Avaliação da temporada:
(não é uma média)
- Há spoilers.
Gen V até pode ser a “versão adolescente de The Boys“, mas eu acho essa afirmação reducionista e injusta com o derivado desse universo doentio adaptado por Eric Kripke a partir da obra ultraviolenta de Garth Ennis. Gen V tem personalidade própria, tem condução própria e tem carisma próprio para ser uma série em si mesma, ainda que dentro de um universo mais amplo e ainda que a produção tenha escolhido interconectá-la quase que umbilicalmente à série principal. E isso é sensacional, pois seria muito fácil, mas muito fácil mesmo fazer mais do mesmo.
Fazer de Marie Moreau, uma jovem com passado trágico que tem a chance de uma vida ao ser aceita na cobiçada “universidade de super-heróis”, e desviar-se de entregar a ela poderes banais foi uma escolha muito acertada que permite um arco de crescimento interessante e que cativa imediatamente graças em grande parte pela atuação honesta e verossímil de Jaz Sinclair. E, por incrível que pareça, o grupo que ela acaba formando funciona dramaticamente muito bem, pois os roteiros cuidadosamente abordam problemas adolescentes do mundo real dentro de um contexto super-heróico, valendo especial destaque para os pesados dramas que orbitam a esfera de Emma logo no início e, ao longo da temporada, também as esferas de Sam e de Cate.
Além disso, e aí falando mais diretamente da conexão entre as séries, é perfeitamente possível ver, aqui, a manipulação das jovens mentes e a formação dos futuros supers adultos corrompidos e decadentes em The Boys, fornecendo ao espectador um panorama mais amplo desse universo que, em seus aspectos mais podres, infelizmente reflete exatamente o nosso, sejam em momentos históricos bem específicos (a Juventude Hitlerista vem à mente imediatamente), seja no real dia-a-dia em que a influência do ambiente e das redes sociais destrói o senso de julgamento dos mais jovens, abrindo caminho para sua deturpação e comportamentos entrincheirados. Sim, houve uma aceleração desse processo nos episódios finais da temporada, com Sam degringolando completamente ao participar de protestos de radicais e ao ver Cate executar a reitora Shetty, mas essa evolução precisava ser assim não só por questões práticas, como também pelo “normal” do comportamento de Sam ser justamente esse depois de anos de tortura, e não o momento excepcional em sua vida quando ele se conecta com Emma.
Gen V, portanto, veio para complementar esse universo fascinante de super-heróis corrompidos, mas sem apenas repetir o que já havia sido feito antes. Se Kripke e companhia souber intercalar as duas séries – e esse parece ser o plano – haverá uma rara sensação de comunhão narrativa sem a tão temida homogeneização das obras.
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Como fazemos em toda série ou minissérie que analisamos semanalmente, preparamos nosso tradicional ranking dos episódios para podermos debater com vocês. Qual foi seu preferido? E o que menos gostou? Mandem suas listas e comentários!
8º Lugar:
The Whole Truth
1X04
Os três episódios iniciais, lançados simultaneamente, estabeleceram com qualidade o recorte universitário desse universo de super-heróis canalhas controlados pela Vought ao criar um mistério básico sobre um laboratório de experiências “mengelianas” em jovens superpoderosos para servir de pano de fundo, de forma a ter tempo para investir em seus protagonistas, chegando a um equilíbrio quase ideal entre choque e construção narrativa. The Whole Truth segue na mesma linha, ainda que com um pouco menos eficiência por focar talvez demais em Tek Knight (Derek Wilson), ex-super (nos quadrinhos de Garth Ennis, ele é o Batman desse universo) transformado em âncora de uma série de TV sobre crimes reais que, claro, é outro instrumento de manipulação da mídia pelo conglomerado responsável pelo Composto V.
7º Lugar:
First Day
1X02
E o terceiro grande acerto é a estrutura de mistério a ser investigado, ou seja, uma história que, em essência, coloca Marie, Emma, Jordan e também Andre Anderson (Chance Perdomo), segunda geração de uma família de heróis que manipula metais e Cate Dunlap (Maddie Phillips), uma manipuladora de mentes a partir do toque físico, em uma investigação sobre os mistérios da universidade em que estudam em razão de eventos que envolvem Luke Riordan (Patrick Schwarzenegger), um pirocinético que é a grande promessa da Godolkin como futuro membro d’Os Sete e seu irmão mais novo Sam (Asa Germann), que se suicidara três anos antes. Com isso, de certa forma, a série mantém seu foco em poucos personagens e em um espaço fundamentalmente confinado, permitindo um bom uso do tempo generoso de cada episódio que passa, então, a focar em diversos outros aspectos que enriquecem a narrativa.
6º Lugar:
#ThinkBrink
1X03
Muitos poderão afirmar que a correlação de poderes e situações do cotidiano moderno – especialmente distúrbios mentais e questões relacionadas com a sexualidade – são, talvez, óbvias e convenientes demais, começando da necessidade que Marie tem de cortar as palmas de suas mãos para usar o sangue que jorra dali, passando por Emma Meyer (Lizze Broadway muito convincente em seu trabalho), sua colega de quarto que precisa provocar vômito para ativar seu poder de reduzir seu tamanho (e comer muito para voltar ao normal) e chegando a Jordan Li (London Thor e Derek Luh), assistente do respeitado professor Richard “Rich Brink” Brinkerhoff (Clancy Brown, o bom e velho Kurgan), que tem a capacidade de trocar de sexo quando quer, mas tenho para mim que esse é outro grande acerto da série. A completa falta de sutileza nesses aspectos tão importantes nos dias atuais serve justamente para normalizá-los e para permitir que os episódios abordem-nos de maneira mais franca, sem floreios e sem receio de lidar com a verdade de muitos.
5º Lugar:
God U.
1X01
O primeiro grande acerto da série é seu foco em Marie Moreau (Jaz Sinclair, em uma atuação contida, mas que acerta o tom desde o início), uma jovem adolescente que tem um poder que parte de autoflagelo, já que ela precisa ferir-se para extrair seu sangue que ela manipula como uma arma mortal, e que carrega consigo uma tragédia em seu passado que vemos em detalhes logo no começo de God U., o ótimo primeiro episódio da temporada, e que carrega inteligentes paralelos com Carrie, a Estranha. Confinada quase que a vida toda em um centro de reabilitação para jovens, ela consegue uma cobiçada vaga na Universidade Godolkin e parte para lá com a firme intenção de fazer de tudo tornar-se uma super-heroína parte d’Os Sete. É a partir de seus olhos substancialmente inocentes sobre a podridão do mundo em que vive que somos reapresentados às maquinações da Vought, com a narrativa funcionando ao mesmo tempo como uma jornada de amadurecimento a passo apertado e um estudo sobre as ansiedades e problemas de toda sorte que afetam cada vez mais os jovens do lado de cá da realidade.
4º Lugar:
Jumanji
1X06
Ora, ora, quem diria! Com o esperado anúncio da renovação de Gen V, o antepenúltimo episódio da temporada recorre ao bom e velho artifício do “mergulho na mente dos personagens” na mais completa literalidade e o resultado é mais um grande acerto da série que não parece conseguir errar ou fazer nada que eu, pessoalmente, consiga classificar como menos do que “muito bom”. É o drama adolescente no universo pervertido de The Boys produzido com identidade própria, personagens cada vez mais cativantes e uma sucessão bem concatenada de eventos que sabe lidar com os traumas do crescimento e do amadurecimento sem facilitar nada para ninguém.
3º Lugar:
Welcome to the Monster Club
1X05
Sobre o abrupto final do episódio anterior, eu disse o seguinte: “eu até agora não sei se gostei muito, mas deixarei meu julgamento final sobre isso para o próximo episódio quando provavelmente teremos alguma explicação que, imagino, será conectada, mesmo que indiretamente, com o telepata abusador que Marie procura para tentar descobrir o paradeiro de sua amiga e cujo pênis ela explode em uma sequência literalmente dolorosa”. Tendo assistido Welcome to the Monster Club, posso dizer com a maior tranquilidade que, se o preço para termos episódios bons como este aqui é um cliffhanger estranho aqui e outro acolá, eu pelo menos pago com um sorriso no rosto e nem peço troco.
2º Lugar:
Guardians of Godolkin
1X08
A presença de Ashley Barrett na God U. é apenas uma espécie de cereja no bolo, de forma a tornar ainda mais “justificável” a chacina, mesmo que fique claro desde o início que ela não morreria, pelo menos não na série derivada de The Boys. É como se a produção estivesse provocando seus espectadores, fazendo-nos escolher o lado errado que a série tanto critica apesar de tanta gente aqui do nosso mundo real não perceber. Tudo é servido em uma bandeja de prata em que o cinza inexiste e tudo passa a ser ou branco ou preto. Morticínio, sangue, tripas, superpoderes, computação gráfica, efeitos práticos e todo o restante formam um espetáculo para entorpecer mentes que joga em nosso colo a obrigação de entender o que realmente está sendo satirizado, um exercício de separação do joio do trigo.
1º Lugar:
Sick
1X07
Seja como for, Sick foi de uma riqueza tão impressionante que chega a ser surreal notar que todas as situações conseguiram ser trabalhadas de maneiras mais do que satisfatórias em menos do que 50 minutos, em uma demonstração do quanto a equipe de produção está azeitada, especialmente Eric Kripke no comando geral e a diretora Shana Stein e a roteirista Chelsea Grate no timão deste episódio em particular. Aqui, mais do que em qualquer outro episódio da série, é que notamos como o corpo discente da God U. é uma perfeita massa de manobra da Vought que, das mais diversas maneiras, o corrompe e o molda à sua imagem. Olhamos para os super-adolescentes dali e vemos muito claramente os super-adultos na Torre dos Sete e em outros supergrupos desse universo retorcido, mas que infelizmente guarda tantos paralelos com o nosso.