor com um final trágico e que poderia muito bem ser uma narrativa desconectada com Legion ou qualquer outra série, pois ele, em grande parte, mantem-se de pé sozinho, sem ajuda. Esse é o grande mérito do roteiro de Nathaniel Halpern, produtor executivo e um dos mais prolíficos escritores da série, que constrói do nada toda uma história auto-contida que não tem pressa em conectar-se com a narrativa maior.