Avaliação da temporada
(não é uma média)
- Há spoilers. Leiam, aqui, as críticas dos demais episódios e de todo o nosso material da franquia.
Já nos primeiros segundos do primeiro episódio de Dexter: Pecado Original a série revela-se, inequivocamente, um fruto da Hollywood atual, em que nada que já teve algum grau de sucesso – ABSOLUTAMENTE NADA, eu reitero – pode descansar em paz, ter um fim, ganhar uma conclusão. Nesses segundos, descobrimos que o Dexter mais velho assassinado por seu filho ao final da já caça-níqueis continuação tardia Dexter: New Blood não morreu coisíssima nenhuma e sua estadia em coma no hospital serve para que ele, com direito à narração por Michael C. Hall, relembre seu passado, levando-nos ao prelúdio protagonizado por Patrick Gibson. Ou seja, dois coelhos são imediatamente mortos com uma cajadada só!
Apoiando-se fortemente na nostalgia, a muleta narrativa do momento, a série – a primeira temporada, pois é certo que teremos mais, infelizmente… – é uma sucessão de perguntas que ninguém nunca fez sobre o passado de Dexter Morgan e, portanto, não precisavam de respostas, que são respondidas mesmo assim, ou, talvez mais apropriadamente, enfiadas goela abaixo do espectador, queira ele ou não. Afinal, era essencial que soubéssemos como Dexter teve a ideia de usar tranquilizante de cavalo para nocautear suas vítimas ou como ele teve a ideia de usar uma lancha para livrar-se dos pedaços de suas vítimas no Atlântico, não é mesmo? Ah, eu sei que nostalgia tem valor e eu também sei que, dentre o monte de material que tem por aí que usa desavergonhadamente o artifício, Pecado Original não é o pior exemplo, longe disso. A nova versão da abertura clássica (talvez a melhor abertura de série de todos os tempos) é um primor que já dá o tom da “mesma coisa novamente, só que um pouquinho diferente” e Gibson realmente revela-se como um grande achado, um jovem ator capaz de fazer Hall fazendo Dexter, mas sem deixar de imprimir sua própria personalidade por ali, em algum lugar. Mais para a frente, Roby Attal também consegue fazer um belo de um Brian Moser mais jovem também, vale lembrar.
A questão é que isso é pouco. Esse negócio de preencher lacunas completamente desnecessárias só para ordenhar essa propriedade intelectual até ela ser só pele e ossos tem limite e Pecado Original ultrapassa-o e, com isso, deixa qualquer traço de personalidade pelo caminho, sem destacá-lo. Tudo bem que nem tudo se perde e os roteiros, a partir da segunda metade, com alguns lampejos antes dela, consegue trazer sua “própria cara” para a série, sem transformá-la, apenas, em um “copia e cola” da original, só que com um elenco mais novo. No entanto, quando a temporada chega nesse ponto, ela acaba e, pior, não oferece ao espectador uma lógica minimamente razoável para o grande vilão, o Capitão de Polícia Aaron Spencer e, no mesmo diapasão, deixa para introduzir Brian Moser de verdade na história muito tardiamente, o que exige algumas correrias contextualizadoras que só funcionam pela inspiração do ator e porque os roteiros, tenho que admitir, parecem gostar do personagem como se ele – e não exatamente Dexter – fosse a verdadeira razão de ser de Pecado Original.
Entre flashbacks com cores estouradas para os anos 80 que detalham a relação de Harry Morgan com Laura Moser, mãe da dupla de futuros psicopatas que oferecem uma visão bastante gráfica – e positivamente gráfica, acrescento, pois acho que foi uma escolha boa – da icônica cena em que a informante é desmembrada com serra elétrica em um contêiner e uma revisitação exagerada de elementos que ninguém precisava saber sobre a juventude do protagonista, Pecado Original satisfaz marginalmente pelas doses cavalares de nostalgia, mas não consegue oferecer muito mais do que isso. Quero só ver o que vão inventar para uma muito possível segunda temporada…
XXXXXXXXXX
Como fazemos em toda série ou minissérie que analisamos semanalmente, preparamos nosso tradicional ranking dos episódios para podermos debater com vocês. Qual foi seu preferido? E o que menos gostou? Mandem suas listas e comentários!
10º Lugar:
O Prazer de Matar
1X06
Nem mesmo o prólogo com o sequestro do filho do capitão Aaron Spencer funciona bem, pois, nesse caso, a direção de Michael Lehmann sequer tenta criar uma sequência tensa, preferindo telegrafar exatamente o que acontecerá no segundo seguinte. Tudo bem que o sequestro em si adiciona uma camada extra à narrativa macro que, até agora, vinha sendo trabalhada como mero pano de fundo, mesmo considerando o assassinato da primeira criança sequestrada, o que deve elevá-la, nos quatro capítulos finais, à história principal, em paralelo com o serial killer de indigentes que Dexter diagnostica ao analisar mais uma vítima de morte violenta, mas esse bônus não consegue tirar o episódio do lugar-comum e acaba fazendo pouco para atiçar a curiosidade do espectador. Claro que ver Dexter matar sua terceira vítima e, ele próprio, graduar-se como serial killer, tem sempre aquele verniz de prazer mórbido, mas o tal “prazer de matar” que dá nome ao episódio é algo tão agudamente óbvio mesmo para quem nunca viu a série original, que eu tenho lá minhas dúvidas se alguém realmente releu o que escreveu.
9º Lugar:
Um Garoto Numa Loja de Doces
1X02
Mesmo com a nostalgia bem colocada do primeiro episódio já tendo se dissipado, Um Garoto Numa Loja de Doces insiste na mesma veia e finca seus pés no chão para dizer para todo mundo que Pecado Original é a mesma coisa que a primeira série, só que com outros atores. Não sei se isso basta para a história se manter interessante ao longo de seus 10 episódios, mas minha impressão é que, para a temporada funcionar, ela precisará ter sua própria personalidade e não ser apenas um fac-símile do que já vimos.
8º Lugar:
Só um Arranhãozinho
1X04
Tudo bem que vemos Dexter ser avisado pelo pai que ele está indo atrás de alguém que talvez seja grande demais para seu anzol e que isso acaba se provando verdadeiro quando sua vítima foge dele somente para ser brutalmente atropelado no “final surpresa” mais telegrafado da história dos finais surpresa, mas meu ponto não é esse. Meu ponto é que, no episódio anterior, vemos Dexter realmente trabalhar o caso do agiota de sapato de couro de jacaré e trazer à tona provas contundentes contra ele. Aqui, tudo o que ele consegue fazer é semelhante ao que o Departamento de Pré-Crime faz em Minority Report: A Nova Lei, só que de maneira bem menos convincente. E nem haveria problema se Dexter tivesse seguido em frente desobedecendo ordens de seu pai por considerar fracas as provas produzidas, pois isso faria todo sentido. No entanto, o que vemos é Harry Morgan, um detetive experiente, concordar expressamente que o filho siga adiante com seu plano. Isso é como defenestrar a infraestrutura da série, jogar fora o que faz Dexter ser Dexter e minha decepção foi enorme ao constatar isso em Só um Arranhãozinho, pois não foram criadas as circunstâncias para que Dexter e Harry agissem como agiram.
7º Lugar:
Código Azul
1X10
Pelo menos duas coisas ficaram absolutamente claras ao longo de Pecado Original: Patrick Gibson e Roby Attal são mais do que dignos para viverem as versões mais jovens dos irmãos separados quando criança Dexter Morgan e Brian Moser. E fazendo justiça, enquanto Gibson teve todo o tempo do mundo para entrar no clássico e querido personagem de Michael C. Hall, Attal teve pouquíssimo tempo para espelhar o trabalho de Christian Camargo e ele revelou-se tão eficiente quanto. Essa constatação deixa-me um pouco mais tranquilo para a provável continuidade de Pecado Original por mais do que apenas uma temporada, ainda que eu considere completamente desnecessário sabermos mais do passado dos personagens que conhecemos em 2006.
6º Lugar:
Doação de Sangue
1X09
Espertamente usando uma campanha de doação de sangue na delegacia de polícia em razão do tiro que o detetive Bobby Watt levou na operação desastrosa deflagrada pelo capitão Aaron Spencer, o roteiro escrito por Scott Reynolds consegue ao mesmo tempo dar importância à quase tragédia que ocorreu, como lidar com o quanto isso afetou todos por ali, sem deixar de fazer com que a narrativa central, bifurcada em duas, continuasse caminhando a passos largos. No entanto, Doação de Sangue é um daqueles raros episódios cujo “julgamento final” justo e sincero precisa aguardar o próximo e derradeiro, já que não só ele não me parece deixar a minissérie (ou seria temporada?) no ponto ideal para ela ser encerrada em apenas mais um capítulo, como ele revela dificuldade em encontrar seu tom, revertendo a problemas de seu começo, ao mesmo tempo em que efetivamente reintroduz um personagem importante apenas em seu final.
5º Lugar:
E No Começo…
1X01
Deixem-me apenas contextualizar minha última afirmação acima. Eu sei que Dexter: Pecado Original é uma desavergonhada exploração da nostalgia dos fãs da série original. Eu sei que Dexter: Pecado Original é mais uma prova de que Hollywood cada vez mais só sabe viver de jornadas pelos caminhos mais viajados. Eu sei que Dexter: Pecado Original é um prelúdio completamente desnecessário. E, finalmente, eu sei que reviver Dexter Morgan é uma estratégia safada dos produtores que, com isso, vão continuar tirando leite da proverbial vaca. Diria que tudo isso que eu sei é óbvio para todo mundo também, mas não acho que isso tira o mérito de que pelo menos o retorno de Dexter Morgan para o mundo dos vivos tem um uso no mínimo interessante e… diferente, daí meu reticente elogio.
4º Lugar:
F de Fodeu
1X05
Pelo menos o roteiro tentou algo novo, mesmo que tímido e pelo menos Deb vem ganhando mais atenção e contexto, criando toda uma história paralela de “filha rejeitada” que se envolve em um relacionamento que, apesar de ainda não haver pistas diretas, provavelmente a levará a ter problemas. E sim, tenho certeza de que os cinco próximos episódios continuarão a trazer perguntas que nunca ninguém perguntou para, então, graciosamente, oferecer respostas, mas a única que eu estou realmente interessado em saber é como exatamente o caso do menino sequestrado – e agora assassinado – vai convergir com Harry, Dexter e os demais personagens.
3º Lugar:
O Problema do Corpo Mau
1X07
O Problema do Corpo Mau não é exatamente uma maravilha, mas o episódio sem dúvida impulsiona a narrativa principal e, de quebra, ainda tem tempo para dar sucessivas rasteiras em Debra, também aproximando-a de sua versão mais adulta e policial. Com isso, um tabuleiro foi mais ou menos armado para que a estirada final de episódios possa trazer convergência narrativa e dar uma chance para que esse recorte do passado de Dexter Morgan fique acima, nem que seja um pouco, da simples exploração da mitologia de um personagem querido.
2º Lugar:
Miami Vice
1X03
O grande destaque de Miami Vice é a introdução de María LaGuerta, vivida por Christina Milian que consegue encarnar a versão jovem da futura chefe de polícia sem imitar a atriz original, o que a coloca no nível de Christian Slater dentro da série, já que ele também não se pauta pelo ator que vivia o primeiro Harry Morgan. Pontos para a produção e, claro, para Milian, que vive uma detetive que galgou seu espaço verbalizando suas críticas ao departamento, que, como basicamente toda força policial do mundo, só foca em casos em que as vítimas são importantes. Imediatamente antagonizada pelo capitão Aaron Spencer, paquerada por Angel e vigiada por Harry, LaGuerta não demora a se mostrar acima de todos eles em sua diligência e conexão com a comunidade não branca desamparada pelo departamento. É, diria, uma ótima abordagem introdutória que promete funcionar como elemento de fricção interno, com Harry percebendo seu valor de um lado e Aaron sentindo-se pressionado de outro, até porque eu desconfio fortemente que o chefe é corrupto e está de alguma forma conectado ao sequestro do filho da juíza que, vale lembrar, continua como o caso de pano de fundo da temporada.
1º Lugar:
Negócios e Prazer
1X08
Da mesma forma, a investigação de LaGuerta e Harry sobre o serial killer de indigentes ganha uma reviravolta muito interessante quando Harry se depara com o nome de Brian Moser como um dos pacientes do suspeito – e morto – Paul Petrie e logo estabelece sua conexão com pelo menos uma das vítimas. E, com isso, todo o conceito que Dexter criou de que esse serial killer estaria aprendendo, como ele, a ser um serial killer, encaixa-se perfeitamente com o que sabemos do Assassino do Caminhão de Gelo, vulgo o próprio irmão do protagonista que sabia do caso de Harry com sua mãe e que, claro, deve culpá-lo por sua morte brutal. Novamente, boa circularidade, ainda que carregada de nostalgia e preenchendo lacunas que não eram realmente lacunas, mas fazendo isso com qualidade, sem se perder com a entrada efetiva do personagem na série até esse ponto (ele já apareceu, pois agora fica claro – eu acho – que ele é mesmo o jovem que tentou sentar na mesa de Dexter no segundo episódio da temporada, mas sem interferir na história).