Avaliação da temporada:
(não é uma média)
- Há spoilers.
For All Mankind mergulhou de vez na ficção científica ao mirar em Marte e, no processo, conseguiu inteligentemente renovar o conceito de Corrida Espacial, acrescentando a iniciativa privada (e a Coreia do Norte, claro!) aos competidores usuais e criando oportunidades para lidar tanto com questões que envolvem a cooperação entre países, como homossexualidade, assunto que sempre foi objeto da série, mas que, até esse ponto, não havia ainda sido abordada de frente. De certa forma, podemos até dizer que o Planeta Vermelho é mais uma desculpa para os assuntos verdadeiramente importantes da série e é exatamente isso que os showrunners fizeram, como, aliás, todo o bom sci-fi realmente faz.
Marte, portanto, tornou-se palco para que um dos astronautas revelasse que é homossexual em rede de televisão, o que criou pressão na presidente Ellen Wilson que, primeiro, reagiu de maneira a chegar em um meio-termo e, depois, em razão da ameaça ao seu marido de fachada pelos políticos ao seu redor, decidiu ela mesmo sair do armário e enfrentar eventual impeachment. Esse foi, sem dúvida alguma, o grande assunto da temporada que, apesar do aparente final feliz, teve sua abordagem macro deixada em suspenso em razão do tradicional lapso temporal que fez a série pular para 2003 em seu minuto final. Acho perfeitamente razoável concluir que esse é um dos mais inteligentes cliffhangers já feitos, um que pode literalmente resultar em um mundo melhor se os showrunners decidirem seguir o paralelo histórico do impeachment de Bill Clintou que jamais foi à frente.
A temporada, porém, não se esqueceu do Planeta Vermelho e trabalhou os traumas e o vício de Danny em razão de seu relacionamento com Karen que ele ainda não soube suplantar como forma de levar tragédia para lá, com diversas perdas que, ao final, dificultaram a gravidez surpresa de Kelly e levaram a uma arriscada operação para levá-la até a Phoenix, deixando todos os demais astronautas, inclusive o recém-achado norte-coreano (o verdadeiro primeiro humano a pisar no planeta), presos na superfície na esperança de um resgate futuro que, mais uma vez, a elipse temporal que leva a série para os anos 2000 deixa pendurado.
Novamente na Terra, a traição de Margo chega ao ponto climático com Aleida desconfiando de sua mentora e levando o assunto, indiretamente, ao FBI, mas com o escândalo sendo abafado pela replicação do atentado à bomba em Oklahoma City, só que desta vez no prédio da NASA, que acaba ceifando a vida de Molly Cobb e, surpreendentemente, de Karen Baldwin justamente no momento em que ela estava prestes a tomar o controle total da Helios. A escolha de trabalhar uma tragédia desse porte só amplificou o sucesso da operação de resgate de Kelly na órbita de Marte e o pouso forçado, mas seguro, de seu pai logo em seguida, além de, claro, servir para disfarçar a defecção de Margo como morte.
O terceiro ano de For All Mankind foi, mais uma vez, sensacional, com a promessa de um quarto ano razoavelmente misterioso, já que o final que mostra Margo em Moscou não dá pistas sobre o próximo passo na Corrida Espacial. Será muito curioso ver se os showrunners continuarão investindo na colonização de Marte ou se partirão para algo ainda mais ousado. Ou talvez haja tempo até para as duas coisas. Agora é só esperar pelo que virá nessa muito bem-vinda obra de História Alternativa!
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Como fazemos em toda série que analisamos semanalmente, preparamos nosso tradicional ranking dos episódios para podermos debater com vocês, lembrando que os textos abaixo são apenas trechos das críticas completas que podem ser acessadas ao clicar nos títulos dos capítulos. Qual foi seu preferido? E o pior? Mandem suas listas e comentários!
10º Lugar:
Bring It Down
3X07
Depois de lidar com as repercussões em Marte e na Terra da revelação de que o astronauta Will Tyler é gay, o personagem, que merecia todas as oportunidades para continuar sendo desenvolvido, até porque, ele se tornou mais do que um figurante apenas justamente no episódio anterior, é solenemente colocado para escanteio em Bring It Down, só aparecendo em uma melancólica sequência em que seu grupo faz uma refeição de aparência terrível em silêncio absoluto. É como se a roteirista Nichole Beattie tivesse considerado que ele cumpriu toda sua função na temporada e, agora, deve retornar ao status anterior em que sequer sabíamos seu nome direito. Sei que Will pode voltar a ter destaque mais para frente e sei que havia outros assuntos a serem tratados, mas o momento para ele ganhar uma abordagem que fosse além do “valor de choque” de sua revelação era aqui, no episódio seguinte. Além disso, se tem uma coisa que For All Mankind faz bem é lidar simultaneamente com diversos núcleos.
9º Lugar:
All In
3X03
Mas deixemos para pensar no que está por vir quando o que está por vir finalmente chegar. Pelo momento, a missão é lidar com o que All In objetivamente oferece. Grande parte do foco do episódio repousa em uma abordagem muito interessante para Margo e seu amor platônico por Sergei Nikulov, sua contrapartida soviética. Ganhamos um pouco mais de clareza, portanto, sobre a conexão entre os dois e as supostas trocas de informações sigilosas que vêm acontecendo há anos a fio. A montagem do elevador durante as várias edições do evento que ambos anualmente vão foi excelente, muito bem conduzida e desenvolvida, inclusive o momento climático em que Margo finalmente – e hilariamente como um robô – pede para ser beijada. É um momento tão sensacionalmente desajeitado e que revela o quanto eles são mesmo apaixonados um pelo outro, que é impossível não abrir um sorriso de pura meiguice explosiva em tela.
8º Lugar:
Seven Minutes of Terror
3X05
Se não houvesse nada de bom em Seven Minutes of Terror, o episódio já mais do que teria valido a pena em razão da hilária descida da rampa da Sojourner por Grigory Kuznetsov com Dani correndo atrás e os dois tropeçando e lindamente se estabacando simultaneamente no solo marciano. Nada como destruir um momento solene desses com uma sequência descontraída, mas que ao mesmo tempo representa bem a corrida espacial, todo o espírito da série e, em última análise, a Humanidade. Foi, sem dúvida alguma, um momento inspirado do roteiro da brasileira Sabrina Almeida que me fez gargalhar (de vergonha alheia) depois de acompanhar a tensa descida das naves da NASA e da Helios.
7º Lugar:
Polaris
3X01
Polaris é, felizmente, um belo exemplo de como lidar com esse dilema usando um artifício maroto, mas muito eficiente: a divisão “artificial” do elenco em dois núcleos apenas por meio da criação de uma situação específica que permite que metade do grupo organicamente reúna-se em determinado lugar. Depois das contextualizações temporais de praxe que marcam o que aconteceu no intervalo de 10 anos desde a excelente segunda temporada, o roteiro faz com que todo o elenco astronauta, por assim dizer, junte-se para comemorar o casamento de Danny Stevens (Casey W. Johnson), filho dos heróis falecidos Gordo (Michael Dorman) e Tracy (Sarah Jones), no hotel orbital que dá nome ao episódio e que é fruto da colaboração de Karen (Shantel VanSanten) com seu atual marido, o magnata “elonmuskiano” Sam Cleveland (Jeff Hephner).
6º Lugar:
Game Changer
3X02
E essa característica da série, ou seja, não abandonar suas linhas narrativas custe o que custar é algo muito interessante e desafiador diante dos pulos de tempo e eu gostei que o caso não foi esquecido. Não sei se gostarei se ele for reacendido completamente, devo dizer, mas só me resta esperar e ver como a coisa toda andará, ainda que eu desconfie que não haverá uma reprise. Seja como for, a personagem de Shantel VanSanten é inegavelmente muito interessante e seu destaque aqui, primeiro derrotada depois da tragédia em seu hotel orbital, depois saindo por cima com a venda de sua empresa ao excêntrico magnata “paz e amor” Dev Ayesa (Edi Gathegi) e, mais a frente, fazendo parceria com ele e, de quebra, colocando Ed novamente na corrida por Marte com o anúncio da empreitada particular da Helios Aerospace que, claro, acelerará os planos dos governos americano e soviético, faz dela uma das peças-chave da série toda como, aliás, deveria ser mesmo.
5º Lugar:
Coming Home
3X09
Eu simplesmente tinha que começar com o final, mas tenho consciência de que preciso rebobinar e voltar ao começo, até porque finalmente tivemos um grande desenvolvimento no que se refere à presidência de Ellen Wilson. Nada surpreendente, que fique bem claro, até porque eu previ exatamente isso em comentários anteriores: que ela compensaria seu passado em que escondeu sua homossexualidade e, durante a presidência, nada de efetivo fez para mudar a situação, convocando uma coletiva de imprensa para sair do armário na televisão mundial, tendo como exemplo o astronauta Will Tyler. Como disse antes, essa era, basicamente, a única saída se levarmos em conta a estrutura normal da série, que é promover saltos temporais significativos entre temporadas. Agora só resta saber se os showrunners terão um olhar positivo sobre a humanidade, acelerando a “normalização” da situação ou negativo, levando à basicamente uma guerra civil.
4º Lugar:
The Sands of Ares
3X08
Apesar de grande parte do episódio ser focado em Marte, o que já era de se esperar, um de seus mais delicados momentos acontece na Terra, com a conversa entre Ellen e sua ex-namorada Pam. Ver Jodi Balfour e Meghan Leathers atuando uma oposta à outra foi como realmente ver duas mulheres que há muito tempo foram apaixonadas, mas que a ambição de uma levou à separação. As duas atrizes, além da direção de Dan Liu, souberam o usar o silêncio a seu favor e trabalharam unicamente como micro expressões faciais para transmitir seus respectivos sentimentos para além do que foi dito. Pam fez, ao que tudo indica, a única coisa que poderia mesmo fazer, considerando que ela, mais cedo ou mais tarde, perderia Ellen em razão de suas decisões. Ellen sabe que aquilo que Pam diz para ela é a verdade e não há muita escapatória disso, mas o que fica evidente é que Pam queria que pelo menos esse sacrifício – que ela sabe que não foi só dela – pagasse dividendos com Ellen no poder. Pam queria ver mudanças na situação daqueles que não se enquadram na “norma” em termos de orientação sexual e gênero e tudo o que ela viu foi Ellen chegando a meios-termos, o mais recente deles a legislação do “não pergunte, não conte”.
3º Lugar:
Happy Valley
3X04
Alguns dirão, em tom negativo, que Happy Valley é um episódio previsível. Outros, como eu, dirão exatamente a mesma coisa, só que com um enorme sorriso de satisfação no rosto, pois o quarto capítulo da terceira temporada de For All Mankind é uma sensacional prova do quanto previsibilidade devida e logicamente preparada por tudo o que veio antes em um filme ou uma série é algo para ser elogiado e não encarado com desdém, como se fosse um defeito, pois ela absolutamente não é. Ao contrário, quando alguma situação completamente retirada da cartola do roteirista acontece em alguma obra audiovisual, o efeito de curto prazo é, claro, a surpresa do espectador, mas, a médio ou longo prazo, é a receita para o fracasso.
2º Lugar:
Stranger in a Strange Land
3X10
Falando em eventos cujos desenvolvimentos não veremos em razão da elipse temporal, temos o destino da presidente Ellen Wilson. Seu momento de enfrentamento de seu vice-presidente e de seu partido foi excelente, com diálogos explosivos que mostram que ela não tinha intenção alguma de dar para trás na decisão que tomou. Nada de renúncia para ela, o que nos deixa pendurados sobre o que exatamente ocorreu a partir da ameaça de impeachment. Se a série continuar a espelhar os eventos de nosso universo, é possível concluir que, assim como Bill Clinton saiu incólume dos procedimentos, ela também sairá, o que significa, claro, um final positivo para ela e alvissareiro para o futuro da igualdade de tratamento para todos. A nova visita dela à Pam, ao final, reforça essa ideia pela forma como o simplíssimo diálogo é falado em meio a sorrisos cúmplices. Se Ellen, ao revés, acabar sendo retirada do governo, tudo indica que pelo menos em sua vida pessoal ela finalmente encontrará a verdadeira felicidade. Fica a torcida pelo melhor, já que a cooperação franca entre países inimigos em Marte parece pedir uma mudança completa na história também na Terra. Veremos!
1º Lugar:
New Eden
3X06
Mas é justamente por isso que, ruminando sobre o episódio, concluí que a escolha foi absolutamente brilhante. Se a narrativa sobre o preconceito contra homossexuais começasse a partir da presidente dos EUA, a trama arriscaria perder de vista a exploração do Planeta Vermelho pela Sojourner e pela Phoenix, pois exigiria grande foco nos núcleos de personagens na Terra. Ao criar um “escândalo” que podemos chamar de galáctico, o peso dado a Marte passa a ser o mesmo dado à Terra, mantendo o equilíbrio necessário para que os personagens novos e antigos mantivessem seu destaque. Além disso, e talvez mais importante, a decisão de Will Tyler não é relevante porque ela vem de Will Tyler ou de qualquer outro personagem da série, mas sim porque ela é uma decisão crucial por si só, conhecendo a fundo ou não o personagem. Revelar-se como homossexual (ou, sendo bem sincero, qualquer outra coisa que não seja heterossexual) mesmo hoje em dia gera ataques histéricos em redes sociais, com países inteiros ainda proibindo, prendendo e matando pessoas de outras orientações sexuais, imagine no caso de um astronauta da NASA que está dentre os primeiros a pisar em um planeta desconhecido?