Home Colunas Fora de Plano #95 | Mostra de Curtas Gaúchos (Festival de Gramado 2023)

Fora de Plano #95 | Mostra de Curtas Gaúchos (Festival de Gramado 2023)

Apreciando a produção de curtas no 51º Festival de Gramado.

por Frederico Franco
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Na tarde de 12/08/2023 foi realizada a primeira parte da Mostra Assembleia Legislativa de Curtas Gaúchos, no contexto do Festival de Gramado. Entre as 13h e as 16h30 foram exibidos treze dos vinte e três filmes contemplados por esse espaço na programação. Neste breve texto, tecerei breves comentários acerca daqueles filmes que, ao meu ver, mais se destacaram dentro dessa curadoria. Amanhã, após as exibições dos curtas restantes, será realizada a premiação da referida mostra, com presença do cineasta André Novais de Oliveira no corpo de jurados.

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Paixões e pulsões humanas

O filme de abertura da mostra, Messi (dir. Henrique Lahude e Camila Acosta) apresenta o jovem Edu como seu protagonista. O filme se passa durante as quartas-de-final da Copa do Mundo de 2022, ao longo do jogo entre Argentina e Holanda – vencido pelos hermanos na disputa de pênaltis. Aqui, paixão e religião se misturam na casa de Edu e seus parentes. Entre promessas, rezas e euforia, o filme concebe um olhar do futebol enquanto uma força tão brutal quanto a da tradição religiosa. Como disse Eduardo Galeano: o futebol é a única religião sem ateus. Assim sendo, segundo o historiador uruguaio, o encanto causado pelo futebol é uma espécie de religião: é necessário crer, experimentar, sentir seu gosto para, assim, acreditar naquilo que se passa perante seus olhos vidrados em um campo de um estádio.

Tremendo trovão (dir. Rubens Anzolin Fabricio) é um curta-metragem que dança entre o experimental e o filme ensaio. É um filme, sobretudo, sobre arte e a necessidade humana de criar em meio ao caos da vida cotidiana. Entre memórias, levantadas por imagens de um passado nem tão distante, o diretor conduz o espectador entre imagens luminosas: luzes essas que podem representar a paixão humana ao se entregar por inteiro à atividade artística. A arte é um elemento compreendido como elemento inato do ser humano. A narração, poética e delicada, lembra as recorrentes inserções de Waly Salomão nos filmes do cineasta Carlos Nader. Poetas apocalípticos que costuram uma errante linha narrativa que não busca de jeito algum dar um sentido claro ao filme.

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Um olhar para o passado

Uma simpática senhora vive sua vida isolada dos netos e de outras pessoas, até que encontra um baú de fotos que a transportam para seu passado. Flora (dir. Ana Moura), é um tocante retrato de uma pessoa que, hoje, parece não ter uma vida ativa. O retorno ao passado se dá com imagens de um lirismo absolutamente acertado, criando imagens através de um caleidoscópio e distorções de lente. Em dado momento, os planos lembram, inclusive, as transições entre passado e futuro dos filmes de Carlos Reygadas. Inevitavelmente, o filme cai em algumas armadilhas didáticas que apenas verbalizam aquilo que as imagens por si só já são capazes de apresentar. Contudo, a parte boa se sobressai. Acompanhar a vida solitária da protagonista e seu encontro consigo mesma lembra uma frase de Anton Tchekhov: “quando não há vida real, a gente vive de miragens“.

Em Glênio (dir. Luiz Alberto Cassol), acompanhamos a trajetória de vida do crítico de cinema gaúcho Glênio Póvoas. Além de conhecer um pouco mais da vida do escritor, ainda somos apresentados a seu amor incondicional pelo cinema – que precede inclusive sua existência, como contado por ele no filme. O filme ganha uma dinâmica interessante ao assumir uma essência híbrida: ele foi realizado de modo parcialmente remoto. Através das conversas por zoom o crítico mostra um arquivo pessoal de fotos de momentos que marcaram sua vida enquanto profissional da cultura. Para os cinéfilos pós-anos 1990, uma curiosidade sobre Glênio: desde 1975 ele anota em um caderno todos os filmes que viu em vida – uma espécie de Letterboxd manual.

Fechando a seção voltada para a memória, Concha de água doce (dir. Lau Azevedo e João Pires) é um tocante retrato da volta de Ariel, um homem trans, para sua cidade natal no interior. Aqui, a volta ao passado é materializada em dois momentos: o primeiro, a ida do protagonista até o lugar que marcou suas primeiras memórias enquanto ser. Sobre o outro lembro das palavras de um compositor cearense ou da voz de uma cantora gaúcha: “o passado é uma roupa que não nos serve mais”. Por mais que vá em busca de fechamento para sua história, Ariel não consegue totalmente ao passado: sua casca não é mais a mesma e jamais voltará a ser algo similar do que era.

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Seção política

Por fim, resguardo esse espaço para duas realizações de cunho político muito forte. A primeira delas é Colapso terra em chamas (dir. Lucas Tergolina e Matheus Melchionna), uma distopia política de um estado de exceção que desenvolve um doentio jogo de tortura para aqueles que ousam desafiar a ordem. Com um antagonista à Mephisto, caracterizado através de uma maquiagem marcada por um jogo de luz e sombra, medo e terror são os pontos positivos do filme. Sua montagem é bem pensada para conseguir criar, através de cortes bruscos (e nada ortodoxos), um ambiente opressor e desconfortável pelo espectador. Muitas vezes para beber na mesma fonte de V de Vingança, que usa um programa de TV sensacionalista como reflexo de um tempo. 

Sai a abordagem generalista – e de modo nenhum isso é um demérito – e entra um curta-metragem intimista. O Tempo (dir. Ellen Correa) lida com uma crise existencial de um jovem negro. Aqui, a libertação política se dá por meio da arte, da poesia. A relação com sua mãe, aparentemente distante, torna-se terna no momento em que ela descobre seus dotes artísticos. Aqui, a subjetividade do personagem principal é a grande força uma política revolucionária.

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