Avaliação da 8ª temporada
e da série completa:
(não é uma média)
- Há spoilers.
A derradeira temporada de Fear the Walking Dead tentou mais uma vez criar uma inovação ao estabelecer um pulo temporal de sete anos a partir do final da temporada anterior que já trouxera Madison Clark de volta do mundo dos mortos. Infelizmente, porém, mais uma vez Andrew Chambliss e Ian Goldberg desperdiçaram oportunidades e tudo o que a passagem de tempo fez foi criar oportunidades para a série fazer o que já tinha feito, ou seja, gastar metade de uma temporada para “reunir” novamente seus personagens. Ou seja, uma estrutura batida, cansada e que não ganha qualquer qualidade inovadora aqui.
Os primeiros seis episódios, portanto, funcionaram como o proverbial pneu atolado na lama, sem realmente avançar muita coisa em termos de desenvolvimento de personagens e, pior ainda, sem conseguir – novamente! – introduzir vilões minimamente decentes que não parecessem mais do que arremedos de personagens que provavelmente resultaram de um toró de palpite particularmente sem inspiração entre os showrunners e a sala de roteiristas que sequer resultou em um uso bom do tantas vezes mencionado santuário PADRE e da enorme quantidade de personagens coadjuvantes da série, alguns deles sequer aparecendo na temporada. E tudo isso para criar um suposto arco final para Morgan Jones na série, arco esse que pouco o fez crescer, mas que pelo menos o tirou da série para abrir espaço para Madison.
E, com isso, os seis episódios finais focaram justamente na matriarca da família Clark enfrentando outro personagem que retorna dos mortos, seu arqui-inimigo Troy Otto que tem uma filha esperta e que, reza a lenda, matara Alicia, somente para ela sendo a terceira ressuscitação mágica da série. Quando essa segunda metade focou na história principal, ela tendeu a funcionar como um retorno à ótima 3ª temporada, a última da fase pré-Chambliss/Goldberg e o fechamento de arcos narrativos que ficaram abertos e quase que esquecidos. Infelizmente, porém, os desvios narrativos foram constantes e o final mesmo acabou decepcionando.
Nessa toada, portanto, vale um comentário final sobre a série como um todo e que não é diferente do que já vinha comentando em minhas críticas semanais há alguns anos. A proposta inicial de FTWD era nos fornecer um olhar para o começo da zumbificação do mundo, mas isso nunca realmente foi trabalhado e a série, então, tornando-se não mais do que uma segunda The Walking Dead. Nada de absurdo nisso, mas aquilo que a tornaria potencialmente diferente, foi para o espaço já na segunda temporada e, em sua primeira fase, somente a terceira temporada valeu a experiência.
No entanto, curiosamente, foi justamente nesse momento, ou seja, quando a série estava formando sua personalidade, por assim dizer, que tudo mudou. O showrunner original foi substituído por uma dupla cuja missão era fazer um soft reboot de FTWD e conectá-la umbilicalmente com a série mãe ao trazer Morgan Jones para tornar-se o protagonista no lugar de Madison. As quatro temporadas que se seguiram, apesar de terem conseguido introduzir personagens excelentes como John Dorie filho e pai, além de acertar na mosca com alguns episódios da mais alta categoria, jamais conseguiu retornar à qualidade da quarta temporada e jamais construiu um vilão de mínima qualidade, preferindo focar em gente maluca e em descaracterizações de personagens originais. Só na temporada final é que a dupla mexeu novamente em tudo para, como mencionei acima, criar um fechamento que remetesse o espectador à terceira temporada, mas sem acertar de verdade na empreitada.
Em outras palavras, FTWD nunca realmente, ao longo de suas oito temporadas, mostrou a que veio. Foi uma série errática na melhor das hipóteses e frustrante na pior, com proporcionalmente poucos bons momentos espalhados ao longo de seus 113 episódios. Não foi um horror próximo ao nível de Arrow, por exemplo, mas assim como no caso da série do Arqueiro Verde, acabou sendo um baita potencial desperdiçado. E, com isso e agradecendo de coração aos fieis leitores que acompanharam minhas críticas semanais de Fear ao longo de todos esses anos, concordando ou não com elas, eu me despeço desse universo zumbificado de vez.
Ranking das temporadas |
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8º Lugar | 7ª Temporada
Breve comentário: Uma das piores coisas já feitas com zumbis. |
7º Lugar |
5ª Temporada Breves comentários: Patetices morganianas em meio a alguns episódios realmente bons. |
6º Lugar | 2ª Temporada
Breve comentário: A banalização do que poderia ter sido realmente um spin-off diferente. |
5º Lugar | 6ª Temporada
Breve comentário: Um desgoverno narrativo. |
4º Lugar | 4ª Temporada
Breve comentário: Proposta interessante de soft reboot, mas que já mostra que os novos showrunners seriam problemáticos. |
3º Lugar | 8ª Temporada
Breve comentário: Tem o mérito de mandar Morgan catar coquinho e tentar encerrar arcos da 3ª temporada. |
2º Lugar | 1ª Temporada
Breve comentário: Ensaia ser diferente, mas acaba sendo a mesma coisa. Mas valeu a tentativa, com a vantagem de só ter tido seis episódios. |
1º Lugar | 3ª Temporada
Breve comentário: A única temporada que realmente merece destaque em toda a série. |
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Ranking dos episódios
da 8ª temporada
Como fazemos em toda série que analisamos semanalmente, preparamos nosso tradicional ranking dos episódios para podermos debater com vocês. Qual foi seu preferido? Mandem suas listas e comentários!
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12º Lugar:
Sanctuary
8X09
Iron Tiger foi uma surpresa tão grande que eu inocentemente cheguei a achar que Sanctuary seguiria a mesma linha, levando a temporada para um encerramento minimamente digno. Infelizmente, porém, tudo aquilo que o capítulo anterior teve de bom, movimento circular, fechamento de arco de personagens, sensação de perigo e catarse, esse daqui teve de ruim, pois tentou, mas falhou fragorosamente em levar Dwight e Sherry para caminho semelhante. E a falha se deu primeiro porque os showrunners aparentemente acharam uma ótima ideia criar toda uma situação absolutamente ridícula para repetir o começo da tragédia de Dwight ao tornar-se capacho de Negan no Santurário depois que foi para lá para procurar insulina para a irmã de Sherry. Depois, o casal não chegou a lugar algum em mais essa aventura com vilões genéricos e descartáveis e zumbis mal utilizados que não seja aquela coisa patética do tipo kumbaya de unidade e harmonia dentro de uma fornalha.
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11º Lugar:
Anton
8X07
Quando Anton começou com diálogos em alemão antes de Strand aparecer, achei que estava vendo um trailer de alguma outra série ou que tinha clicado no botão errado. Quando Strand surgiu também falando alemão, mas sendo indiscutivelmente Strand, eu soltei uma daquelas risadas de incredulidade, captando exatamente o que o episódio seria até o fim: uma completa bobagem calcada em um artifício idiota para chamar a atenção dos espectadores zumbificados dessa série que ainda insistem em assisti-la por uma combinação de diversos fatores que certamente incluem masoquismo e algum tipo de transtorno obsessivo compulsivo, como é claramente o caso de meu colega Kevin Rick e suas análises de Dead City e Daryl Dixon, derivados que foram ao ar entre as duas metades da temporada final de FTWD.
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10º Lugar:
Odessa
8X03
O problema é que, semelhante à sua transformação em figurante desmiolado na temporada anterior, seu retorno é uma decepção. Definitivamente, os showrunners decidiram apagar Daniel da série, mas, no lugar de matar logo o personagem fora das telas (“ah, ele morreu em uma vala de beira de estrada cinco anos atrás” ou “acho que um zumbi era a filha dele, foi mordido e está provavelmente perambulando por aí atrás de cérebros”), ficam criando todos os artifícios para torná-lo desinteressante. Sua liderança do exército de pais e mães é tépida para usar um eufemismo e sua reconexão com Madison e June chega a ser engraçada de tão xoxa (“ah, você está viva, bacana, como foi seu final de semana?” ou “puxa, que pena que você não apareceu antes de sua filha seguir o caminho do dodô?”) a ponto de sua presença no episódio ser completamente desnecessária.
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9º Lugar:
All I See Is Red
8X06
Mas deixe-me falar do proverbial bode na sala, pois tudo o que eu consigo ver é Morgan vendo vermelho. E eu serei direto: que coisa patética foi essa que inventaram aqui? Ou melhor, deixe-me refrasear: porque é que não abordaram os blecautes do velho e imortal Morgan como algo mais condizente com o espírito da série? Meu ponto é que os momentos de fúria assassina do personagem ficaram ridículos, mais parecendo um superpoder – com direito à filtro vermelho e tudo mais – do que com o resultado de alguma fadiga psicológica, algum distúrbio que pudesse ser chamado de realista. O uso incessante de seus apagões é o primeiro problema, já que isso nunca, em momento algum, manifestou-se antes e, de repente, ele tem um a cada dois minutos. Nem o Hulk da série clássica setentista era assim.
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8º Lugar:
Blue Jay
8X02
O ponto que mais me incomoda é bastante amplo e se refere à escolha dos showrunners de efetuarem um salto temporal de sete anos desde os eventos da temporada anterior. Ora, se é para todo mundo magicamente se reencontrar depois de ter trabalhado ou ainda trabalhar para PADRE e sem construir outros círculos de amizade, para que diabos pular no tempo? A única explicação que se encaixa é a que dei em minha crítica anterior e que repito aqui, ou seja, a necessidade puramente de marketing de se criar um “evento” para chamar a atenção dos espectadores e causar burburinhos nas cada vez mais importantes redes sociais. Ah, sim, alguns argumentarão que esse tempo permite que Madison se torne uma suicida e que June passe a ser uma colecionadora de dedos indicadores de soldados de PADRE como se isso fossem provas de desenvolvimento de personagens e não apenas mais dois exemplos de estratégias que não estão nem aí para realmente contar histórias, mas sim para servir de artifícios para gerar o chamado engajamento internet afora.
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7º Lugar:
Fighting Like You
8X11
Façam um breve exercício mental e imaginem o episódio sem Crane e seus capangas. Seria muito fácil e muito mais fluido trabalhar o conflito central do capítulo sem esses desvios supostamente perigosos para criar suspense fajuto. Até mesmo o galho enfiado no ombro de Troy depois que seu caminhão é catapultado por uma das armadilhas de Crane (que deve ter aprendido com os Ewoks, em O Retorno de Jedi) é um negócio mal aproveitado, pois parece que o vilão caolho está completamente preso ali a ponto de ele não conseguir sair para ajudar sua filha, mas quando Madison aparece por lá, ele pula do caminhão com galho e tudo como se nada tivesse acontecido, sai na pancada com ela e, depois, ainda tem forças para cavar uma cova para sua esposa zumbificada e acertar a pá na cabeça de Madison. Eu não costumo reclamar de problemas assim em série, mas é que ficou ridículo demais, um desleixo grande demais para um momento em tese tão importante.
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6º Lugar:
Remember What They Took From You
8X01
A capacidade de Fear the Walking Dead de se reinventar deveria ser uma qualidade. Afinal, na maioria das circunstâncias, a habilidade de se transformar e evoluir de maneira significativa é bem vista e, claro, uma raridade em séries de TV. No entanto, na série, essa característica é fonte de seguidas decepções e uma demonstração clara do mais completo desgoverno sobre o caminho que ela deve seguir. Afinal, temos que lembrar que tudo começou no já longínquo ano de 2015, com o anúncio da série com o primeiro spin-off da então ainda quente The Walking Dead e, mais ainda, como um prelúdio que ensaiaria uma abordagem dos primórdios da pandemia zumbificadora, mas até nisso Fear the Walking Dead fracassou de maneira retumbante, logo não passando de uma repetição piorada da recém-finada série-mãe.
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5º Lugar:
More Time Than You Know
8X05
Grace, além de estar morrendo de câncer em decorrência da radiação que absorveu, também está morrendo porque foi mordida por um desmorto que surgiu do nada ao final do capítulo anterior. Como o tratamento de June parece ter dado certo com Finch, filho de Dwight e Sherry, a dupla Mo + Mo parte em desesperada missão para levá-la até o vagão de trem que faz as vezes de clínica experimental que faria Josef Mengele salivar de felicidade. Mas, claro, os PADREanos estão atrás dos três, ainda que Dwight e Sherry estejam ajudando a despistá-los. Esse é o coração do episódio e, o que antes parecia um exagero – a “dupla morte” de Grace – leva a uma discussão interessante que o roteiro de David Johnson e Calaya Michelle Stallworth trata de abordar e que é uma questão que não exige o apocalipse zumbi para que a tenhamos já que estamos, todos nós, constantemente mais próximos de nossa própria morte: até que ponto vale adiar o inevitável?
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4º Lugar:
King County
8X04
É raro, bem raro, especialmente sob a batuta de Andrew Chambliss e Ian Goldberg, mas Fear the Walking Dead consegue oferecer lampejos de excelência quando a dupla de showrunners se esforça um pouquinho. O grande problema é que, com poucas exceções, como foi o caso de The End of Everything) esses lampejos só ficam assim mesmo, como algumas ideias boas que servem de base para episódios que acabam sendo ruins ou até mesmo para temporadas inteiras, como foi o caso, por exemplo, de usar mísseis balísticos para transformar o Texas em um inferno nuclear. Lindo na teoria, péssimo na execução. Em King County, o conceito de fazer Morgan Jones retornar para sua casa para ele terminar de matar seu filho é boa, além de ser tematicamente perfeita para uma temporada que gravita ao redor da relação entre pais e filhos.
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3º Lugar:
The Road Ahead
8X12
Para surpresa de absolutamente ninguém, Alicia estava mesmo viva esse tempo todo e, ainda por cima, com o gatinho Skidmark a tiracolo. E, como se isso não bastasse, ninguém foi atrás dela, mas sim ela voltou de moto próprio e conseguiu achar a cabana que Tracy havia feito para cuidar de uma Madison dada por morta por seus amigos depois que ela novamente se sacrificou pela coletividade. É como uma temporada inteira de potencial razoável sendo espremida em alguns poucos minutos e contada por meio de diálogos apenas, sem sequer uma sequenciazinha de flashback para ilustrar o que aconteceu. Mas eu estou me adiantando. Deixe-me rebobinar.
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2º Lugar:
Keeping Her Alive
8X10
Em meio a uma sucessão enorme de twists e a mais completa ignorância de conceitos como distância e passagem de tempo – sei que a série sempre foi assim, mas, aqui, esse aspecto fica ainda mais evidente a ponto de incomodar -, diria que o grande destaque é Strand. Colman Domingo é um ator muito bom que só precisa de um pouco de espaço para destacar-se, algo que ele finalmente ganha em Keeping Her Alive. Claro que a rotina do “sou bonzinho, mas sou vilão” ou, ao revés, “sou vilão, mas sou bonzinho”, já não é novidade alguma e até já deu o que tinha que dar, mas ele continua fazendo muito bem esse papel cheio de camadas que, aqui, o roteiro de Nazrin Choudhury e Calaya Michelle Stallworth usa e abusa para firmar o conceito de que todo mundo desse universo, morto ou vivo, não é completamente uma coisa ou outra. Nem mesmo Ofelia tem sua memória mantida intacta ao longo do episódio, quando Tracy nos relembra de que ela tentara envenenar o acampamento de Troy.
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1º Lugar:
Iron Tiger
8X08
Há muito tempo eu não terminava de ver um episódio de Fear the Walking Dead com sensação de satisfação. Mesmo os melhores episódios da oitava temporada, até agora, mal conseguiram ultrapassar a barreira do mediano e os literalmente três episódios da sétima temporada que eu posso chamar de muito bons ficaram perdidos no horror geral daquele ano. Já havia até me esquecido o que era gostar de um episódio dessa série e, mesmo que Iron Tiger não seja nenhum suprassumo televisivo, ele tem a inegável vantagem de resgatar uma personagem que, confesso, não só achava que tinha morrido, como já havia me esquecido dela, mas com o objetivo de levá-la a um bom encerramento de ciclo e a um confronto com Madison que realmente tem significado dramático.