A primeira vez que eu realmente me dei conta do tamanho do nome Elza Soares, eu nunca vou esquecer. A MTV lá em 2011, já em seus últimos suspiros, tinha um programa maravilhoso chamado Grêmio Recreativo, comandado por Arnaldo Antunes, onde funcionava como uma espécie de documentário e realização de uma série de shows que reuniam conjuntos fantásticos da nova e velha guarda da música brasileira. Esse episódio em questão juntou Elza, Emicida, Rômulo Froés, Zeca Baleiro e mais uma galera. E a performance de A Carne feita por Elza e Emicida foi uma das coisas mais inesquecíveis que já vi na minha vida – posso dizer com certeza que aquilo, de alguma forma, mudou minha experiência com música.
Ontem, ao receber a notícia do falecimento dessa gigante, cheguei em casa e recuperei no youtube essa performance para assistir novamente. Assim como na primeira vez, chorei litros – dessa vez com o gosto amargo da constatação de que nunca mais veremos aquela voz cantar ao vivo de novo. Elza Soares era uma entidade incomparável, de voz tão arrebatadora quanto sua história – alguém que dá orgulho saber que compartilha a mesma nacionalidade que você. Trata-se de uma das maiores brasileiras da história e uma das maiores intérpretes musicais que já existiu nesse mundo.
Em 2015 já havia cantado na faixa homônima de sua obra-prima, A Mulher do Fim do Mundo: “Eu sou, eu vou até o fim cantar”, clamando para que a deixassem cantar até o fim. E isso ela fez. Elza Soares parte no mesmo dia que Garrincha, grande amor de sua vida, 39 anos atrás (a vida é feita de coincidências lindas né?) e deixa ao mundo um legado inacreditável, que já lhe concedeu até o título de “cantora do milênio” pela BBC. Temos aqui uma intérprete completa e de valor inestimável, que teve nesta última década de sua vida talvez sua melhor fase artística, lançando uma trilogia de álbuns irretocáveis e se tornando um referencial para novas gerações – algo que soaria quase impossível para alguém de mais de 80 anos de idade que já havia se consolidado no panteão das maiores da MPB. Como colunista de música desse site há cerca de 8 anos, digo com tranquilidade que Elza é uma das maiores razões por eu ser tão apaixonado por música. E por isso não existe agradecimento que seja suficiente.
Para quem desejar, a apresentação de A Carne comentada por mim no texto pode ser assistida neste link e se inicia aos 41 minutos. Vale ressaltar que as interpretações dela de O Meu Guri e A Flor e O Espinho nesse mesmo programa também são obrigatórias para qualquer fã.
Levo minha mãe comigo
De um modo que não sei dizer
Levo minha mãe comigo
Pois deu-me seu próprio ser
“Comigo” – Elza Soares em A Mulher do Fim do Mundo