Avaliação da temporada:
(não é uma média)
For All Mankind sem dúvida é uma série de queima lenta. Foi assim na primeira temporada e a mesma coisa aconteceu na segunda, só que, exatamente como no primeiro ano, a mais recente criação de Ronald D. Moore mostra uma cadência invejável e um generoso pagamento de dividendos em termos de desenvolvimento de personagens e da narrativa macro que parte da fictícia chegada dos soviéticos na Lua em primeiro para estender a Corrida Espacial e criar uma fascinante narrativa de História Alternativa.
Na segunda temporada, depois do salto de 10 anos em relação à primeira, a Lua passa a ser o novo território disputado pelas superpotências durante a Guerra Fria, com Ronald Reagan no poder nos EUA e Yuri Andropov na URSS. E é claro que o conflito estabelecido anteriormente é escalado, com o início do que se poderia chamar de “guerra nas estrelas”, com soldados de ambos os países literalmente armados em solo lunar e prontos para fazer o necessário para afirmar dominância.
Mas, mesmo lidando com esse tipo de arco amplo, a temporada não deixou seus personagens órfãos em momento algum, tendo a vantagem de não precisar apresentá-los. A família Baldwin, agora contando com a jovem Kelly, adotada por Ed e Karen depois da morte prematura de Sean, precisa lidar com problemas maritais, de trabalho e também pessoais, com o mesmo acontecendo com Gordo, que ainda sofre por ter perdido Tracy que, por sua vez, casou novamente, desta vez com um milionário e tornou-se a estrela da NASA para fins publicitários. Margo relutantemente começa a envolver-se de maneira distante com Sergei, sua contrapartida soviética, Ellen cresce de maneira meteórica em sua carreira na NASA ao mesmo tempo em que decide assumir sua homossexualidade, Molly precisa lidar com as consequências físicas de seu ato heroico em solo lunar e Daniele, que perdeu seu marido no interregno, decide retornar à ativa do programa espacial, tornando-se instrumento fundamental para o desfecho do arco principal da temporada, arco esse que conta com um último episódio absolutamente primoroso que marca o fim definitivo para dois importantes personagens.
Com mais um salto temporal, agora para 1995, com a Humanidade finalmente chegando à Marte, a série parece prometer desenvolvimentos interessantíssimos que tendem a cambar para o sci-fi puro – mas certamente mantendo a pegada realista – na medida em que essa linha temporal alternativa diverge mais radicalmente da nossa. Será particularmente curioso ver o que Moore fará com os personagens já veteranos, muitos deles chegando já na idade de aposentadoria e com os novos, como Aleida, Danny e Kelly, que certamente serão usados como a segunda geração da série na medida em que ela avança ainda mais no tempo.
XXXXXXXXXX
Como fazemos em toda série que analisamos semanalmente, preparamos nosso tradicional ranking dos episódios para podermos debater com vocês. Qual foi seu preferido? E o pior? Mandem suas listas e comentários!
10º Lugar:
Every Little Thing
2X01
Com isso, grande parte de Every Little Thing é dedicado a aclimatar o espectador a esse novo status quo mundial, o que acaba amornando talvez demasiadamente esse começo ao relegar a ação propriamente dita para alguns minutos finais. Usando o artifício do enquadramento, Moore começa e termina o episódio da Lua, com uma equipe de astronautas na agora enorme colônia de Jamestown, preparando-se para ver o último “nascer do sol”, já que eles estão para serem substituídos como parte da rotação normal, entoando Everything’s Gonna Be Alright, de Bob Marley, um sinal um tanto quanto óbvio de que algo muito errado está para acontecer. Retrocedendo 24 horas no tempo, a história então passa a girar em torno de Margo Madison, agora diretora da NASA e ainda morando em seu escritório e afastando todo e qualquer vida social, de Edward Baldwin, agora chefe dos astronautas e, finalmente, de Gordo Stevens, afastado da profissão, fora de forma e entregando-se à bebida em meio a palestras sobre suas experiências.
9º Lugar:
The Bleeding Edge
2X02
Paralelizando a história de Molly que, aliás, nem ganha tanto destaque assim, temos a continuação do foco dramático em Gordo, com seu filho mais velho retornando do primeiro ano na Marinha e Tracy de sua “lua-de-mel” e tour publicitário. O momento em que, ao final da tarde, ele se vê sem sua ex-esposa e sem seus filhos no jardim de sua casa cujo interior mais parece um chiqueiro, é muito bem trabalhado pela câmera de Michael Morris, enquadrando o astronauta de maneira melancólica, algo que continua depois que Ed, salvando sua esposa de um Gordo bêbado em seu bar, leva o amigo para andar pela estrada, com o contraluz dos faróis do carro criando uma bela composição narrativa que amplifica a silhueta desgastada e psicologicamente abalada do astronauta que literalmente enlouqueceu na Lua. A cena final dele fumando ao lado de Molly no canto inferior direito da tela, depois que ele recebe a notícia de que voltará ao espaço é emblemática: ambos estão destruídos, mas Molly porque sabe que não vai mais retornar e Gordo porque sabe que vai retornar.
8º Lugar:
And Here’s To You
2X08
Mas, já caminhando para o grande clímax, o roteiro consegue também lidar com diversos outros assuntos mais uma vez sem tumultuar o episódio. Molly descobre que tem glaucoma irreversível muito provavelmente em razão do banho de radiação que escolheu levar na Lua e lida com o assunto da única maneira que ela poderia lidar, ou seja, saindo da sala da oftamologista basicamente direto para o cockpit de um avião para poder ver o espaço talvez pela última vez em sua vida. Foi um belíssimo e tristíssimo momento que fez com que as consequências da escolha da personagem fugissem do mais natural, que seria vê-la enfrentar o câncer. Margo, por seu turno, tem um ótimo momento de flerte cômico com o simpático soviético Sergei dentro da cápsula em que o golpe de relações públicas em tese está para acontecer, ainda que ache pouco provável que os dois cheguem a ter algum tipo de relacionamento maior em razão de seus respectivos cargos. Finalmente, Gordo retorna à Jamestown, sendo recebido como herói e veterano e, finalmente, revelando para mais alguém – no caso Tracy em seu mais do que ilegal fumódromo – sobre seus problemas mentais e o sacrifício de Danielle.
7º Lugar:
Pathfinder
2X04
De maneira semelhante, mas bem mais direta como um verdadeiro tapa na cara, Dani tem sua condição de mulher negra que só foi originalmente escalada como astronauta justamente por ser negra exposta à ela por sua cunhada. Na verdade, mais do que é isso é jogada em seu colo, especialmente a eterna crítica de diversos setores da sociedade sobre os gastos do governo com o programa espacial, esvaziando os cofres para investimentos em causas sociais, como, no caso concreto, é a questão dos direitos civis dos negros nos EUA. Diria que esse é um dos principais alicerces de For All Mankind, já que a chegada dos soviéticos à Lua antes dos americanos, situação que leva exatamente à criação da História Alternativa explorada na série, tem como consequência imediata uma antecipação da igualdade entre os sexos e da valorização dos afro-americanos e isso não vinha sendo muito abordado. Na verdade, era uma temática esquecida até.
6º Lugar:
The Weight
2X05
No entanto, o verdadeiro ponto alto foi a contraposição de Tracy e Gordo. Ela em Jamestown pela primeira vez, levando consigo seu estrelato e seu natural tratamento preferencial como relações públicas da base e ele fazendo de tudo não só para treinar para sua vindoura missão, como também – e principalmente – para lutar contra seu trauma que se manifesta com ataques de pânico (ou de claustrofobia, não tenho certeza) sempre que ele veste o capacete da roupa de astronauta. A forma como a diretora tratou do assunto, começando de maneira jocosa, com direito até a sequências de montagem clássicas, mas, depois, mergulhando nos lados psicológicos de cada um dos dois, foi exemplar e muito bem trabalhada, sobretudo no caso de Tracy com um crescendo de incômodo em razão de saudades, desconforto e uma miríade de outras questões que são usadas para expor a dura realidade de uma base dessas. A Lua pode parecer um destino tentador, mas a inclemência do lugar exige uma cabeça equilibrada e em paz, algo que nem Tracy, nem Gordo tem.
5º Lugar:
Rules of Engagement
2X03
A culpa que Ed pela espionagem serve como o verdadeiro catalisador para o fortíssimo momento – devidamente preparado pelas sequências anteriores entre mãe e filha – em que Kelly, com apoio da mãe, conta ao pai que pretende estudar na Academia Naval de Annapolis como ele. A reação quase que descontrolada de Ed é assustadora e muito bem conduzida pela direção de Stanton, que sabe extrair o melhor Joel Kinnaman. Os eventos em Jamestown do passado despertados horas antes com a descoberta da escuta são acumulados com a lembrança não só de que ele perdera Shane, mas, também, pela culpa que ele sente de não ter podido estar na Terra na época, mesmo que sua presença simplesmente não pudesse ter o condão de alterar nada sobre o destino do filho. Tudo isso desagua no absoluto desespero que ele sente pela mera possibilidade de sua filha arriscar a vida, algo palpável e assustador, com o personagem transformando-se instantânea e sensacionalmente e levando a uma magnífica sequência catártica sobre evento da 1ª temporada que foi tão pouco explorado, dando um fim digno a ele.
4º Lugar:
Best-Laid Plans
2X06
Mesmo que as relações internacionais entre as superpotências tenha sido o prato principal do episódio, com direito a um sombrio encerramento que inverte o jogo e coloca os astronautas americanos em solo soviético, com uma recepção fria, escura e para lá de mal-educada (clichê de novo, mas quem acha que não era assim, não sabe da missa a metade), não podemos esquecer da importante decisão de Ellen de abertamente assumir seu relacionamento com Pam. Talvez a coisa tenha andado um tantinho rápido demais, mas o diálogo que ela tem com seu marido de fachada, revelando que ela se manteve casta e fiel à Pam por todos esses 10 anos, justifica a urgência e até afobação do que ela faz, ameaçando não só afetar sua própria vida profissional, como também a de Larry. Além disso, essa abordagem era necessária para que a série finalmente lidasse diretamente com a questão do preconceito contra homossexuais, já que a questão da igualdade entre homem e mulher ganhou muito destaque no início. Será interessante ver qual será a reação da NASA e da presidência de Ronald Reagan para a questão, especialmente por Ellen ter galgado posição de destaque depois de seu retorno de Jamestown.
3º Lugar:
Triage
2X09
E essa tragédia – a invasão da base americana pelos soviéticos em retaliação à morte de um de seus cosmonautas e o ferimento de outro que, por sua vez, naturalmente pede asilo político – prenunciada pela decolagem da Buran devidamente armada para fazer um bloqueio lunar, da ameaça ao Sea Dragon 17 e a consequente aceleração do lançamento da Pathfinder, agora sob controle do Departamento de Defesa dos EUA, também carregando mísseis, tudo enquanto a missão conjunta de paz Apollo-Soyuz continua a todo vapor (coitada da Dani…), serve como um sensacional cliffhanger de final de temporada, mas que não é final, vale lembrar. O realismo da coisa toda é algo a ser aplaudido, aliás, com astronautas/militares que não sabem muito bem como a coisa vai funcionar e a efetividade da ação em si ser mantida de forma simples e básica, com um mero tiro no vidro da sala de comando de Jamestown sendo suficiente para causar o caos completo, sem que comportas protetoras, escudos de força ou coisas do gênero surjam magicamente para minimizar o problema. É, como disse, o prelúdio das “guerras espaciais” de tantos sci-fis que lemos ou vemos por aí.
2º Lugar:
Don’t Be Cruel
2X07
Mas o prato principal fica mesmo pelas consequências da destruição do Jumbo 747 que mata 269 pessoas, dentre elas Thomas Paine, o burocrata de bom coração que realmente era investido no Programa Espacial. Até mesmo a forma como a morte dele é preparada, com Ellen quase contando seu segredo, funciona como um relógio suíço, retardando e até mesmo eliminando a janela que ela tinha para realmente fazer isso. Com ela assumindo o cargo de Tom e, ao final, revelando-se dura em seu posicionamento antissoviético ao sugerir ao Presidente Reagan o armamento da Pathfinder e a imediata retomada da mina de lítio na Lua, ela deixa sua ambição tomar a frente de tudo, muito provavelmente ameaçando seu recém-reiniciado relacionamento com Pam e, claro, sua saída do armário. Esse não é nem de longe o que eu imaginaria que aconteceria, mas esse caminho tortuoso que conflita carreira com sexualidade promete ser muito melhor do que a felicidade de Ellen da maneira mais fácil e objetiva.
1º Lugar:
The Grey
2X10
O combate em Jamestown foi, para mim, o grande destaque, não só pela forma como a efetiva ação dentro da base foi conduzida – Tracy vendo o soviético chegando com a arma e sem poder avisar seu colega foi angustiante – como também pelos papeis dados ao casal Tracy e Gordo Stevens no desenrolar da pancadaria, tendo que andar pela superfície lunar sem oxigênio e sem traje espacial, apenas envoltos em duct tape (que, claro, serve para absolutamente tudo) e com uma máscara simples. Ver a condução dessa sequência assustadora e tensíssima em superfície lunar ao mesmo tempo em que testemunhamos a acoplagem da Apollo e da Soyuz graças à desobediência de Danielle e o conflito dentro da Pathfinder, com Ed tentando fazer o certo em uma situação impossível, resultou em uma das melhores sequências de ação de toda a série, com a direção de Sergio Mimica-Gezzan destacando-se pela decupagem perfeita que tornou possível esse entrelaçamento complexo das tramas, com direito até mesmo à já mencionada conversa de Kelly com a mãe no porão do restaurante.