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Lista | Expresso do Amanhã – 1ª Temporada: Os Episódios Ranqueados

por Ritter Fan
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Temporada:
(não é uma média)

Uma série baseada em duas excelentes fontes – o longa homônimo de Bong Joon-Ho e as graphic novels francesas batizadas aqui de O Perfuraneve – já nasceria sob pressão, especialmente considerando que o conceito, um futuro distópico em que a Terra foi congelada por um cataclismo causado pelos humanos, com os sobreviventes vivendo apenas em um trem que circunda o planeta em moto-perpétuo, é de dificílima execução. Some-se a isso os anos complicados de produção, com mudança de showrunners, de roteiros e de produtoras e a receita para uma tragédia televisiva estava pronta.

E, de certa forma, a temporada inaugural começou cumprindo a profecia de um futuro sombrio com uma trama policialesca no estilo whodunit que abafava a luta de classes, elemento vital da obra original e também do filme. No entanto, talvez o começo abaixo das expectativas tivesse como objetivo fisgar justamente o público que não conhecia as fontes primígenas, de certa forma nivelando o público um pouco por baixo para permitir uma aclimatação mais fácil a esse universo bem peculiar. Digo isso, pois a temporada foi constantemente subindo de nível, rapidamente abandonando – ou melhor, resolvendo – a questão dos assassinatos e mergulhando de vez no cerne da estrutura de classes bem marcada pela divisão natural que um trem comum tem.

A dupla protagonista – ou será que o mais correto seria dizer a dupla formada pelo protagonista Andre Layton e pela antagonista Melanie Cavill? – ganhou os holofotes desde o começo, com destaque particular para Jennifer Connelly, peça essencial para o bom funcionamento do trem, mas também para a manutenção do status quo. Desde o início o espectador percebe e sente sua dureza, mas também algo mais que a torna uma personagem ambígua e muito interessante, com ótimo desenvolvimento ao longo da temporada. Infelizmente, porém, o Andre Layton de Daveed Diggs não tem o mesmo impacto, com o ator deixando a desejar e com seu papel escrito de maneira pouco chamativa, mesmo que seja ele o pivô da revolução classista que marca o excelente clímax da temporada.

Outro problema foi o pouco desenvolvimento geral dos personagens coadjuvantes, com alguns que foram mortos justamente quando começavam a desabrochar. Felizmente, essa questão foi paulatinamente sendo suavizada com personagens menores como Bess Francis Till (Mickey Sumner), Ruth Wardel (Allison Wright) e  Lilah “LJ” Folger Jr. (Annalise Basso) ganhando relevo na narrativa, com outros populando com boa efetividade os espaços remanescentes como é o caso dos pais de LJ, Miles, Miss Audrey e Roche.

Sem economizar na ação e com soluções criativas para a pouca mobilidade natural que um trem que não pode ser parado estabelece na origem, a primeira temporada conseguiu, então, não só desgarrar-se do próprio gancho decididamente mais fraco que criou como “isca”, como também do próprio filme e das HQs, tornando-se uma série que decididamente fica de pé por méritos próprios, muitos deles, provavelmente, em razão da qualidade do showrunner Graeme Manson. Terminando com um cliffhanger gigantesco que muda completamente o que conhecemos desse universo, Expresso do Amanhã parece estar realmente nos trilhos corretos para brilhar em sua jornada.

Como fazemos em todas as temporadas que criticamos por episódio, é chegada a hora de nosso tradicional ranking de episódios! Confiram a lista abaixo e digam, nos comentários, se concordam, discordam ou muito pelo contrário, mandando suas próprias listas:

10º Lugar: First, the Weather Changed

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E, por melhor que seja a obra de Agatha Christie, chega a ser inacreditável que tanta confusão tenha acontecido na produção da série ao longo de cinco anos para que tudo seja resumido a um whodunit. Claro, não tenho dúvida de que a história ganhará camadas e mais camadas para complicá-la e justificar pelo menos as duas temporadas já autorizadas, mas é frustrante ver que um material antropologicamente tão rico criado originalmente por Jacques Lob tenha como pontapé inicial uma investigação que, por parecer tão alheia a tudo o que é mostrado, não engaja o espectador. A esperança é que o atual showrunner, depois que Josh Friedman foi defenestrado em razão das famosas “diferenças criativas”, é Graeme Manson, o co-criador de nada menos do que Orphan Black, ou seja, alguém que já provou ser capaz de pegar um conceito fascinante e complicá-lo de maneira lógica e eficiente.

9º Lugar: Prepare to Brace

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Começando com as consequências da tentativa de revolução para os fundistas, o capítulo faz uso de um poderoso momento tirado diretamente do filme de Bong Joon Ho: o decepamento de braço na base do congelamento. Sequência mais tensa do que toda a pancadaria frustrada no episódio piloto, ela dá o tom para o drama da semana que mantém Andre Layton constantemente investigando o misterioso assassinato na terceira classe que o retirou da penúria do lugar que vivia há mais de sete anos. A diferença é que, agora, a investigação está mais claramente a serviço de um plano do protagonista para um novo movimento revolucionário que aproveita seu novo status e seu “privilégio” de poder trafegar entre praticamente todos os 1.001 vagões do imparável trem.

8º Lugar: Trouble Comes Sideways

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A direção de Helen Shaver soube espremer bem o limão que lhe foi entregue pelo roteiro naturalmente limitado. Tudo bem que os momentos de tensão debaixo do trem foram para lá de clichê – em séries e filmes de ação é sempre um fio que separa a salvação da tragédia, impressionante! -, mas a execução técnica foi muito boa, com uma montagem paralela para a recuperação de Layton na clínica da Dra. Pelton e para a conexão hesitante entre Till e Oz no que eles achavam que eram seus momentos finais, além da projeção de imagens do exterior para os fundistas que realmente prende a atenção pela decupagem esperta e pela economia visual que marca a série.

7º Lugar: Access is Power

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É disso que a série precisa, ou seja, embrenhar-se nesse abismo sócio-econômico aparentemente intransponível para mostrar, com todas as brechas no sistema, que ele não é lá tão intransponível assim. Melhor ainda é que o caso policial que fica costumeiramente no foco principal da abordagem da série comandada por Graeme Manson ganha contornos cada vez mais intrigantes. Não se enganem, porém, pois ele continua sendo um artifício narrativo até maroto para impulsionar a série com algo familiar, mas a complexidade incremental do crime cometido, que, agora, passa a ser desmembrado em outros, notadamente o tráfico da droga kronole feita a partir do líquido usado para a animação suspensa que faz as vezes de prisão, com a revelação de mais um personagem nesses quebra-cabeças, o chefão das drogas disfarçado de faxineiro (ou seria o contrário?) Terrence, vivido pelo ótimo Shaun Toub, tornou o que antes parecia divorciado do que realmente interessa algo, ao contrário, revelador exatamente do maior problema que assola os últimos 3 mil sobreviventes da humanidade.

6º Lugar: Justice Never Boarded

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E o melhor é que, mesmo de maneira ainda acanhada, mas de forma eficiente e constante, o elenco coadjuvante passa a tornar-se relevante para a história como um todo, retirando esse peso que ficava unicamente sobre os ombros de Melanie e Andre. Com cinco episódios no ar, já é perfeitamente possível criar conexão com Till e Jinju, especialmente a primeira, além de Josie e até mesmo Miss Audrey e Zarah. Da mesma forma, os Folgers sedimentam-se como grandes vilões, de certa forma ofuscando até mesmo a aparente vilania inicial de Melanie que, a essa altura do campeonato, já revelou ter muito mais camadas em sua personalidade e todas elas intrigantes. E, mesmo que Layton praticamente tenha feito apenas figuração aqui, mais uma vez o roteiro soube ser engenhoso ao abordar o passado sem recorrer a meros flashbacks, desta vez lidando com o canibalismo dos Fundistas de maneira elegante e bem salpicada ao longo do episódio como pesadelos em sua hibernação.

5º Lugar: Without Their Maker

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Do outro lado, há o fim da investigação de Layton que serve para dois propósitos: efetivamente descobrir o assassino, ou melhor, a mandante dos assassinatos e colocar o detetive em uma posição chave em relação à Melanie. O jogo de poder é outro momento marcante do episódio e que o roteiro sabe trabalhar eficientemente, especialmente ao conseguir criar uma conexão do espectador LJ, a beja jovem, filha dos Folgers, que só vislumbramos por segundos em episódios anteriores. Venho reclamando consistentemente da falta de desenvolvimento de personagens coadjuvantes e isso continua sendo um problema – ainda que Till esteja ganhando cada vez mais destaque -, mas o texto de Hiram Martinez consegue suprir essa questão empregando tempo na conversa entre Layton e LJ que vai deixando cada vez mais clara a psicopatia da moça, além de criar uma expectativa falsa sobre a verdadeira intenção do detetive. Claro que ajuda muito que Annalise Basso consiga entrar uma performance que lembra de longe a de Ruth Wilson em Luther, o que é suficiente para tornar odiosa a personagem quase que instantaneamente. E vale também dizer que, finalmente, Daveed Diggs começou a me convencer em seu papel, ainda que ele tenha sido enviado para a geladeira agora, sem previsão de saída, depois que Melanie, que não nasceu ontem, percebe que ele descobrira seu grande segredo.

4º Lugar: 994 Cars Long

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Muito de longe e sem abordar spoilers do quadrinhos, há que se considerar que um segundo trem é algo razoável de existir mesmo, talvez até mais do que dois, por uma regra básica: economia de escala. Se havia um bilionário com o objetivo de construir uma arca de luxo para então vender ingressos a quem pudesse comprar para se salvar do frio apocalíptico, então a lógica dita que mais arcas de luxo equivaleriam a mais ingressos vendidos. O que o Sr. Wilford pretendia fazer com tanto dinheiro considerando que o mundo acabou são outros quinhentos, mas o raciocínio se mantém. Além disso, é o que temos pelo momento. Não há escolha que não aceitar esse segundo trem e torcer para que Graeme Manson saiba explicá-lo de maneira consistente, não havendo nenhuma razão para duvidar da capacidade do showrunner em assim o fazer, diga-se de passagem.

3º Lugar: The Universe is Indifferent

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Em termos de ação, o episódio foi sem par. Sai o tipo de ação mais simples que vimos quando ela arregaça as mangas para literalmente consertar o trem e entra uma investigação veloz e furiosa que a leva a Terrence, depois a Zarah e, finalmente, a Josie, deixando terra arrasada ao seu redor e com o clímax levando um Layton absolutamente furioso prometendo contar o grande segredo para ninguém menos do que LJ, a psicopata de plantão. Em outras palavras, o status de Melanie como mantenedora da situação não é mais sustentável, pois um segredo compartilhado não é mais um segredo, ainda que a função de Melanie como o grande cérebro que consegue manter tudo funcionando não é algo facilmente substituível mesmo que os poderosos (ou pelo menos eles se acham poderosos) Folgers assim desejem.

2º Lugar: These Are His Revolutions

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É de se aplaudir, também, a forma como o roteiro de Tina de la Torre (baseado em teleplay dela e de Hiram Martinez) consegue ser discreto na maneira como ele guia o espectador para os meandros dos planos da revolução, começando de maneira calma, mas ao mesmo tempo tensa, com a “visita” de LJ à locomotiva, cortesia do jovem Miles e da revelação por Layton, no episódio anterior, sobre a inexistência do Sr. Wilford. A narrativa foca nas duas pontas na medida do estritamente necessário. Vemos Layton usando de sua liderança para aquecer os corações e as mentes de seus colegas Fundistas e LJ funcionando como força atrativa – talvez sem conhecimento completo do plano – dos soldados para a Primeira Classe de forma que a deposição de Melanie possa acontecer sem maiores perturbações. Quando todos percebem o que está acontecendo, já é tarde demais, ainda que a resistência de Roche e seus soldados seja formidável e destruidora, talvez bem mais do que os revolucionários esperassem considerando a estratégia à la Seven que ele usaram para “assustar” a tropa inimiga e mesmo armados de uma balestra muito bacana, mas que me pareceu um tanto quanto surgida do nada.

1º Lugar: The Train Demanded Blood

1X09

O penúltimo episódio da temporada é uma sucessão de lições interessantes. A mais importante delas é a técnica, pois o roteiro de Aubrey Nealon sabe construir tensão de forma exemplar, mesmo quando recorre a momentos comuns, clichê mesmo, como é o salvamento de Melanie no último segundo. Percebe-se muito claramente o cuidado em lidar com todos os lados da briga depois do clímax sanguinolento no episódio anterior que, ainda bem, não se repete da maneira óbvia, algo que a direção de James Hawes maneja com excelência, repetindo o feito de Everardo Gout antes dele.

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