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Fora de Plano #86 | Pânico (2022): O Slasher Satírico Está de Volta, Mas Vai Vingar?

Ainda há fogo pra queimar?

por Felipe Oliveira
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Que ótimo momento para voltar a Woodsboro, convenhamos. Uma nova tendência cinematográfica tem sido explorada para a apreciação ou insatisfação da audiência de Hollywood, o que abre portas para a ocasião perfeita da franquia Scream retornar para fazer tudo o que representa: um marco revolucionário. Após o encerramento da trilogia, um quarto capítulo veio onze anos depois, mirando a era dos remakes no meio do terror, costurando sua metalinguagem ao contexto da ascensão das Redes Sociais. Mas diante de seu aceno, que trazia Kevin Williamson e Wes Craven trabalhando juntos novamente, o filme pretendia ser a introdução que levaria a saga para lugares loucos, e algumas das ideias consideradas, envolvia a possível morte de Sidney Prescott (Neve Campbell) depois de seu confronto com a prima Jill (Emma Roberts). Na sequência que remetia a uma refilmagem da pós-festa na casa de Stu (Matthew Lillard), Dewey (David Arquette) encontraria sua amiga sem vida, mas Williamson deixaria um gancho ousado ao deixar no ar a informação de que uma das vítimas no chão ainda tinha pulso. Além da final girl Jill, Sidney ou Charlie (Rory Culkin) teriam sobrevivido?

Seria um choque seguir desta forma, com muitas possibilidades interessantes podendo surgir, mas como no terceiro capítulo, Harvey Weinstein causou desavenças ao querer mudanças no roteiro, o que levou à demissão de Williamson que até o último segundo batia o pé para manter a sua ideia, que por fim foi alterada com Ehren Kruger sendo contratado maia uma vez para ceder aos pedidos dos produtores. Por isso, o ato final trazia mais um confronto, agora no hospital com Sidney, Gale (Courteney Cox), Dewey e Jill. O possível contexto plantando se viu morrer junto com a prima psicopata, mas ainda um quinto capítulo viria, mesmo com a recepção ridícula da crítica, resistência por parte do público e bilheteria decepcionante. Por fim, todo o planejamento foi cancelado diante do falecimento de Wes em 2015. Pânico sem Williamson era uma coisa boa ? , mas sem Wes Craven era impossível, até um novo filme ser oficializado.

Felizmente, a equipe escolhida tinha em mente que não poderia avançar para uma nova abordagem sem aqueles que mais tiveram envolvimento para este legado consistente do terror: Williamson, Campbell, Cox e Arquette. Se o nível de incredulidade era altíssimo para o que seria entregue, ter o conjunto que trabalhou no categórico Ready or Not (2019), os roteiristas Guy Busick e James Vanderbilt e os diretores Matt Bettinelli-Olpin e Tyler Gillett, que também vinham da prestigiada antologia V/H/S, começou a acender um pouco de esperança e empolgação para o resultado. E para cada entrevista que prestavam, o coração de qualquer fã dessa saga via a certeza que não seria decepcionado. Bastou o marketing inteligentíssimo, preparando para a chegada do quinto filme para as expectativas pegarem fogo. Embora quisessem esconder o máximo numa divulgação de 3 meses com apenas um trailer, muitas coisas não escaparam da nuvem de especulações como o título sem o “5” dando dica para uma nova franquia estar a caminho, e ainda assim, só servindo para a audiência desejar mais este retorno.

Se o retorno era temido, eles conseguiram compensar: público eufórico e boa parte dos fãs satisfeitos; bilheteria dando um tapa em Pânico 4, recepção da crítica pondo tapete para o trabalho feito, além da liberdade do estúdio em deixar o filme tomar forma sem meter o dedo. E não menos importante, o hype. Ou seja, eles receberam todos os sinais para levar a franquia para um lugar inédito sonhado por Wes e Williamson, mas até onde demonstraram empenho?

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A abertura: não é a melhor, mas mostra competência

Uma regra para auto reflexão que Scream 4 deixou com Facada 7 era de que a franquia não podia se enforcar no próprio argumento e se tornar sem graça e manjado ao fazer de cada capítulo a sátira da vez com um vilão mascarado pondo as cartas na mesa. É um cuidado a ser tomado numa saga que pede para se reinventar, e Busick e Vanderbilt precisavam entender isso, considerando que, Williamson ter voltado para o quarto capítulo, não poupou muitos de apontarem como o filme caía no que criticava. Ironia ou ignorância? O primeiro indício que o novo Pânico estava indo para um caminho promissor, felizmente, é notório a partir da fundamental abertura.

Ponto de identidade de Scream foi iniciar a sua popularidade com uma abertura que não entregava qualquer minuto batido em um filme de terror, e aqui está a prova de que era necessário mostrar a que veio. Apesar de ser um momento aparentemente entregue no material de divulgação, o que esperar de um remake da emblemática abertura de Casey (Drew Barrymore)? E se tinha alguma dúvida, Jenna Ortega prova que ela não entrou para ser a nova estrela em ascensão para chocar, mas se fazer falada por mais uma performance fenomenal de sua carreira na pele de Tara.

Apontando agilidade, o roteiro dessa recente façanha pode se assemelhar ao que Pânico 4 fez em muitos aspectos, que soube aproveitar da simples oportunidade com a criatividade em mãos. Se o capítulo anterior falava de remakes fazendo uma discreta refilmagem do original enquanto confundia os fãs com elementos conhecidos, Pânico utiliza de Stab para adentrar na sua metalinguagem que mirava mais uma vez a leitura dos fãs para seu querido produto, porém, o dedo vai mais fundo na ferida ao cutucar um outro lado do fandom, cortando também para a terminologia do pós-terror, batizada por um crítico para rotular o que ele enxerga como um exercício mais elevado, sofisticado do terror. O terceiro ponto evidenciado na abertura é o atual momento de requels em Hollywood, e por último, a subversão.

Protagonizando a cena, Tara divide sua atenção com um chocolate quente que prepara, as trocas de mensagens com a amiga Amber (Mikey Madison), e com um suposto amigo de sua mãe que insistentemente liga ao telefone fixo. Como Charlie do quarto Scream, é assim que a pessoa do outro lado da linha se identifica. Papo aqui e ali, começa a falar qual seria o filme de terror favorito da jovem. “The Babadook“, com o argumento de que é um incrível terror sobre maternidade e luto. E ao tentar explicar sua preferência, diz que é assustador, mas um articulado num contexto emotivo, reflexivo e complexo. Novamente, chegando uma década depois do último capítulo, Pânico precisava reunir os aspectos que têm rondado o horror durante esse tempo, e o pós-terror não poderia ficar de fora. Se outrora esses elementos pudessem ser percebidos em qualquer outro filme do gênero, ou melhor fundamento num terror psicológico, um crítico pensou realmente que encontrou ouro ao criar uma divisão notando tais características em longas com premissas similares, mas precisamente, quando assistiu Ao Cair da Noite (2017) e uma porrada dentre vários títulos que supostamente integram um movimento envolto no terror elevado, aqueles superiores ao típico B genérico. Imagina não ter assistido a um Parque Macabro (1962), mas é fácil criar rótulos para categorizar o que não se entende.

Seguindo a amolação, o Ghostface esquenta seu jogo falando como esse momento, uma garota na cozinha, uma ligação estranha se parece com o início de um filme. Para o telespectador, Casey não está queimando pipoca, para Tara, isso se assemelha mais a uma cena de Stab. De imediato, as perguntas do Cara de Fantasma parecem fáceis e bobas, e pensando um pouco mais, o tom de deboche e mescla com a captura de nostalgia estava presente. Em 1996, o cenário do slasher estava afetado a ponto de diminuir o interesse do público em franquias que tinham se perdido, por isso, às perguntas direcionadas a Casey remetiam aos títulos clássicos que consagraram Michael Myers, Jason Voorhees como ícones do subgênero.

Com Tara, as indagações se voltam ao primeiro filme fictício inspirado nos crimes em Woodsboro; o início de uma franquia que mede a magnitude alcançada dentro da cidadezinha. A façanha perigosa de perguntas era uma resposta de Williamson ao que slasher tinha se tornado e como era retratado na mídia. Agora, a partida reflete o nicho que revisita. Nisso, Pânico entra na linha de requels de maneira inteligente quando até a casa de Tara é uma réplica da casa de Casey, com detalhe até mesmo a árvore com um balanço pendurado em frente a residência, e com Facada, há até uma piada interna quando o Ghostface questiona quem interpretou Casey na adaptação, por a atriz Heather Graham ter confundindo muitos com a adição de Marley Shelton em Pânico 4E uma colher de chá é que, depois de vir com cada ideia ruim para as sequências, Tori Spelling — até onde se pode dizer — não voltou como Sidney no mais recente filme de Facada.

O Ghostface sabia quais perguntas fazer para Tara, que prefere o terror elevado: “Já disse, eu não conheço esses filmes. Me pergunte sobre Corrente do Mal, Hereditário, A Bruxa“. E a julgar pelo nível amador do joguinho, só um fã de Stab se importaria com perguntas sem muita elaboração, o que sinaliza que mais um apreciador da saga fictícia está obcecado em reiniciar o massacre.  Quebrando a atmosfera que não parecia ameaçadora, a virada vem quando Tara começa a reagir ao stalker no telefone, que tinha Amber na ponta da faca caso as respostas fossem erradas. Ao correr para lutar pela amiga, Tara fica cara a cara pela primeira vez com o vilão, revidando seus golpes. No desenrolar, as expectativas começam a ser manipuladas sobre como terminaria essa cena, com a jovem sendo empalada na corda do balanço como Casey, ou perderia o ar em sua luta sem conseguir usar o inalador, a medida que percebemos uma das versões mais brutais do Cara de Fantasma até então.

Com o inesperado como o novo clichê sendo uma regra para encher a audiência com as reviravoltas mirabolantes, Pânico envolve sua metalinguagem em um passo ousado de subversão ao colocar Tara como aquela que sobrevive a cena inicial. Coisa cogitada desde o primeiro trailer, mas se mostrou uma escolha empolgante para o que seria feito a seguir. Embora a abertura tenha perdido o impacto de sua brutalidade ao ter um desfecho abrupto, conseguiu ser sagaz ao introduzir de maneira debochada a sua linha de abordagem.

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Elenco promissor, miolo frouxo

Depois de introduzir uma das principais estrelas anunciadas como parte do elenco, é a vez de apresentar a nova protagonista, Sam Carpenter (Melissa Barrera), irmã de Tara. Longe de Woodsboro, a misteriosa irmã mais velha precisa voltar à cidade ao saber que sua maninha foi atacada. Quem acompanha ela nessa viagem é Richie (Jack Quais), o namorado meigo e protetor. E aqui vai um dos primeiros aspectos que podem não ser tão animadores para o filme que está desenvolvendo seu comentário acerca de requels, e ironicamente usa de ideias ruins escritas para justificar as sequências enquanto leva esse mecanismo como background do protagonismo da vez: a dupla tem uma intenção boa no roteiro, mas não deixam de funcionar de maneira apática.

Mais caminhando para os poucos momentos em que linka seu escopo no primeiro ato, o casal tem um diálogo interessante ao conversarem sobre os filmes de Stab, trabalho que Richie desconhece e Sam explica que a maioria é inspirado nos eventos ocorridos em Woodsboro e que, em tempos em tempos, alguém obcecado pela história inventa de recomeçar a matança na cidade matando os amigos para se tornar famoso, sendo a última vez em 2011. O que dá um update lógico de como Jill morreu conhecida pela sua outra face, mas como seria a história com uma vítima e um dos Ghostafaces sobrevivendo? Mas o maior ponto curioso da conversa se deve a quando Sam questiona se seu namorado nunca viu um filme sequer de Facada, e ele responde “nem vi ‘...E O Vento Levou‘ e isso não faz falta a minha formação cinematográfica“, o que implica a um comportamento no meio de fandoms, porque, Stab é uma franquia famosa por conta da história que se inspira e como repercute culturalmente, então, na defensiva, ele faz comparação a um filme importante que chamou a atenção e gerou discussões acerca da retratação de afro-americanos no cinema.

Não bastando o apelo fraco de Sam como protagonista e suas interações com Richie soarem constantemente melosas, o Ghostface aqui é sempre violento, mas também é afetado por cenas anticlímax que fazem exatamente o óbvio sem o mínimo de construção nos momentos mais esperados quando o assunto é sua presença: perseguições. Substituindo o perfil que intimida, exemplo da abertura, a versão aqui apresentada oscila com um vilão que ora protagoniza cenas bem elaboradas, e outras, é especificamente conveniente. A primeira cena com Wes (Dylan Minnette), Amber, Chad (Mason Gooding), sua irmã gêmea Mindy (Jasmim Savoy Brown) e Liv (a promissora atriz estreante Sonia Ammar) remete a memorável discussão do filme original com Sidney e os amigos sentados no chafariz próximo a escola, para mais adiante, outro papo dinâmico com o novo elenco ser cortado ao trazer um conflito ridículo num bar, e o proveito que deveria ter com a figura de Vince (Kyle Gallner) sendo desfeito em seguida com seu desligamento pontuando um dos casos mais sem inspiração, muito por conta do corte da edição dando um intervalo abrupto de uma cena a outra. Certo que sua participação é justificada, mas a impressão é que os roteiristas tinham muitas ideias e não souberam selecionar como as agregariam ao resultado final.

O que expressa essas oscilações de momentos que não contribuem tão bem como pensado, é o ataque contra Vince anteceder o primeiro contato de Ghostface com Sam: Vince se assemelha a um caso deslocado da direção, enquanto a ligação para a sra. Carpenter deveria casar com uma condução que cresce à medida que o vilão vai se revelando ainda mais na cidade. E é essa a maior falha de Pânico: os momentos espalhados não se conectarem com impacto para um movimento que está recomeçando na cidade. Pânico 4 ia numa conjectura crescente que interligava os eventos com a era atual digital e as proporções que os crimes iam assumindo nesse cenário. E o texto de Busick e Vanderbilt perde tempo entre sequências sem um tom muito bem definido, piadas infantis e o erro constante de tornar o passado de Sam uma grande questão. Embora a maior sacada seja refazer o primeiro filme enquanto um requel.

Certo, ela é filha de Billy Loomis, o que é aceitável por ser uma lacuna vaga que pode ser retomada, mas não dá pra encaixar tudo no pacote de motivação e sátira às ideias terríveis das continuações de filmes tirando do buraco conexões, quando bastaria uma menção a isso que alcançaria melhor o tom do argumento ser ridículo demais para ser usado e estar sendo usado. E para dar peso a essa informação óbvia de Sam ser filha de um psicopata, claro, ela tem medo de ser como o cara que ouviu a história, soube dos crimes e por isso sofre de alucinações, o que envolve agora outra escolha questionável do longa em trazer Skeet Ulrich para uma participação.

Como um bom requel, tudo tem que remeter ao original, os mais nostálgico e emotivo possível, está na veia desse nicho sendo explorado. A boa notícia é que que parece que os roteiristas imaginavam o quão batido e superficial isso soaria que expressam uma urgência neste arco, desconstruindo o alongamento desse suspense e antecipando resolução com Sam indo falar para Tara quem era seu pai depois de se sentir culpada pelo ataque que a irmã sofreu e pelo o Ghostface dá entender que ela era o motivo, porque, os pecados sempre voltam. Ponto é que esse é o background que define a complexidade e passado complicado da nova protagonista, mas nada disso realmente empolga, ainda que seja encerrado até o final do filme e esteja pela simples conexão ao passado.

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Requels: revistar é a nova moda

Para os inúmeros elogios rendidos ao filme, seu melhor proveito não ficaria só na abertura. Era questão de tempo apontar o desenvolvimento com uma direção mais ágil de Bettinelli-Olpin e Gillett, e eles encontraram esse caminho. Já era esperado diante da prevista informação de que o trio principal conduziria os novos personagens para desmascarar o Ghostface, com Dewey sendo a ponte, e quando isso começa a tomar forma, fica claro que era o momento que os diretores mais queriam explorar ao comandar o que foi preparado para este retorno. E não é muito difícil que, bastando o aposentado xerife novamente manco dar as caras, um tom interessante ser percebido quando Pânico adentra a sua temática: a sequência-legado. A primeira parte precisava ser fundamentada, mas também entregou um enchimento de linguiça que quem gosta de falar mal de Pânico 3 e 4, vai ter outro exemplo de desenvolvimento fraco com o requel aqui. Se achavam que Scream 4 se parecia demais com o que criticava, o novo capítulo se entregaria fácil aos exemplos ruins das sequências se continuasse insistindo no insosso arco de Sam.

Ao pedir ajuda de Dewey para entender o que está acontecendo, Sam ativa o sentimento de amizade, compaixão e altruísmo afogados no álcool e sensação de fracasso do antigo xerife. E foi belo como Arquette se envolve com o seu personagem e canaliza a emoção ao ligar para Sidney e pedir que a amiga haja o que houver, não retorne a Woodsboro. Ainda mais devastador, foi ter de contatar Gale, que agora lidera um programa televisivo. Mais a frente, Pânico vem com uma das cenas mais empolgantes ao dar destaque para os gêmeos e sobrinhos de Randy (Jamie Kennedy), Mindy e Chad, com Mindy roubando a cena com seu monólogo explicando que o Ghostface da vez está trabalhando em cima dos requels, porque Facada 8, comandado pelo diretor de Entre Facas e Segredos, foi uma decepção para os fãs que não curtiram a inserção de crítica social e uma protagonista perfeitinha, o que justifica a ausência de Spelling no elenco.

Qual o problema de crítica social em terror? Jordan Peele é muito bom nisso.” Uma pausa para outra cutucada certeira de Pânico a tendência forçada de inserir crítica social em filmes de terror para mostrar que estão seguindo o fluxo de subtramas e personagens desconstruídos com um didatismo textual. E exemplificar com a abordagem de Peele pontua que sua pegada, críticas sociais, não combinam para todo título do gênero. “Nenhum problema. Mas não combina com Facada. A franquiaFacada’ de verdade tem enigmas sangrentos, ponto.” Scream e Halloween (1978) fazem crítica social em suas tramas, mas personificam com agilidade através do Cara de Fantasma e Myers essa contextualização, diferente de parecer emular num personagem um tweet de desconstrução.

Não se pode reiniciar uma franquia do zero. Os fãs não vão engolir. Brinquedo Assassino, Noite do Terror, Linha Mortal.” Ou seja, aqui vão exemplos da lógica básica de atualizar um filme para o contexto atual, como Natal Sangrento (2019) pegando o contexto de Black Christmas (1974) que abordava o slasher e a violência contra a mulher, e trazendo para reflexão um retrato feminista sobre o patriarcado, enquanto também é um slasher. Embora tenha funcionado ao retratar o machismo estrutural, o longa não agradou na sua ideia de ser um título subversivo para o subgênero na sua crítica social que parecia não ter equilibrado tão bem as duas frentes. Se sequências não funcionam, na regra dos requels, não pode ser reboot nem continuação, mas precisa aproveitar algo já elaborado. Novos personagens sim, porém, carecem de estar conectados aos personagens clássicos, e o enredo, em algo que remete ao original. “Halloween, Exterminador, Star Wars, Ghostbusters, Jogos Mortais, Jurassic Park.” E se juntando ao nicho, O Massacre da Serra Elétrica: O Retorno do Leatherface chega um pouco depois de Pânico estrear nos cinemas dando sua martelada.

E mantendo a qualidade, Bettinelli-Olpin e Gillett retomam a construção de cenas mais tensas ao colocar um ponto que faz vibrar no slasher: quem é o próximo dos novos personagens? De acordo com as regras, o próximo está ligado a alguém já conhecido da história, e entramos na tramoia do Ghostface com a direção manipulando quem receberia a facada: Wes ou a xerife Judy? Um barulho de porta rangendo dava o sinal da presença do vilão, mas em que momento do personagem se virando daria de cara com o killer? Mesmo o roteiro dando a isca falsa — e toda vez numa dinâmica corrida — de que Sam estaria por trás dos crimes diante de suas alucinações e seu pai dizendo para ela abraçar seu verdadeiro eu como filha de um psicopata instantes antes da xerife receber uma chamada do assassino, a sequência não perde força. O roteiro caíria mesmo no óbvio da filha seguindo os passos do pai com desculpa da sacada ser ridícula?

E são ótimas as investidas que comprovam que Ghostface é um fã amador e pertubado, já que toda vez que liga não deixa de perguntar “Qual seu filme de terror favorito?“, além do sarcasmo “Vou te contar tudo. Liguei para me entregar.” Dos ataques, o vilão só conseguiu matar um, Vince, e o jogo com a xerife é se ela chegaria a tempo em casa de encontrar o filho vivo, que tomava banho. “Como sei que você está perto dele?“, “Você já viu Psicose?”; aí corta para o enquadramento exato do chuveiro, como no filme de Alfred Hitchcock, que trazia Marion Crane (Janet Leigh) antes de ser surpreendida por Norman (Anthony Perkins), como uma forma de referenciar os clássicos, e controle das expectativas. 

Além do sobrenome Carpenter das irmãs Sam e Tara nos lembrar do diretor de Halloween original, antes do ataque seguinte do Ghostface a Tara que se aproximava de um canto escuro da cozinha, a cena remetia também ao ato final da luta de Laurie (Jamie Lee Curtis), abordada por Michael que surgia do escuro para surpreendê-la. Em outro exemplo de violência, a xerife é atraída para sua casa com o Ghostface à espreita esperando o momento certo, prova uma versão implacável que não se acovarda em plena luz do dia. E volta-se agora para dentro da residência, com a tensão de que Wes seria o próximo. Casacos pretos causando a impressão de que era o roupão do assassino,  a trilha sonora anunciando o ataque toda vez que o jovem abria uma porta enquanto preparava os pratos e talheres para o jantar com a mãe, foram artifícios muito bem aproveitados na criação de uma atmosfera que sabia atingir o risco da expectação. A coisa toda termina com o killer que já estava dentro do local, abrindo a porta apenas para ranger e atrair o jovem para sala, onde executaria seu objetivo.

Depois de Dewey, agora é a vez de Gale aparecer, retornando a Woodsboro. O reencontro do antigo casal evidencia o porquê da separação em diálogo maduro e emotivo. E falando em maturidade, isso é algo evidente na personalidade de Gale que tem sempre uma ironia na ponta língua, agora com a ausência da agressividade e arrogância, o que é ótimo para mostrar que o conhecido trio está em estados diferentes de suas vidas, sendo Sidney mãe de três filhos, duas meninas e um bebê e estar casada com Mark (Patrick Dempsey), o detetive de Pânico 3.

Trazendo mais detalhes sobre Stab 8, a premissa concebida ficticiamente por Rian Johnson, recebeu o título de Stab, sem números, mas tentou ir num caminho diferente dos requels criando uma espécie de remake que não trazia apenas crítica social e protagonista perfeitinha, mas um Ghosftace claramente revelando ser um homem sarado, já que o roupão preto parecia mais uma regata, sua máscara era metálica e as armas variavam de lança-chamas a machados e facões.  E enquanto Richie assistia a um vídeo do Youtube sobre o recente Facada em vez de assistir de fato ao filme, um easter-egg nos vídeos sugeridos confirmava uma das ideias que Wes e Williamson usaria no quinto filme que fariam: Kirby (Hayden Panettiere) sobreviveu.

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A despedida

Outro acontecimento entregue foi que Dewey seria morto, justamente para mostrar que o requel aqui teria consequências reais, e a regra da nova década é que as mortes precisam ser chocantes. E mantendo a turbinada que o filme recebe a caminho do seu segundo ato, voltamos para aquela que rouba a cena e veio para subverter as regras sem lacração: Tara.

No hospital e a ameaça do Ghostface fazendo ela ser mudada para um andar de difícil acesso e vigilância minuciosa, o ataque duplo do assassino contra Judy e Wes, mobilizou um reforço dos policiais à residência, deixando o caminho sem interferências para terminar o que começou com Tara. Andar com corredor vazio, a jovem Carpenter tendo que usar cadeira de rodas por conta da perna fraturada, e o vilão presente. Elementos suficientes para outra dose de terror, à medida que Sam e Dewey se dirigem ao hospital para impedir o ataque.

Bettinelli-Olpin e Gillett podem ter esquecido de dar as cenas estúpidas de personagens burros subindo escadas, mas mostraram que sabem usar do perigo iminente como ferramenta de tensão e pânico. Enquanto Tara transita pelo local desesperada, a chegada de Richie como alternativa de resgate é frustrada pelo Ghostface que agora faz um jogo com Sam para escolher entre a irmã ou o namorado. E a sequência emplaca com mais um movimento fresco do vilão que caminha na decisão para as possíveis vítimas indefesas. Pela primeira vez aqui, durante uma chamada, o killer dá uma dica do que está desempenhando ao falar que Sam não é digno “desta franquia” por não saber optar entre duas pessoas que ama. Como Mindy tinha antecipado, a dança é sobre recriar o filme que Stab merece, com uma sequência-legado.

A cena ganha mais força com Dewey e Sam chegando, e um confronto do Ghostface e Dewey sucede com o vilão sendo abatido por vários tiros. Neste detalhe, apesar do presumido momento de que um querido personagem diria adeus tenha perdido o impacto, o roteiro convoca duas “regras” clássicas que não podem ser contrariadas: distração e descuido. Instantes antes, Dewey tinha advertido a protagonista sobre ligar para irmã que estava sozinha no hospital, justo porque a ligação chamaria atenção e distrairia Tara de se proteger. Ao esquecer de dar o tiro decisivo para derrubar o killer, ou seja, na cabeça, Dewey é interrompido por uma distração: uma chamada de Gale. Ou conveniência para seu desfecho brutal?

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Bem-vindo ao terceiro ato

Se a revelação de Jill e Charlie foram as mais cínicas e loucas até então, Pânico pode ter encontrado um novo momento insano para tirar a máscara. A morte de Dewey se tornou o motivo do retorno de Sidney à cidade, para então garantir que mais ninguém importante, inclusive sua família, seria afetada. O reencontro que faltava, dela e Gale foi sucinto e emocional, e amarrou bem essa revisitada ao trio principal de maneira satisfatória. Exceto pela cena que começa óbvia e termina óbvia com o ataque contra Chad, a ida do segundo para o terceiro e último segue mantendo o ritmo de agilidade do filme. E se a primeira parte não foi capaz de mostrar um texto alinhado com a metalinguagem que começou, agora o roteiro continua investindo em jogar com as regras, bagunçando com o que está sendo subvertido. É como se chegar em sua melhor parte desse uma perspectiva de que o desenvolvimento estava blefando com o potencial, sendo ruim com vontade em vários exemplos, mas sabendo mostrar que entende quando precisa.

Se torna mesmo outra coisa, até mesmo mais empolgante quando Sam não está sendo limitada como isca para falsos twists e retrato traumático por conta de Billy. Saindo dessa camada, a personagem consegue expressar personalidade, o que rende uma interação interessante e bem-vinda com Sidney e Gale, sendo o diálogo entre as três servindo discretamente para falar mais uma vez de fandom quando Gale se refere a ela e Sidney como parte da origem dessa história e pedindo mais respeito por isso. Olha como são f*d*s, não é? Mas a intenção é dizer algo mais para lógica das requels, de que Sam não pode ser a nova protagonista sem passar pelo trio principal. Remakes atualizando a linguagem? Não, tem que ser novo e raiz. 

Brinquedo Assassino trouxe um Chucky em 2019 que parecia ter passado por um procedimento estético mal sucedido inserido num contexto moderno, e até foi bem em seu conceito, mas nada comparada a série do Syfy desenvolvida por Don Mancini e Nick Antosca quase simultaneamente ao filme, e que chegou depois arrebatando o hype por fazer requel em formato televisivo. Pegou o ponto? Antecedendo a chegada de Gale e Sidney a casa de Stu, uma sequência pulsante está alternando para quem seria o killer. E numa roda de acusação e euforia, Amber se revela disparando um tiro contra Liv. O ápice atinge uma nota insana, e com muita linguagem corporal e performance desconcertante, Mikey Madison rouba a cena com sua entrega, além de inserir uma nova fala memorável para a cena de revelação: “Bem-vindo ao terceiro ato“. A partir daí, o texto vai se assumindo cada vez mais consciente do que está discutindo, porque, enquanto aterrissa em um dos momentos mais aguardados de um filme mantendo o elemento surpresa, quem está por trás dos crimes da vez acredita que está conduzindo um feito genial.

Amber corre em frente a varanda para recriar a cena original de Stu e Randy implorando pela confiança de Sidney, enquanto Gale e Prescott contemplam a tentativa com todo o desdém possível por estarem diante de um vilão que não tem nada de criativo. Em outras palavras, elas reagem com negação a esses pequenos momentos de que tudo tende a remeter a Stab, e para nós, Scream. O roteiro de Busick e Vanderbilt ao mesmo tempo que tem os easter-eggs que refletem a franquia, cutuca a busca tendenciosa por nostalgia e referência que Hollywood tem influenciado. Mindy veste uma blusa e calça da mesma cor da roupas que Jamie Kennedy vestia quando foi quase atacado pelo Ghostface em Pânico, e a cena que a fã especialista de filmes de terror é golpeada, acontece em sintonia enquanto ela reassiste a Stab, com Christopher Speed sendo o Randy da adaptação. Isso tudo afirma como esse novo capítulo segue a receita, mas está o tempo todo criticando essa cultura que nomeia como genial tudo que é referência. Então, o pequeno ataque contra Mindy seria no mínimo mind blowing?

Se o texto de Gale por vezes fala pelo fandom, as falas de Sidney estão em constante rejeição, impaciência e questionamento para a lógica dos requels. “Tem dois de vocês, de novo. Já vi esse filme antes.”, “Não este filme, Sidney”, “Vocês precisam mesmo de material novo.” Olá, Hollywood, qual sua fórmula comercial favorita? — “Trouxe você aqui, não é?, “Você deve ser o mais intimidador de todos. Meu Deus, a mesma casa?” A conversa afiada poderia continuar rolando, mas Sidney não veio com saco para aturar o papo de que sequência boa tem nostalgia e desligou na cara. Faltou perguntar “Qual seu filme de terror favorito?”, não?

Ninguém fez um bom filme desde o primeiro ‘Facada’“. Ou traduzindo a fala de Richie — oops, espera. Não disse que o par romântico é o outro Ghostface? Se isso não basta, o cara também usava camisa estampada como Billy e Jill, levou um corte e recebeu um curativo como a prima de Sidney, por aí vai — “Só o primeiro filme presta“. “Como os fãs são tóxicos? Hollywood está completamente sem ideias, então decidimos dar uma nova inspiração a eles. Voltar às origens.” Então, a ideia aqui é de recriar os crimes reais que inspiraram Stab para servir de material a uma Hollywood que não sabe como satisfazer os fãs. Se era esperado que a dupla louca da vez diria o quanto foram afetados pela história de Sam, os fãs lunáticos por filmes de terror só precisavam dela para encobrir o que fizeram: a filha do serial killer fez tudo isso para vingar a morte do pai, trazendo Sidney de volta à cidade. “Não dá pra fazer um Halloween sem Jamie Lee!!!“. Scream poderia ser um reboot para a nova geração para lucrar nas bilheterias? Claro, mas não daria pra apresentar Sam sem os personagens clássicos, da mesma forma que não daria para trazer outro Halloween sobre Michael Myers sem Jamie Lee Curtis e sua Laurie Strode, que depois de tanto ser desvalorizada como personagem na primeira franquia, agora retorna com uma trilogia que quer compensar os erros do passado com segundo round digno de Laurie contra Michael.

Se nos dois primeiros filmes Williamson debatida a repercussão midiática em torno de tragédias e a polêmica que filmes de terror influenciavam crimes reais, Vanderbilt e Busick ultrapassam a linha entre indústria e cultura pop e decide indagar se a carapuça também serve para nós, público, que tem amado essa tendência de requels. Falou de nostalgia, subversão e sequência-legado, mas também deixou a última reflexão para o fandom. Reclamamos tanto das sequências que fogem do original, que não possui a mesma força, tudo pela ótica da comparação, e por que a saída não seria uma ideia que fazem as duas coisas? É uma continuação, mas que também não se distancia totalmente do valor clássico que iniciou.

De maneira nenhuma Scream está sendo ingrato com os fãs, afinal, sua homenagem reverencial ao original é bem-vinda e emocionante,  mas a metalinguagem não seria tão eficiente se não examinasse todos os pontos desse quadro atual de produção em Hollywood. O padrão Scream é iluminar o sintoma, e não repetir a falha — ao menos não todas. Pegamos como um exemplo mais uma vez Pânico 4. Em 2011, o filme debatia a tendência do momento que era os remakes, e usava do original e Stab para reforçar seu argumento e por muito pouco, estava assumindo também que levaria sua história para outro lugar com Sidney ou sem Sidney. O ponto é que naquele momento a roupa de Jill, a recriação da cena final na cozinha, e outros elementos não eram medidos por referências, e sim, como motor para a metalinguagem. Uma década depois e o retrato de utilização do próprio universo, a leitura de referência tomou outra percepção e atingiu diferentes aspectos, como o fan-service. Nisso, como em Pânico 3, Scream fala abertamente de um tópico que não se resume a um só gênero na indústria cinematográfica.

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Expectativas

Em entrevista, a dupla de diretores falou que a intenção não era fazer uma nova franquia como o título sem acompanhamento de numeração dava a entender, e agora sabemos que a escolha corresponde ao padrão dos requels. Então, além de imprimirem um argumento consistente apesar das falhas em seu trajeto, Pânico supera as expectativas do que poderia debater na metalinguagem, deu conta de reunir vários tópicos e se desfez de Dewey para não ser lembrado como mais do mesmo, mais um da sequência-legado. Teve boas intenções, mas não foi longe além de querer conquistar bilheteria. Essa análise o próprio roteiro já tinha consciência ao refletir até mesmo como poderia ser visto pela crítica e público. Ou seja, sabiam que tinha algo bom em mãos, e que iriam cutucar a casa de marimbondo.

Por último, Scream entende que não dá mais pra se prender ao original. O quarto título usou o primeiro filme como um remake simulado, e este, para outra leitura: ao mesmo que homenageia, debocha da caricatura datada que o movimento revolucionário causado em 1996 alcançou diante da repercussão saturada. Por isso, diferente das demais sequências-legado que usam uma base para introduzir o novo produto, o filme de Bettinelli-Olpin e Gillett refaz muitas cenas e encheu os planos de easter-eggs nos mínimos detalhes, para cutucar fundo o papo de fandom. Mas tudo se remete em pontos similares de que o principal ainda é referência, coisa que até os críticos argumentam quando sequências estão em avaliação: os primeiros foram melhores. Então, como Williamson e Wes, os diretores e roteiristas reconhecem que há muito mais para se dizer numa franquia que se desafia a reinventar. E sua base não pode cair no filminho de metalinguagem batida com assassino. Esse era um risco em 2011 e não deixa de ser agora.

Os muitos caminhos que o filme traçou para atender ao molde propositalmente genérico e de ainda tornar isso relevante, acabou que foi fraco mesmo, mas não ofuscaram como a premissa vai crescendo e se tornando promissora e compensadora. As expectativas é que estão prontos para levar a franquia para um lugar realmente fresco.

Com Cox expressando interesse em retornar, Campbell topa se não escreverem a morte de Sidney e o roteiro for bom mais uma vez. Então, a probabilidade é que agora recebam um arco maior agora que não tem mais os requisitos dos requels para atender. Além disso, tem Tara, que mesmo servindo para subversão de não morrer na abertura, não lhe faltam possibilidades para acrescentar ao seu grande acerto. Também entram os sobreviventes Mindy e Chad, e claro, Sam. Por fim, o retorno mais do que esperado de Kirby, agora que foi confirmado que está viva.

É só questão de tempo para saber o que estão preparando.

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