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Fora de Plano #94 | Gramado, dia zero: apresentação, expectativas e devaneios

O início de uma cobertura cinematográfica.

por Frederico Franco
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Estimado leitor do Plano Crítico, muito prazer. Me chamo Frederico Franco e é com imensa honra que digo que, entre o dia 11 a 19 de agosto, estarei realizando a cobertura do 51º Festival de Cinema de Gramado para o Plano Crítico. Bom, realizarei, agora, uma breve apresentação minha, para mostrar um pouco de minha trajetória que me trouxe até esse momento atual. Sou Bacharel em Realização Audiovisual pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS – RS) desde 2020 e, atualmente, sou Mestrando em Cinema e Artes do Vídeo pela Universidade Estadual do Paraná (UNESPAR – PR), tendo direcionado minha pesquisa acadêmica para a relação entre cinema experimental e artes visuais no Brasil. Durante o ano de 2019, tive meu primeiro contato com escrita sobre cinema na internet: trabalhei como colunista da página de cinema Taste of Cinema durante seis meses do ano de 2019. Entre 2020 e 2021, tive minha primeira passagem pelo PC, encerrada por questões particulares. No ano de 2023, no entanto, retornei ao site com objetivo de dedicar um pouco mais de atenção ao exercício da crítica de cinema. 

A crítica de cinema tardou a aparecer em meu cenário profissional. Ao longo dos quatros anos de minha graduação a ideia de trabalhar com textos críticos passava longe de meu imaginário. Sempre tive em mente apenas trabalhar com o texto acadêmico, mais objetivo – quiçá mais impessoal. Contudo, no último ano de faculdade, surgiu em mim essa necessidade de desenvolver esse outro lado da escrita: a poética, aquela que vem das tripas, mais visceral. Desde 2020, ano de meu primeiro contato com esse tipo de escrita, venho alternando meus próprios métodos de escrita – e acredito que quanto mais passe o tempo, mais vezes irei mudar minha cabeça. Hoje em dia, acredito que a crítica de cinema lida diretamente com aquilo que se pode chamar de sentimento. O primeiro impacto de um filme surge em forma de emoção, algo completamente subjetivo e indescritível, mas potente. O trabalho como crítico, dessa forma, é lidar com o que não se pode explicar. É um exercício de transcriar entre palavra e sentimento. Assistir um filme é prazeroso, obviamente (se não o fosse, não existiriam motivos para se consumir materiais fílmicos); contudo, é também cansativo. A tarefa de transformar o choque fílmico em palavras é algo que leva certo tempo: um ínterim de puro amadurecimento do valor artístico da obra em meu inconsciente. 

Pensar arte é, sobretudo, criar para além dos seus próprios limites, é expandir a estética. Isso pode ser considerado um ponto de partida: racionalizar um filme é contribuir para ele, é torná-lo uma experiência de criação mútua. Como dizia o crítico de arte Frederico Morais: “o artista é quem dá o tiro, mas a trajetória da bala lhe escapa”. Como posso contribuir para esta obra de arte específica? Talvez descrevendo como fui afetado e o que despertou em mim. Os filmes têm um impacto específico e meu trabalho como crítico é traduzir sentimentos em palavras; é tornar legível o choque estético através da palavra escrita, seja de minha autoria exclusiva ou trazendo conceitos de terceiros. Marcel Duchamp diria que somos todos criadores em potencial, as diferenças estão nas formas de expressão.

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Breves notas sobre a história do Festival

O Festival de Cinema de Gramado é certamente um dos grandes eventos anuais do cinema brasileiro. Tendo sua primeira edição no ano de 1973, o festival é capaz de representar um retrato da própria história do cinema nacional. A ideia do festival foi concebida pelo crítico de cinema gaúcho Paulo Fontoura Gastal que, ao lado do prefeito de Gramado, voltou os olhares da comunidade cinematográfica para a Serra do Rio Grande do Sul. Mesmo com a ditadura militar em curso no Brasil setentista, o festival manteve suas atividades sempre encontrando alguma maneira de driblar os censores e agentes do governo. As primeiras edições do evento foram marcadas por sensacionalismo e muita nudez nos filmes. Mesmo assim o prêmio Kikito, o simpático troféu do Festival de Cinema de Gramado, representou (e ainda representa) uma das premiações mais disputadas dentro do circuito cinematográfico do Brasil.

Cabe, aqui, um breve adendo sobre a história da estatueta Kikito, que hoje é comercializada de inúmeras formas: desde miniaturas até em barras de chocolate. A sorridente estátua cujo rosto remete ao sol ficou tão marcado na cultura gaúcha que, hoje, é quase um símbolo da própria cidade de Gramado. Inicialmente esculpido em madeira, o totem de 33 centímetros de altura atualmente é fabricado em bronze. A artista criadora do Kikito é Elisabeth Rosenfeld, artesão gramadense.

Nos anos 1990, o Festival de Gramado realizou uma edição ibero-americana, contemplando filmes de outros países da América do Sul. Hoje, o festival está voltado apenas para produções nacionais. Inevitavelmente, o evento mudou para sempre a cidade de Gramado que, ano após ano, é palco de debates acerca do cinema e também apresenta ao público as mais novas produções realizadas em solo nacional. Falar do festival é falar, também, de uma história do cinema brasileiro sendo construída. Diversos grandes nomes da cena audiovisual brasileira e internacional já receberam homenagens do festival: Ruy Guerra, Julio Garcia Espinosa, Eduardo Coutinho e Juan José Campanella são alguns dos nomes já contemplados pela organização. Atores globais, como Tony Ramos, Fernanda Montenegro, e realizadores como Walter Hugo Khouri e Grande Otelo também foram agraciados com homenagens no evento.

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Sobre a organização do 51º Festival de Gramado

A organização e distribuição dos filmes segue a mesma tônica das edições anteriores do festival. Na esfera dos curtas-metragens, dois blocos: Mostra competitiva de curtas-metragens gaúchos e a Mostra competitiva de curtas-metragens brasileiros. Indo para os longas, são três categorias que disputam premiação: Mostra competitiva de longas-metragens gaúchos (com curadoria de Mônica Kanitz e Leonardo Bomfim), a Mostra competitiva de longas-metragens documentais e a Mostra competitiva de longas-metragens brasileiros (as duas últimas mostras tiveram curadoria do ator Caio Blat e de Soledad Villamil). 

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Glamour dentro e fora da sala de cinema

Gramado é uma cidade marcada por sua pompa e por todo o glamour que a envolve. Existe aquela ideia torta de que aqui é um pedaço da Europa no Brasil – papo esse pretensioso e elitista. O Festival de Gramado sempre é um evento de grande sucesso. Turistas das mais variadas origens lutam por lugares em hotéis para essa época do ano. O evento parece dar mais charme à cidade que por si só já apresenta restaurantes caríssimos e uma arquitetura um tanto quanto particular. Em volta do festival, os transeuntes parecem mais arrumados, sempre escolhendo com muita cautela seus próprios figurinos. As pessoas nas ruas parecem figurantes de um grande filme inexistente: é como se, durante uma semana, o município se transformasse em um estúdio de filmagem. Que fique claro, essa construção farsesca não se manifesta apenas no outro: ocorre em mim também. Ir para o Festival de Cinema de Gramado é sinônimo de organizar uma precisa curadoria do que vestir durante esse tempo. 

E é claro, não se pode deixar passar o luxuoso tapete vermelho e o imponente Palácio dos Festivais. O esplendor que atinge a cidade na época é materializado no local de exibição dos filmes. Mesmo essa não sendo minha primeira vinda ao festival (na verdade, são três e todas como espectador), ainda é chocante ver a transformação da cidade e todo o luxo que o evento traz para a pacata Serra Gaúcha.

Os convidados também não deixam a desejar. Em 2019, minha última vinda ao festival, a fila de entrada para a sessão de Bacurau me colocou frente a frente com ninguém mais ninguém menos que Sônia Braga. O susto de estar ao lado de uma celebridade foi tamanho que até hoje lembro que ela, inclusive, quase pisou com seu salto alto em meu pé recém operado. Existem, também, aquele tipo de realizador que não é exatamente uma celebridade, mas representa algo ao meio cinematográfico – acredito que Kléber Mendonça Filho, por exemplo, esteja justamente furando a bolha do nicho do cinema. Além de KMF, inegavelmente um dos grandes nomes do audiovisual brasileiro, diretores como o promissor Aly Muritiba e o já consagrado André Novais de Oliveira também são presenças confirmadas na 51ª edição do festival.

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O que esperar da cobertura 

Chego, então, ao fim desse primeiro texto a respeito do 51º Festival de Cinema de Gramado. O nervosismo e ansiedade desta que vem a ser minha cobertura in loco de um evento são inevitáveis: uma grande responsabilidade e uma ótima oportunidade de explorar ainda mais o exercício da crítica cinematográfica. Quase diariamente estarei aqui trazendo conteúdo em forma de crítica, crônica, entrevista, artigo, enfim. Além disso, espero conseguir acompanhar as coletivas de imprensa com os realizadores dos longas-metragens brasileiros. Tentarei trazer para cá um pouco de como está sendo essa oportunidade. São muitos filmes e muitas sessões pela frente e espero conseguir dar conta de tudo para você, leitor, sentir um pouco do gosto da experiência festival. Ao final de tudo, como balanço geral, estarei, também, organizando uma lista dos melhores filmes vistos aqui em Gramado. No mais, agradeço a confiança do Plano Crítico e seguimos! Grande abraço e até breve.

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