Cristais no pôster, cristais na nave. Ares cinematográficos na direção de fotografia ao longo de toda a temporada. Tramas pouco ou nada conectadas. Abertura completa para novos espectadores se juntarem à série. Três novos companheiros. Uma Doutora. Novo showrunner. Novo compositor. Nova equipe de produção e técnica. Nenhum vilão ou personagem recorrente, além da Doutora (trans-regenerada). Muito uso da chave de fenda sônica. Temática central em volta da ideia de que “o homem também é um monstro“… Estas são algumas observações iniciais que podemos fazer da 11ª Temporada de Doctor Who. Uma temporada difícil de ler, quanto às suas intenções. Para mim, pela forma como terminou, foi uma temporada de vivências emergenciais da Doutora.
Uma temporada conceitualmente impulsiva e quase toda referenciando aventuras fora da tela vividas por essa Doutora e seus novos companions. Uma temporada que só na segunda metade trouxe claras referências ao passado. Um ano bastante diferente, com muitos tropeços, mas com saldo final, para mim, solidamente acima da média. Abaixo, a classificação dos episódios, do pior para o melhor. Deixe nos comentários a sua classificação e pontamentos sobre essa temporada também e vote no seu episódio favorito e na sua nota para a temporada!
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10º Lugar: Arachnids in the UK
11X04
Gosto bastante da trilha sonora aqui, a parte da série que ainda não decepcionou ou se mostrou abaixo de outras (e ainda tivemos Where Do You Know Me From?, do Stormzy, o que foi ótimo). Já os outros setores técnicos estão apenas ok. Do roteiro, além das questões pessoais dos companheiros e da Doutora, gostei das nuances políticas, econômicas, ecológicas e até uma ironia (que pode ser de qualquer orientação, depende da leitura do espectador) de liberdades individuais ligada à frase “meu hotel, minhas regras“, dita pelo empresário mais de uma vez. Essa âncora de consciência de Chris Chibnall realmente tem me agradado. Mas a história das aranhas em si e a estadia um tanto estranha da Doutora, mais o momento estranhamente reticente antes de o trio entrar na TARDIS, no final, não me agradaram muito. Um episódio que para mim, por pouco, não ficou abaixo da média.
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9º Lugar: It Takes You Away
11X09
Qualquer coisa envolvendo o maldito sapo é péssima. Nem o simbolismo dá pra aceitar aqui. E creio que, por isso mesmo, uma coisa que para mim é um dos temas mais profundos e interessantes de se trabalhar na ficção (a solidão) foi diminuído ao máximo pelo ridículo anfíbio com efeitos tenebrosos e voz de Grace. Como é possível que a produção conseguiu dar ok para uma atrocidade dessas? De todo modo, o discurso da Doutora, mesmo diminuído, é a reafirmação de sua compassiva e empática personalidade, seguindo exatamente o conselho que ela deu a si mesma quando era um Deus: “Ria bastante, corra rápido, seja gentil…”. Há muita coerência em tudo isso, só não vê quem não quer. Agora, em temos sapísticos, estamos em um patamar que nem o Cururu ou o Bufo podem justificar…
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8º Lugar: Kerblam!
11X07
Pela primeira vez nessa 11ª Temporada eu senti que havia uma conexão ou flertes mais firmes com momentos anteriores da série, tanto da Era Clássica (o arco The Greatest Show in the Galaxy, mais especificamente) quanto da Nova Série, com uma citação que nos remete a The Unicorn and the Wasp, o episódio com Agatha Christie. E em essência, esse sétimo capítulo teve alguma semelhança de abordagem com The Tsuranga Conundrum, mas com um problema maior na hora de finalizar a saga ou localizar o vilão nesse ambiente, pois que o roteiro se divide um pouco entre a sabotagem industrial e algumas questões trabalhistas (como a substituição do homem pela máquina) que se tornam um tantinho mais complexas quando analisadas soba luz de um sistema inteligente e onde o fator humano é, na verdade, o grande perigo.
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7º Lugar: The Ghost Monument
11X02
Citando Pitágoras e Audrey Hepburn ao falar de óculos escuros, a Doutora teve uma grande surpresa aqui, assim como nós. Enfim, o interior da TARDIS foi mostrado e olha… que coisa mais linda! A nota de contraste é incrível, com aqueles belos hexágonos delineados em azul (por um breve momento, guardadas as devidas proporções, me veio à mente aquelas paredes de The Invasion of Time) e os grandes cristais brutos e dourados ao redor do console, ele, em si mesmo, um cristal bruto, com uma ampulheta, novas alavancas, uma mini-TARDIS servindo de rotação temporal, um pedal e um lugar aonde sai uma bolachinha! Olha, eu fiquei tão embasbacado quanto os novos companions quando “entrei” na Nova TARDIS. Palmas para a equipe do desenho e engenharia de produção!
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6º Lugar: The Woman Who Fell to Earth
11X01
O que mais chama a atenção nesse início de 11ª Temporada é a aparência cinematográfica que a série ganhou. O diretor Jamie Childs soube utilizar com cuidado as lentes anamórficas e dar aquela ampliação horizontal bonita que temos nas grandes panorâmicas, algo que vemos já na primeira sequência do episódio, com Ryan Sinclair (Tosin Cole) — que sofre de dispraxia — aprendendo a andar de bicicleta. A forma técnica, na TV, quando abraça a vertente cinematográfica, sempre traz uma impressão de renovo, e é justamente isso que temos aqui. Mas não apenas no visual. A forma como Childs dirige o episódio também destaca isso. Há inclusão do espaço eletrônico (o vídeo que Ryan grava no Youtube, na primeira cena), há grande exploração do espaço urbano e boas cenas de ação com pitadas de suspense, explorando bem a sensação causada por lugares altos e dando toda atenção possível à apresentação da Doutora, deixando a sua marca (seguindo a mensagem da encarnação anterior) de nunca ser cruel, nunca ser covarde, rir muito, correr rápido e ser gentil.
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5º Lugar: The Tsuranga Conundrum
11X05
Outro ponto a ser levantado em conta é a explicação factual da Doutora sobre a anti-matéria (mudam aí as aplicações diretas relacionadas ao episódio). Eu tenho gostado muito da maneira professoral como ela se porta em alguns momentos, sem ser chata, mas nunca deixando o seus companheiros (e o público) apenas com a indicação de “shhhh… aceitem o mistério” para como as coisas funcionam. Juntamente com essa luta pela sobrevivência, com a equipe separada da TARDIS mais uma vez, um alien macho grávido, uma piloto lendária com uma condição terminal de saúde, um androide fiel e uma criatura que é um misto de Gremlin com Stitch (amei o design da criatura, cujo nome é Pting!), temos um solene final, do qual muito provavelmente o próximo capítulo virá em continuação. Será que teremos uma mudança de abordagem agora, na segunda metade do serial?
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4º Lugar: The Witchfinders
11X08
De início, imaginei que a ameaça estaria o tempo inteiro “às escuras”, ou seja, agiria como se fosse ligada a atos de bruxaria e coisas de Satã, mas jamais se mostraria de verdade. A Doutora saberia que era alien e arranjaria um modo de lidar com ela, mas de maneira menos… “show de horrores“, entendem? Não é exatamente uma implicância total a minha posição contra esses Morax, tanto que eu acho que o lado fraco do capítulo que eles representam (quando se mostram de verdade, porque enquanto estavam só com as raízes de madeira ou nos “zumbis” eu gostava) não diminui tanto assim o episódio. E a decepção, nesse caso, é diferente da que tive em Kerblam!, porque não é um roteiro que atira para todos os lados ou insiste no anticlímax. Aqui, o impasse é a exposição de um vilão que já tinha funcionado bem como raiz e também como dominador de corpos. Não era mais necessário a aparição de um “General ou Rei dos Morax”. É como se Joy Wilkinson precisasse reafirmar que essa espécie também tinha hierarquia e era inteligente, ou algo do tipo. O resultado não foi lá muito bem. Nem os efeitos especiais, para dizer a verdade.
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3º Lugar: The Battle of Ranskoor Av Kolos
11X10
Surpreendentemente, a temporada terminou com uma ótima noção de ciclo se fechando, tendo a cara de uma apresentação longa da Doutora, que nessas viagens majoritariamente desconexas, foi pouco a pouco mostrando sua camada de personalidade, construindo um conceito de exploração e visão do Universo que, ao que tudo indica, está para chegar a um outro nível. Assim esperamos.
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2º Lugar: Demons of the Punjab
11X06
Visualmente falando, o capítulo consegue até estar um passo à frente de Rosa na direção de fotografia (saturada, com verde e tons térreos em evidência) e ainda ganha uma montagem exemplar, ligando os Thijarians ao drama familiar que envolve segregação e ódio ideológico vindo desse apego doentio de algumas pessoas a uma linha invisível que divide territórios e humanos, como se isso significasse alguma coisa. Os demônios do Punjab, assim como em qualquer lugar do mundo, são os humanos intolerantes. E infelizmente esta é uma situação-padrão da nossa espécie. Hoje, tantos anos depois, nós conseguimos ver exatamente o mesmo padrão de comportamento e execução em níveis sociais e políticos. Mas cortando o ódio existem aquelas boas pessoas (Graham, que fica melhor a cada episódio, definiu isso muito bem) que se recusam a ver a segregação como algo válido para uma sociedade, para uma vida. E não existem demônios históricos ou ideológicos capazes de impedir que esse tipo de visão vença. Demore o tempo que for. Yaz é uma prova disso. E os sobreviventes de qualquer minoria ou vítimas de desmandos estatais ou qualquer tipo de ódio disseminado e organizado, idem.
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1º Lugar: Rosa
11X03
O final, com a sequência professoral da Doutora, normalmente me faria torcer um pouco o nariz, mas isso não aconteceu aqui. E volto ao que disse no começo: tudo está no tom. A explicação final da Doutora é uma ponte entre o momento de clímax do episódio e o momento final. Essa passagem é feita com os pés no chão, apontando para as dificuldades (a despeito das vitórias no meio do caminho) e o legado que essa grande mulher, essa pioneira, deixou para todos nós, tendo também a sua marca no Universo. Que episódio lindo e importante! Que vontade de abraçar alguém depois daquela última cena…