- ATENÇÃO: As despedidas, votos finais e fofuras de encerramento do ano deixaremos para fazer no tradicional Editorial Plano Crítico, dia 31/12, como de costume.
Esta lista NÃO é apenas de leituras de obras lançadas em 2021, seja no Brasil, seja no exterior. Claro que podem aparecer obras lançadas neste ano, mas a proposta é apenas ranquear as nossas melhores leituras ou releituras de janeiro a dezembro, independente de quando o volume em questão chegou ao mercado.
Cada indicação abaixo usa apenas um parágrafo da respectiva crítica (quando há crítica)! É só clicar nos links para ler os textos completos! Já deixo também o convite para vocês compartilharem nos comentários as suas listinhas de 10 melhores leituras de livros neste ano! E caso queiram ver as nossas outras listas sobre o tema, clique aqui!
LUIZ SANTIAGO
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Por este ser o nosso primeiro ano de corrida literária aqui no site, eu tive muito mais leituras para escolher do que normalmente tenho em anos que não são de ressaca literária ou de andamento normal de leituras. Estou bastante contente com os 10 escolhidos da minha lista e só devo ter tido uns dois ou três conflitos mais ou menos sérios na hora de escolher entre uma obra e outra. O Caso das Garras de Veludo foi o que mais me fez pensar, mas acabou não entrando para a versão final.
Neste ano de 2021, continuei com a boa tendência na qual mergulhei em 2020, ou seja, lendo muitas obras policiais. Basta dar uma olhada na lista abaixo e vocês verão um bom reflexo disso. Também vale destaque para o mês de aniversário de Perry Rhodan, que guiei com meu parceiro no crime, Kevin Rick, fazendo com que eu desse um pequeníssimo salto na grandiosidade dessa saga, algo que pretendo continuar no ano que vem. E que 2022 traga muito mais bons livros e muito mais leituras para todos nós!
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10º – História Verdadeira
Luciano de Samósata – Grécia, c. 165 – 175
História Verdadeira é mesmo um clássico imperdível, especialmente para aqueles que gostam muito de ficção científica e de fantasia. Aliás, diferente do que possa parecer, a obra não se sustenta ou surpreende apenas por seu valor histórico, por sua aura de pioneirismo no tratamento e na exposição de temas hoje muito conhecidos e saturados… ou na forma crítica ao romance grego com que o autor registra a essas impossíveis viagens. História Verdadeira é genuinamente engraçado e, mesclando ciência do primeiro século de nossa Era com as alfinetadas literárias dadas por Luciano, mais o seu modo peculiar de pensar dilemas filosóficos, religiosos, jurídicos, comportamentais e sociais, o livro consegue garantir uma inesquecível exploração do espaço sideral, das profundezas de uma baleia colossal e de “ilhas temáticas” que ao mesmo tempo encantam e assustam o leitor. Um clássico delicioso e extremamente importante por tudo aquilo que cria.
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9º – O Cachorro Amarelo
Georges Simenon – Bélgica, 1931
O caráter do crime aqui tem uma série de ramificações, com uma escalada muito rápida de eventos na parte final e uma piora moral que nos deixa muito enraivecidos pela capacidade que alguns seres humanos têm de faz mal aos outros, buscando ainda lucrar com isso. A derradeira ação de Maigret só nos confirma o quão sensacional e o quão coração de ouro é esse personagem. Um detetive verdadeiramente humano.
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8º – Os Cavaleiros
Aristófanes – Grécia, 424 a.C.
Ao cabo, porém, há uma reviravolta típica da “vitória e felicidade do herói” na Comédia Antiga, mostrando Demos devolvido à sua juventude, Atenas voltando à sua Idade do Ouro e finalmente conseguindo a paz. O Chouriceiro não era, portanto, um criminoso tal e qual Cléon, mas um oportunista e populista que usou do discurso do inimigo para chegar ao poder e fazer as mudanças que deveriam ser feitas a fim de mudar a sociedade. Isso pelo menos até que o ciclo termine e os Oráculos passem a designar um novo tempo, um novo humor para o povo, um novo interesse coletivo… aquela dança da mudança política que é tão antiga quanto as civilizações humanas.
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7º – Casos Célebres do Juiz Di
Anônimo – China, c.1700
Apesar dos exageros e das entradas sobrenaturais que auxiliam a resolução do crime (sonhos, ventos mágicos, espírito do morto, etc.), o que temos em Célebres Casos do Juiz Di é uma deliciosa narrativa policial que não deve nada àquelas que a tradição Ocidental oficializaria como gênero no século 19. Evidente que cada leitor irá gostar mais ou menos de alguns elementos aqui — o ponto sobrenatural é normalmente o mais rejeitado pelos leitores desse lado do globo — mas eu simplesmente me deleitei durante esse processo de caça aos assassinos. Aqui, seguimos os passos de um indivíduo que tem amplos poderes para exercer o seu cargo em nome da justiça, e que o faz com extremo zelo e honestidade (vale notar que os costumes aqui representados, sejam reais ou fictícios, devem ser acatados à luz daquela sociedade do século 18), culminando com a sua promoção a um cargo maior e também num charmoso encerramento cíclico, com o juiz Di assinando papéis no mesmo lugar que o encontramos na página inicial do volume. Um maravilhoso exemplar da “literatura policial chinesa” no século 18, que infelizmente não é tão conhecido quanto deveria.
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6º – Cilada Cósmica
K. H. Scheer – Alemanha, 1962
Dessa forma, entre as motivações obscuras e imorais de Rhodan, o destino de Tiff, o inimigo inicialmente desconhecido e posteriormente mais curioso dado seu background singular, e a astuta falta de explicações para onde os personagens se moviam, Cilada Cósmica foi me deixando extremamente instigado com a história. Scheer é muito inteligente na entrega à conta-gotas de informações, criando muito mistério no volume, especialmente no ato final de grande suspense em torno do sequestro do grupo de Deringhouse e o plano da bomba dando errado. Tudo isso se constrói pela abordagem inventiva do autor na série, utilizando-se de uma aventura sob um olhar diferente.
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5º – Menino de Engenho
José Lins do Rego – Brasil, 1932
Menino de Engenho é uma história de amadurecimento cheia de ritos, de cortes metalinguísticos (na presença da maravilhosa velha Totonha, a contadora de histórias da região) e reflexos sociais da verdadeira cara do Brasil, da relação entre a Casa Grande e a Senzala, tendo aí também elementos de memórias do próprio autor, que viveu uma infância muito similar à de seu protagonista. Uma jornada de perda da inocência e de conhecimento do mundo no interior do Brasil.
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4º – A Segunda Vida de Missy
Beth Morrey – Reino Unido, 2020
A Segunda Vida de Missy é um belíssimo livro sobre a reconexão de alguém com o mundo e consigo mesmo. Missy transforma o seu entorno e é por ele transformada, faz as pazes com quem precisava e segue o conselho que o amor de sua vida lhe deu: deixa o passado ir embora. Ao final do volume, eu estava lacrimejando. Aqui, a gente não tem apenas um elemento emotivo ou de fofura em cena. Além da velhinha desabrochando para uma nova fase, temos uma criança, um cachorro e um grupo de amigos que formam em torno de Missy a essência dessa “segunda vida” (com seus bons e maus momentos), desse despertar, desse renovo que, por sorte, ela teve a oportunidade de viver e a sabedoria para aceitar que, mesmo em avançada idade, era tempo de mudar. Mais uma vez.
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3º – Açúcar de Melancia
Richard Brautigan – EUA, 1968
Açúcar de Melancia pode ser uma narrativa de fuga, onde as regras de nossa existência são alteradas e onde temos de viver sob outros costumes, com outros códigos e ocupações. É o retrato de uma geração que vive livre de verdadeiras ameaças (a morte dos tigres assassinos acontece quando muitos deles ainda eram crianças) e que compartilha com o leitor o retrato dessa não necessariamente perfeita, mas chamativa, bela e poética existência. Um convite para olhar um mundo muito diferente do que a gente vive. E quem sabe nos faça sentir um pouco a textura, a doçura e as cores das obras de melancia, transformando-nos para que a gente também transforme o mundo em que vivemos. Construir coisas com base em uma matéria-prima aparentemente frágil, mas que se bem preparada, pode resistir a tudo. No fim, é um livro sobre cercar-se de construções variadas de amor.
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2º – Um Estudo em Vermelho
Arthur Conan Doyle – Reino Unido, 1887
Um Estudo em Vermelho é uma obra que se destaca pelo desenho sedutor que faz de seus personagens centrais, pela inteligência no encadeamento da história e pela escolha diferente de narrar uma investigação onde o ato vil possui camadas que vão muito além da inicial cena do crime, onde o público se vê entretido como um gato brincando com um novelo que se desenrola. Lembra a definição de Holmes para Watson sobre o caráter investigativo do caso: “na meada incolor da vida, corre o fio vermelho do crime, e o nosso dever consiste em desenredá-lo, isolá-lo e expô-lo em toda a sua extensão“. Um clássico de altíssima qualidade da literatura de gênero. Uma das melhores estreias já vistas de um grande personagem.
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1º – O Assassinato de Roger Ackroyd
Agatha Christie – Reino Unido, 1926
Apesar de ainda estarmos na primeira década dos escritos da Rainha do Crime, temos aqui um caso onde o detetive Hercule Poirot já se aposentou e está vivendo incógnito no interior da Inglaterra, curtindo o seu sossego e cultivando abobrinhas (literalmente falando). Há uma certa marca de ironia da autora aqui, que faz o seu personagem mais icônico envelhecer longe da fama e se empenhar em uma tarefa totalmente diferente daquilo que foi a sua carreira. Nessa pequena vila, temos todos os estereótipos em favor da construção do drama: muita gente fofoqueira, muita informação passando dos empregados para os patrões e umas porção de intrigas particulares que mostram que o local não era assim tão pacífico quanto parecia ser.
RITTER FAN
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Os insuportáveis de meus colegas Kevin Rick e Luiz Santiago inventaram um negócio chamado Corrida Literária que já me deixou angustiado no segundo em que me perguntaram o que eu achava. Uma ótima ideia, claro, mas uma ótima ideia que eu tinha certeza absoluta que eu ia perder feio, especialmente considerando que tem certas pessoas que consideram coisas de 10 páginas como livros, mas essa é outra história.
Pois bem, com previ, perdi feio e nem sei se li mais livros do que o normal, para dizer a verdade, pois não tenho aquela obsessão de registrar tudo que leio ou assisto em minha vida. Mas foi divertido ver a lista da Corrida Literária aumentar com uma quantidade boçal de títulos variados que, no meu caso, começou e acabou com obras que era tabus para mim: Caçadores de Duna, o primeiro romance que começa a encerrar a hexalogia de Frank Herbert, escrito por seu filho Brian em colaboração com Kevin J. Anderson (sempre disse que não leria nada da saga que não fosse do autor original) e All About Me!, autobiografia de Mel Brooks em comemoração ao seu 95º aniversário (não aguento biografias e muito menos autobiografias).
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10º – Shoeless Joe (Campo dos Sonhos)
W.P. Kinsella – Canadá, 1982
Shoeless Joe é um lindo convite à reflexão. Um pedido para que nos preocupemos menos com um caminho de vida baseado apenas em objetos materiais de consumo fácil e imediato – e isso é exponencialmente mais verdade hoje do que quando o livro foi publicado – que leva àquela felicidade efêmera como deve ser a experiência com drogas alucinógenas. Arriscando-me a outra possível frase de para-choque de caminhão, a vida é feita de pequenos momentos, às vezes tão pequenos que sequer percebemos a existência deles. O que Kinsella – W.P. ou Ray – quer é que desaceleremos justamente para que tenhamos a oportunidade de reconhecê-los.
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9º – Pra Lá do Fim do Mundo
Larry McMurtry – EUA, 1985
Um faroeste épico de McMurry que gerou prelúdios e continuações, Pra Lá do Fim do Mundo é normalmente tido como uma obra que romanceia a vida de vaqueiros no Velho Oeste, mas ela é muito mais do que isso, já que é quase que uma abordagem revisionista e pessimista dessa vida solitária em meio a um país ainda em formação, com todas as mazelas que isso significa. Uma leitura lenta, mas valiosa se o leitor não se deixar levar por impressões externas e equivocadas sobre o livro.
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8º – O Poderoso Chefão
Mario Puzo – EUA, 1969
Mesmo com seus problemas, o romance definitivo para a formação do imaginário popular sobre a Máfia ítalo-americana é uma leitura fascinante. Puzo constrói um universo enérgico, rico e vasto cuja trama principal ele desenvolve com maestria e fluidez e com personagens inesquecíveis. Tenho certeza que será no mínimo muito difícil separar livro de filme, mas O Poderoso Chefão é, inegavelmente, uma oferta que ninguém deveria recusar.
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7º – Encontro com Rama
Arthur C. Clarke – Reino Unido, 1973
Um dos livros mais famosos de Clarke, Encontro com Rama é uma intrigante viagem pela imaginação do autor britânico em que ele tenta recriar, em detalhes, tecnologia alienígena que se aproxima da Terra, resultando em um romance que é, em medidas iguais, impossível de parar de ler e frustrante, mas talvez no bom sentido, se é que há um bom sentido para esse adjetivo.
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6º – Os 101 Dálmatas
Dodie Smith – Reino Unido, 1956
Mas esse “porém” não detrai da história como um todo e Os 101 Dálmatas é, no final das contas, uma deliciosamente divertida aventura canina que é capaz de muito facilmente encantar crianças e adultos pelo universo animal crível e lógico que Dodie Smith consegue magicamente criar. É como ler uma carta de amor para os cachorros e gatos do mundo todo que, claro, nos têm como seus bichinhos de estimação sem que nós tenhamos consciência disso.
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5º – O Voluntário de Auschwitz
Jack Fairweather – Reino Unido, 2019
O Voluntário de Auschwitz definitivamente não é uma leitura daquelas que se faz em apenas uma sentada ou que permaneça autocontida no relato de Fairweather, já que há uma riqueza de informações derivadas que devem ser pesquisadas pelo leitor paralelamente, inclusive e talvez especialmente a compilação dos relatos do próprio Pilecki. No entanto, trata-se de leitura importante, talvez até essencial, nem que seja para prestigiar esse inacreditável herói polonês que escolheu entrar no círculo mais profundo do Inferno na esperança de salvar pelo menos alguns de seus compatriotas.
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4º – Onde os Velhos Não Têm Vez
Escrito originalmente com um roteiro que nunca foi produzido, McCarthy tratou de converter Onde os Velhos Não Têm Vez em um romance, somente para, aí sim, vê-lo transformado em filme em uma daquelas ironias hollywoodianas inexplicáveis. O que fascina na abordagem do autor neste faroeste moderno é sua pegada naturalista e pessimista que coloca um xerife já mais velho à caça de um assassino de aluguel de métodos bizarros.
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3º – A Edda Poética
Como não me atrevo a “dar nota” para textos dessa magnitude, a avaliação acima fica limitada ao trabalho de Jackson Crawford que é muito bem-sucedido em deixar o leitor consideravelmente confortável na aventura que é ler poemas tão antigos, por sua vez baseado em tradição oral. Sua introdução geral é muito valiosa, especialmente ao abordar em detalhes suas escolhas gramaticais e ao lidar com o panorama geral da Edda Poética como um todo. Por outro lado, ele é, talvez, um tanto quanto econômico nas introduções específicas dos poemas, por vezes limitando-se a dizer o que ele trata, sem maiores detalhamentos, algo que ele talvez possa desenvolver em futuras edições. Seja como for a Edda Poética é, apesar de difícil, uma leitura gratificante para quem tiver interesse nas Mitologias Nórdica e Germânica e para conhecer uma das mais importantes bases narrativas para a literatura moderna, especialmente a fantástica.
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2º – Uma Congregação de Chacais
S. Craig Zahler – EUA, 2010
O começo da carreira literária de S. Craig Zahler não poderia ser melhor. Uma Congregação de Chacais captura o leitor da primeira à última página exatamente como acontece com seus filmes, deixando-o cansado, triste e enraivecido ao final, mas, ao mesmo tempo, com uma estranha sensação de querer ler mais sobre todo esse universo doente e violento que o autor parece ter prazer em criar.
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1º – Musashi – Vol. 1: A Terra / A Água / O Fogo
Eiji Yoshikawa – Japão, 1935
Minha leitura da obra – e a presente crítica é apenas do primeiro dos três volumes como publicados no Brasil pela Editora Estação Liberdade – se deu de maneira curiosa e trabalhosa, pois foquei na leitura da tradução em inglês feita por Charles S. Terry, com diversos capítulos intercalados lidos em português conforme tradução de Leiko Gotoda, ambas feitas diretamente do japonês. A razão para isso foi pura curiosidade para constatar como o japonês é uma língua complexa, com variações grandes na forma e no estilo de cada tradução. Em linhas gerais, enquanto Terry verteu a obra para um inglês mais direto, sem depender de palavras rebuscadas, mas mantendo as principais – como daimyo – em japonês, Gotoda emprestou um verniz que poderia ser chamado “de época” ao livro, fazendo todo o esforço para apresentar variações em português mesmo das palavras japonesas mais famosas – daimyo, por exemplo, tornou-se suserano -, o que empresta solenidade à obra, além de trazer ricas notas de rodapé com todo o contexto necessário.
KEVIN RICK
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Se alguém me dissesse no ano passado que em 2021 eu iria ler mais de 40 livros, eu diria que essa pessoa estava completamente maluca. E ainda, aqui estamos. Depois do desafio da Corrida Literária no início do ano, que começou como um papo amistoso e se tornou uma competição obsessiva, eu bati todos os recordes pessoais de número de leituras. E agora me encontro na maluquice de aumentar a quantidade em 2022. Neste ano, eu passei pelo space opera de Perry Rhodan, pela bibliografia do Rei do Terror e da Rainha do Crime e por algumas releituras do Universo de Duna! Enfim, vamos a lista!
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10º – Billy Summers
Stephen King – EUA, 2021
A transição entre os dois tipos de histórias pode parecer estranha ao ser lida no meu texto, mas no livro funciona. Toda a caracterização do ato inicial dá uma carga dramática à fuga, além de proporcionar mais liberdade para King focar no enredo criminoso sem precisar explicar backstories. O autor é, como sempre, muito criativo com detalhes e incidentes que deixam o encadeamento do crime mais (divertidamente) problemático, navegando entre uma estética literária meio noir e um realismo trágico – temos histórias de guerra, violência doméstica e abuso sexual. Minha única ressalva é em relação a como King vai largando personagens e subtramas ao longo da jornada de Billy. Isso é uma característica negativa do autor, já que ele escreve “direto”, sem pensar de antemão em detalhes narrativos. Ainda assim, são pormenores em um dos melhores romances recentes do “Rei do Terror”, se aventurando mais uma vez em ficção e thriller policial/criminal. Com uma história de “último trabalho” que abrange toda uma vida através da literatura, Billy Summers é um dos melhores estudos de personagem de King.
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9º – O Oceano no Fim do Caminho
Neil Gaiman – EUA, 2013
Neil Gaiman assume este estilo de escrita meio onírica, no qual mergulhamos em uma distorção da realidade na visão de mundo exagerada naquele ponto da vida para o protagonista ou simplesmente estamos diante de uma fábula “real”. Mas, independente da “resposta”, o que verdadeiramente importa é o retrato da imaginação infantil. Ainda equilibrando mitologias nórdicas e gregas, discussões existenciais sobre o Universo com a família Hempstock, referências à livros dos Irmãos Grimm, Mary Poppins, e afins, Gaiman constrói em O Oceano do Fim do Caminho uma obra sobre a infância, mas direcionada ao leitor adulto. A despeito da deliciosa fábula, o ótimo tom nostálgico e as maravilhosas inserções de debates sobre a vida, o tempo e a memória, o que, acima de tudo, permanece durante a experiência desta leitura é a sublime visão de mundo pelos olhos inocentes e a mente inventiva de uma criança.
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8º – Sem Remorso
Tom Clancy – EUA, 1993
Num lado negativo, acho que Clancy, por felizmente tentar demais, sofre um pouquinho com o ritmo de alguns núcleos, especialmente o de algumas vítimas da droga, mas é uma pequena crítica à deliciosa salada do autor, que transita entre gêneros com uma facilidade invejável. Sem Remorso é uma obra violentamente impactante, inesperadamente diversificada e freneticamente divertida. Clancy sabe fazer de tudo um pouco, desde o drama da guerra, o âmbito urbano do crime, a linha de espionagem e o contexto político e ideológico dúbio do período, todos sob o prisma da falha humana, e consequentemente das cicatrizes deixadas pelo remorso.
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7º – Voo Para o Infinito
Clark Dalton – Alemanha, 1962
O final do livro nos traz de volta a “realidade”, em um desfecho de ação intercalado por piadas entre Bell e AQUILO que não funcionam de maneira orgânica, como havia pontuado. Apesar de rápido, a trama em Peregrino é extremamente bem condensada e preparatória, mas o ato final me soa deslocado e um desfecho um tantinho frustrante pensando no escopo da linha narrativa apresentada. Por outro lado, o impacto das armas recebidas, denominadas de transmissores fictícios – não tinha nome melhor? – adiciona (mais um) poder extremamente destrutivo à Terceira Potência, nos situando do embate entre a Stardust-III turbinada e os Saltadores, em específico Etztak, que ameaça destruir o planeta gelado onde se encontra os cadetes e Gucky. É um bom cliffhanger, mas confesso que gostaria de mais voos pelo infinito com um certo imortal irônico.
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6º – Cilada Cósmica
K.H. Scheer – Alemanha, 1962
Dessa forma, entre as motivações obscuras e imorais de Rhodan, o destino de Tiff, o inimigo inicialmente desconhecido e posteriormente mais curioso dado seu background singular, e a astuta falta de explicações para onde os personagens se moviam, Cilada Cósmica foi me deixando extremamente instigado com a história. Scheer é muito inteligente na entrega à conta-gotas de informações, criando muito mistério no volume, especialmente no ato final de grande suspense em torno do sequestro do grupo de Deringhouse e o plano da bomba dando errado. Tudo isso se constrói pela abordagem inventiva do autor na série, utilizando-se de uma aventura sob um olhar diferente.
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5º – Misery (Louca Obsessão)
Stephen King – EUA, 1987
Misery é a jornada dolorosa de Paul Sheldon nas mãos da terrível Annie, uma das mais icônicas personagens de King, e do gênero do horror por completo, tanto literário como também no Cinema. Cheia de camadas, desde a psicopatia a solidão, Annie é o livro, roubando a cena em uma das melhores obras do autor. King, acima de tudo, demonstra controle do seu ambiente, sabendo como segmentar e absorver o leitor num terror físico e psicológico em um ritmo frenético e estressante, o qual é difícil digerir muitos momentos da história, em uma experiência trágica, obsessiva e, acima de tudo, violentamente memorável.
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4º – UBIK
Philip K. Dick – EUA, 1969
À medida que respostas chegam, novas perguntas aparecem, e as soluções anteriores vão sendo questionadas até o grande clímax do livro. Percebam como quase não citei Ubik, pois a substância em spray permeia a trama como uma pequena indagação filosófica e saída acessível dos problemas temporais. Tudo termina por ser respondido, com exceção da natureza de Ubik, até que, logo no finalzinho, em uma parte polêmica da obra que divide leitores, PKD instaura a dúvida em um desfecho aberto a interpretações e teorias eternas. Eu gosto disso, pois funciona melhor pensando no tratamento dado ao livro do que um final amarradinho e explicado. Ubik é uma leitura obsessiva, ansiosa, que traz questionamentos e brinca com sua própria percepção da realidade, da vida e da morte, e do significado de tudo isso. Mais uma obra magnífica dos cantos insanos da maravilhosa mente de Philip K. Dick.
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3º – O Iluminado
Stephen King – EUA, 1977
O clímax estendido é digno de nota, paralelamente navegando nos finais estágios de perda de identidade de Jack, abrindo essa discussão se devemos ou não simpatizar com a complexidade do personagem, o terror de Wendy e Danny, e a corrida contra o tempo de Hallorann – outro iluminado, do início da trama – para salvar a família do hotel, além da posição defensiva do Overlook de “proteger” sua presa. O Iluminado é uma obra-prima de horror catártico, retornando àquele argumento que citei de como King vai construindo a narrativa com várias camadas, preenchendo a trama sobre vício, maturidade antecipada, violência doméstica e falhas humanas, com o toque temporal e simbólico de Overlook como representação da maldade social. Sem sombra de dúvidas, O Iluminado é um dos melhores romances de King e obras de horror de todos os tempos.
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2º – Samurai
Shūsaku Endō – Japão, 1980
Samurai é uma obra de rara concisão que lida com a fé e a política em um momento e local históricos que é pouquíssimo conhecido de verdade. Sem pretensões de ser um tratado histórico, Shusaku Endo captura o leitor que souber deixar em xeque suas expectativas sobre o que é um samurai com uma narrativa íntima e profunda que estuda o lugar do ser humano em um mundo em expansão. Quando a última página for virada, o que fica é a curiosidade aguçada por esse fantástico recorte de um pequeno, mas importante momento da História.
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1º – Duna
Frank Herbert – EUA, 1965
Não é que o livro se passe em um grande flashback, mas os capítulos são iniciados por trechos de obras pós-Paul Atreides em mais um daqueles detalhes incríveis que enriquecem a história. Vejo Duna como um tomo histórico, por assim dizer e, como tal, ele carrega um pouco da frieza “científica” de um historiador tentando aproximar-se o máximo possível do que efetivamente aconteceu, sem uma visão “apaixonada” de um lado ou outro. E, como é uma história contada a partir do seio da aristocracia sobre a aristocracia, mesmo que os Fremen – os súditos nesse contexto – tenham participação fundamental, o distanciamento também é esperado. Então sim, Paul Atreides especialmente é quase que uma estátua de cera em sua forma de agir, sempre abordando o mundo como um tabuleiro de xadrez, jamais (ou quase) deixando suas emoções tomarem-lhe completamente. Paul é um garoto que é obrigado a crescer em pouquíssimo tempo e que aprende que ele é muito – mas muito – mais do que um membro de uma Casa Real que “ganha” Arrakis de presente.
Fernando JG
Como nunca fui leitor assíduo, e leio muito vagarosamente tudo o que me proponho – como quando passei fatídicos 4 meses lendo os dois volumes do Fausto de Goethe -, raramente abro alguma exceção para ler algo que está fora daquilo que faz parte dos meus hábitos. Assim, montei uma lista tradicional, nada atraente ou fora do comum e sempre muito enfadonhamente clássica.
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10º – Malone Morre
Samuel Beckett – França, 1951
Uma das obras mais tematicamente difíceis da modernidade, e uma experiência desconcertante, Malone Morre, de Samuel Beckett, como o próprio nome já diz, coloca luz sobre Malone, homem velho devastado que, à beira da morte num leito de hospital, começa a contar histórias para evitar refletir sobre a sua própria vida numa tentativa de retardar a morte, que vem de modo inevitável. Sombrio e com uma atmosfera de profundo mal-estar, Malone Morre é um daqueles livros que te marcam para sempre.
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9º – O Vermelho e o Negro
Stendhal – França, 1830
Romance chave do realismo francês, O Vermelho e o Negro, de Stendhal, narra a história de Julien Sorel, um filho pobre de marceneiro que tem a ambição como sua única paixão. Consegue galgar lugares inacreditáveis na alta nobreza por meio de arrivismo potente, mas não sem antes colocar-se em encrencas de tirar o fôlego. Um romance psicológico – uma das primeiras experiências na literatura antes da chegada do século XX -, O Vermelho e o Negro é uma obra intensa, que disseca a respeito do amor e do dinheiro com fineza narrativa e riqueza de enredo.
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8º – Ilíada
Homero – Grécia Antiga, 700, a.C.
Epopeia fundadora, a Ilíada, de Homero, é talvez um dos poemas mais poderosos que há. Homero narra a ira de um Aquiles irascível diante da tirania de Agamêmnon, que rouba sua garota. Ao abandonar o conflito, Aquiles, o melhor guerreiro, muda todo o curso da guerra de Tróia. Um clássico trágico, embora épico, a Ilíada é um dos grandes poemas sensoriais que o Ocidente já produziu, te fazendo experimentar a violência através de uma narração cerrada nos detalhes e no apego às figuras e aos aspectos poético-formais. Palpável, a Ilíada te coloca como se num campo de batalha, te levando a sentir até mesmo os cavalos pisando num mar de mortos após guerras sangrentas. Um poema sobre ego, vaidades, orgulho, fraqueza, amizade e honra, o trabalho de juventude de Homero lida com os sentimentos mais inerentes da espécie humana, por isso uma obra-prima.
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7º – O Pai Goriot
Honoré de Balzac – França, 1835
O mestre do realismo, Honoré de Balzac, nos lança na seguinte questão: quão maligna pode ser a ambição humana? No enredo de O Pai Goriot, recebemos este velho homem que, por amor às filhas, deixa toda a sua herança para o cuidado e o crescimento das meninas. Balzac narra a ingratidão tocando numa ferida dolorosa, colocando na situação de enredo um pai que é abandonado por filhas sanguessugas que o largam na miséria depois de crescidas e bem casadas, largando-o até na hora de seu enterro. Balzac, leitor da sociedade como poucos, constrói uma obra dramática e canônica, retirando nossa máscara lentamente, até nos deixar desnudos.
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6º – Fedra
Jean Racine – França, 1677
Quão passionalmente destrutiva pode ser a rejeição? Por trabalhar de modo brilhante o Mito de Hipólito, Fedra, de Jean Racine, é considerada a maior tragédia do classicismo francês. Fedra, casada com Teseu, fica sozinha no palácio após o desaparecimento de seu marido. Tomada de paixão por seu enteado Hipólito, a heroína trágica comete o erro de achar que seu marido jamais voltaria e declara-se para o seu amor mais recôndito, que a rejeita brutalmente, horrorizando-se diante das falas de amor de sua madrasta. Uma peça de amor trágico, Fedra, de Racine, é elegante, comovente e catártica na mesma medida, e mexe conosco pelo desenrolar obsessivo de cada ato que se encerra.
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5º – Antígona
Sófocles – Grécia Antiga, 442 a.C.
O que dizer sobre a tragédia da filha de Édipo? Antígone, de Sófocles, a peça que completa a trilogia da catástrofe dos Labdácidas (Édipo Rei, Édipo em Colono e Antígone), trabalha o momento em que Polinice, irmão da heroína, morre sem as devidas honras fúnebres, em detrimento do decreto tirano de Creonte, seu tio, rei de Tebas. Movida a compaixão, Antígone embate-se com o todo poderoso, colocando-se diante dele como nenhum outro cidadão. Ao ir contra as leis do Estado, mas não contra as leis inalienáveis dos deuses, Antígone enterra seu irmão e assina a sua sentença de morte por consequência do seu erro: Creonte delibera que a matem. O rei, ao agir com aquela cegueira típica a todo herói trágico, causa uma desgraça que elimina, como numa queda de dominós enfileirados, toda a sua família, concluindo um emblemático arco dramático.
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4º – Padre Sérgio
Liev Tolstói – Rússia, 1911
Em 130 páginas, o autor nos conta a vida do príncipe Stiepán Kassátski, que acabou virando o Padre Sérgio do título da obra, em dado momento de sua vida. Com uma narração fria e indiferente, os acontecimentos da vida do Padre Sergio são sempre ligados à sua busca por algo novo, por querer fazer diferente, por nunca estar contente com o patamar (qualquer que fosse) em que se encontrava. Padre Sergio é uma das mais interessantes criações de Tolstói, um enorme prazer de leitura. Certamente a polêmica em relação ao cristianismo pode incomodar aos mais fervorosos desta fé, que geralmente tendem a antipatizar com esse tipo de colocação. O livro é patético por constituição de seu personagem, e nos faz lembrar a existência de muitos, ao nosso redor. Uma leitura recomendadíssima!
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3º – Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister
Johann Wolfgang von Goethe – Alemanha, 1795
Obra máxima do romance de formação, Os Anos de Aprendizado de Wilhelm Meister é um acontecimento para a história da literatura na mesma proporção em que é a Revolução Francesa para a história da civilização. O enredo goethiano narra a trajetória formativa do jovem Meister e o que ele aprendeu durante o seu percurso, deixando para trás velhos ideais e experimentando o novo em todas as esferas da sua vida. Um romance que discute arte, história, filosofia e política, mas também o amor e a descoberta, Wilhelm Meister é prototípico e lança as bases para uma tendência dentro do gênero.
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2º – A Cinza das Horas
Manuel Bandeira – Brasil, 1917
A Cinza das Horas, o primeiro livro de poemas de Manuel Bandeira, nasce num momento delicado de sua vida, já que tinha recebido um diagnóstico de que morreria logo. Os poemas que dão origem ao conjunto, que é carregado de cenas noturnas e lamentos poéticos, dizem a respeito de um sujeito desencantado com o mundo. Um dos livros de poesia mais bonitos e liricamente tristes que a literatura brasileira já produziu, A Cinza das Horas concentra força melancólica por meio de versos metrificados de acordo com o tema e age como se transpusesse o estado de alma do eu lírico adoecido para a materialidade do poema.
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1º – A Montanha Mágica
Thomas Mann – Alemanha, 1924
A Montanha Mágica é o romance mais sofisticado e bem acabado do século XX e considerado por muitos o grande acontecimento na história da literatura moderna. A narração dos anos em que Hans Castorp passa no Sanatório de Berghof é feita com cuidado e grandeza, lidando, em cada capítulo, com diferentes temas e questões cruciais que não são importantes apenas para o jovem Castorp, mas para todo ser humano que é capaz de perceber as distintas sensações que estão ao nosso redor. Um romance de formação de cunho subjetivo e interiorizado, e por isso moderno, A Montanha Mágica é um clássico que não é possível passar incólume por ele. Por ser um livro sublime e contemplativo do início ao fim, a obra de Mann nos toca em núcleos que não sabíamos que existiam dentro de nós, sem deixar de ser profundamente rígido em sua forma literária. Esta é uma experiência da qual todos deveriam ter pelo menos uma vez na vida, independente do tipo de leitor de que se é.