Avaliação da temporada:
(não é uma média)
Gostaria de começar falando sobre as hilárias comparações com as novelas da Record que o público brasileiro fez quando os primeiros materiais da obra foram anunciados. Infelizmente, o design de produção da série não ficou tão distante da chacota brasileira, com cenários, figurinos, iluminação, efeitos especiais, direção de arte e coreografias sendo, no máximo da boa vontade, razoáveis. A exceção seria as maravilhosas paisagens naturais que foram um deleite em todos os episódios. No entanto, confesso que ao longo da temporada a estética da série melhorou – ou seria o costume? -, e até rendeu um dos melhores momentos de ação de 2021 para mim, que é a moça grávida lutando contra alguns soldados no começo do sétimo episódio.
Eu nunca vou entender como aquela ótima sequência foi dirigida pelo mesmo diretor (Ciaran Donnelly), responsável pela péssima direção nos dois episódios finais. Donnelly dividiu a cadeira de diretor na temporada com Salli Richardson, Wayne Yip e Uta Briesewitz. Yip foi de longe o melhor diretor da temporada, tendo assumido a câmera nos episódios 3 e 4, os únicos capítulos com algum nível de criatividade cinematográfica para sequências de aventura e ação. O restante do grupo parece ter competido para quem teria a linguagem mais genérica. Sem qualquer senso de escopo grandioso, construção de set-pieces, escalonamento de suspense – relembrem a horrorosa sequência nos “Caminhos” -, inventividade geográfica ou qualquer nível mais do que básico de direção, A Roda do Tempo é uma experiência de gênero aventureiro totalmente esquecível. Nem entrarei no mérito do risível clímax que Donnelly (não) cria na season finale, seja a batalha em Fal Dara, seja o conflito de Rand com o Dark One, apesar dos vários comentários que vi sobre o orçamento da série ter sido guardado para o último episódio.
E olha que a direção não é o aspecto mais negativo da temporada. Esse troféu vai para o roteiro confuso e a péssima estrutura narrativa do showrunner Rafe Judkins. Eu não gosto de comparações, mas se tem algo que Judkins não entende em relação ao material original de Robert Jordan é o estilo poético dos diálogos e da construção de mundo, como também o foco nos jovens e seus conflitos durante a jornada – algo básico e essencial para qualquer high fantasy e Jornada do Herói comum, como é o caso do enredo de A Roda do Tempo. Não, Judkins não sabe dar foco e prioridade para seus indivíduos mais importantes, em especial seu protagonista e ponto central do clímax; não constrói e muito menos fecha arcos narrativos (o que ele fez com Perrin e Mat é um descaso lamentável); desenvolveu diferentes tramas tangenciais sem uma costura narrativa bem-feita, resultando em diversos núcleos desconexos (como o episódio do Stepin); péssima distribuição de tempo para as figuras da série (como o abismo de construção de Lan em detrimento de praticamente todo mundo); o abandono de desenvolvimento de mitologia após o quarto capítulo; e, claro, não dá para entender como a dramaturgia da obra ocorre mais em torno de romances piegas do que no perigo da aventura.
Pelo texto, fica até difícil entender a nota “regular”, não é mesmo? Bem, eu quase acho o todo ruim, mas a obra tem bons momentos esparsos que não me deixam classificar a temporada inteira como apenas negativa. Eu gosto do encadeamento narrativo dos três primeiros episódios e a construção de mistério em torno da jornada, algo que infelizmente não foi avançado narrativamente. Sou fã de carteirinha de O Dragão Renascido e sua ótima montagem de diferentes núcleos, enquanto apresentava diferentes partes do mundo e culturas, além de desenvolver bons dramas no meio da jornada – o conflito de Perrin e a filosofia dos Tuatha’an continua sendo o meu drama favorito da temporada. Pena que esse estilo foi substituído pela narrativa burocrática e enfadonha na Torre Branca e seus desdobramentos melodramáticos, além de, como eu disse anteriormente, se distancia de onde a série deveria funcionar: a dinâmica dos jovens de Dois Rios. E, por fim, temos Lan, que merece meio HAL sozinho por ser um dos personagens mais bacanas que acompanhei em 2021.
Abaixo, segue a minha classificação para os episódios dessa temporada – com a trinca inicial contando apenas como uma posição no ranking, considerando que não analisei os episódios separadamente. Comente também com a sua lista!
6º Lugar: A Chama de Tar Valon
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A Chama de Tar Valon consegue ser ainda mais chato que o episódio anterior. No quinto capítulo, pelo menos havia um drama de luto emocionante para assistir. Aqui, a jornada pessoal de Moiraine parece ser uma obrigação de dar mais tempo de tela para a estrela de Rosamund Pike, uma justificativa melhor do que acreditar que Judkins deliberadamente gastou 1 hora para chegarmos no exílio da personagem, sem qualquer avanço narrativo substancial para a trama macro ou desenvolvimento de outros personagens. Um drama político fútil, várias conversações enroladas e insignificantes e totalmente sem urgência, A Roda do Tempo parece refletir o personagem de Rand ao longo da série: total indiferença. Para não dizer que é um capítulo totalmente ruim, eu gostei da cenografia e das paisagens naturais, assim como a apresentação da Siuan Sanche (Sophie Okonedo) e seu relacionamento com a Moiraine. Mas as pouquíssimas qualidades não estão nem perto de tirar o gosto banal dessa experiência que não gira (he, he).
5º Lugar: As Trevas nos Caminhos
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A Roda do Tempo é conceitualmente um épico de fantasia, mas sua adaptação parece um romance medieval adolescente. No penúltimo episódio da temporada, termos uma sucessão de momentos cafonas e diálogos bregas dessas paixões aguadas entre Rand e Egwene, e Nynaeve e Lan – até mais intrigante porque o guardião é um baita personagem -, não faz o menor sentido dramático, narrativo, de gênero ou de fechamento de temporada. O episódio é tão morno com seus dramas de cabeceira de cama pós-sexo que ao final fica uma sensação de retorno à estaca zero do episódio anterior, como citei no início da crítica. A única diferença é que o grupo está separado após a anticlimática revelação de Rand.
4º Lugar: O Olho do Mundo
01X08
A Roda do Tempo é uma série completamente medíocre com alguns pontos altos e muito mais pontos baixos. Rafe Judkins teceu uma narrativa sem foco, que não entende causa e efeito dramático ou qualquer tipo de elemento básico da Jornada do Herói de um high fantasy básico em seus maniqueísmos e arquétipos. O autor tenta construir uma narrativa burocrática e fazer expansão de mitologia sem um senso de prioridade para dinâmicas, falhando nos aspectos mais basilares do feijão com arroz da fantasia: execução da jornada e desenvolvimento de bons personagens principais. Para uma história clichê funcionar, a sua trajetória e seus indivíduos devem ser mais importantes que o fiapo da premissa. Não ajuda o fato de que a produção razoável da série e a direção medíocre não conseguem nos imergir no gênero de aventura ou no épico de fantasia. Fica a esperança de que as próximas temporadas melhorem a qualidade. Quem sabe com a ajuda de um feitiço das Aes Sedai, não é mesmo?
3º Lugar: Sangue Chama Sangue
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A Roda do Tempo é uma série que não flui. E se não há fluxo narrativo, não há imersão na experiência de fantasia. O Dragão Renascido parecia ser uma correção de percurso, dando um norte para a série através da montagem, o desenvolvimento de dramas pessoais durante a jornada que escondia os personagens rasos e a manutenção de aventura com o mal à espreita, seja o “Fade” ou o Logain. No entanto, Sangue Chama Sangue prossegue isso fazendo regressão, dando menos espaço para o elenco principal na jornada aventureira e oferecendo pouca substância para os eventos importantes, como a questão do Dragão e desenvolvimento de mitologia. Volto a repetir, a fantasia genérica da série não funciona nesse tipo de narrativa entre quatro paredes, que manifesta as principais falhas da obra. O show não tem bons diálogos ou personagens intrigantes para sustentar isso. O que resulta em um enredo sem direção e uma temporada, agora, estagnada.
2º Lugar: A Partida / Onde a Sombra Espera / Um Lugar Seguro
01X01 a 03
Esteticamente, A Roda do Tempo sofre para imergir o espectador, apesar do ótimo uso de violência visual. Mas o enredo é eficiente dentro da jornada do grupo principal, contando com uma mitologia que consegue encantar e nos deixar enigmáticos dentro de suas limitações convencionais. Em suma, entre resoluções mágicas, monstros, a batida conflagração entre um escolhido que deve se levantar para combater “O Tenebroso”, entre outros típicos clichês de fantasia envoltos por uma intrigante introdução a este mundo, Rafe Judkins oferece uma experiência decente para fãs do gênero em um projeto universalmente acessível, ainda que cheio de falhas.
1º Lugar: O Dragão Renascido
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Depois de 2/3 de calmaria, o terço final de O Dragão Renascido é pandemônio. Menos gore do que no trio de estreia, mas também com melhor direção. Como um leitor bem pontuou na crítica anterior, e eu não poderia concordar mais, há uma sensação de costume com a parte visual. Nada realmente encanta, mas tudo é bem… passável. A direção usa e esbanja de slow motion para enganar a coreografia ordinária, mas há mais inventividade dentro das limitações, inclusive com a sequência florestal usando melhor dos seus espaços e a câmera que pelo menos segura o foco. No mais, o quarto capítulo de A Roda do Tempo é uma bela surpresa. Dispondo de melhores diálogos, inclusive alguns até reflexivos no núcleo “circense”, uma montagem bem cadenciada e uma pegada mais pessoal, O Dragão Renascido faz um equilíbrio melhor entre ritmos e continua naturalmente nos inserindo nesse universo misterioso que, agora, soa mais intrigante dramaticamente.