Ela já foi Joanna Krammer, uma mãe acossada por um polêmico divórcio, numa briga judicial que se tornou um dos maiores dramas familiares do cinema relativamente recente, o badalado Kramer vs. Kramer. Mergulhada no mundo da moda e do hedonismo da cultura das celebridades, ela infernizou a vida de suas assistentes como Miranda Priestly em O Diabo Veste Prada. Ao administrar uma plantação de café no Quênia, sua personagem Karen Blixen descobre o amor e ressignifica a vida no drama Entre Dois Amores. Em plena dominação nazista, no papel de Sofia Zawistawski, precisou tomar uma decisão que marcaria para sempre a sua vida no intenso A Escolha de Sofia. Administração de decisões também não foi tão fácil em A Dama de Ferro, cinebiografia de Margareth Thatcher, a Primeira Ministra do Reino Unido. Versátil e com a mesma destreza para ser dramática e cômica, tornou o mundo mais alegre ao interpretar Donna, no divertido musical elaborado com base nas músicas do ABBA, Mamma Mia! Ela poderia ter sido a primeira dama argentina em Evita, de Alan Parker, mas o papel ficou para Madonna. No começo dos anos 1990, seria uma das protagonistas de Thelma & Louise, mas precisou de uma pausa para investimento na vida pessoa. Entre projetos finalizados, pausados e cancelados, a atriz cresceu e se tornou uma respeitada parte integrante da história da “sétima arte”.
Três desempenhos marcantes: Kramer vs. Kramer, A Escolha de Sofia e Manhattan
Essa é Meryl Streep, uma das grandes damas do cinema contemporâneo, a atriz considerada por uma parcela enorme da crítica e do público como a melhor atriz de sua geração. Além da versatilidade em seus papeis ao longo de uma carreira extensa, ela venceu de alguma forma o ageísmo que contamina o campo das artes. Atriz bastante conhecida pelos sotaques dominados em seu processo de construção dramática, Streep é recordista em indicações ao Oscar e Globo de Ouro, prêmios da indústria que são relevantes, mas que não serão protagonistas da trajetória dramática proposta nesta reflexão, combinado? O talento de Meryl Streep vai além das bajulações da Academia de Artes Cinematográficas que em algumas ocasiões, comete alguns deslizes. Digo isso porque na visão de alguns especialistas, ela é muito competente, mas há papeis que se repetem demais em sua trajetória, algo que indica a falta de critério no processo de seleção dos melhores desempenhos anuais. É uma postura que tira a oportunidade de outras atrizes em desempenhos bons ou até melhores na ocasião. “Eles” a chamam de “Mesma Streep”.
Dito isso, vamos ao que de fato interessa: a trajetória desta atriz que teve a sua estreia nos anos 1970, no teatro com Trelawny of The Weels (1975), na televisão com The Deadlist Season (1977) e no cinema com Julia (1978). Foi uma fase desafiadora, em especial, por causa de seu primeiro casamento, destroçado pela morte do marido, acometido pelo câncer. Para driblar a penumbra do luto em sua vida, ela adentrou na produção de O Franco-Atirador na série Holocausto, produções que lhe deram novas perspectivas. Dirigida pelo gênio forte de Michael Cimino, cineasta polêmico, conhecido por seu perfeccionismo, Meryl Streep dava passos cada vez maiores em sua carreira, haja vista a experiência com Woody Allen em Manhattan, de 1979, no desempenho de Jill Davis. A história sobre um escritor divorciado em crise depois que a sua mulher o deixa para viver com outra é a cara do cineasta que deu para a atriz apenas as suas seis páginas do roteiro e limitou a sua atuação, sem possibilidade de improvisar. Ao menos é que ela disse numa entrevista algum tempo depois, sem polemizar, mas apenas para reforçar que foi uma experiência menor que o imaginado pelas pessoas ao refletir sobre a junção Woody Allen + Meryl Streep.
1979 foi também o ano de Kramer vs. Kramer, um dos filmes mais famosos da atriz. Na produção, ela esteve ao lado de Dustin Hoffman e foi dirigida por Robert Benton, cineasta que também possui carreira de dramaturgo, com tramas densas e em alguns casos, levemente letárgicas. As nuances do divórcio a e briga judicial são contemplados em grande parte pelo olhar de Billy Kramer (Justin Henry), parte que integram o centro nervoso deste drama sobre celeumas familiares. Para melhorar o seu desempenho, a atriz foi para Upper East Side, observar o desenvolvimento das relações no ambiente que seria o cenário para o desenvolvimento do filme. Em reunião com os produtores, já consciente de seu poder de troca na indústria, ela pediu que os realizadores modificassem a representação feminina ao longo da história que conforme o seu ponto de vista, não era das melhores. O pedido foi acatado e o filme se tornou um sucesso comercial e de crítica. Em 1981, A Mulher do Tenente Francês colocou a atriz com Jeremy Irons, envoltos numa trama metalinguística sobre tantos temas, dentre eles, a vida de dois atores que começam a se envolver demasiadamente com os seus personagens.
Com Silkwood – O Retrato de Uma Coragem, temos o cineasta Mike Nichols na cobertura da história real de funcionários de uma fábrica que trabalham no manuseio de componentes nucleares, material responsável por trazer danos para a saúde de todos os envolvidos. O dramático A Escolha de Sofia, de 1982, é um dos desempenhos mais comentados da atriz. Ela interpreta um papel forte sobre uma mulher que após ser pressionada por um soldado, numa situação específica, precisa decidir qual filho salvará numa situação de vida ou morte. Sob a direção de Alan J. Pakula, cineasta igualmente versátil, também na cadeira de produtor ao longo de vários momentos de sua carreira, Meryl Streep comove o público e nos faz crer o quão absurdo foram os eventos que demarcaram a Segunda Grande Guerra Mundial. Ela quase não conseguiu o papel no premiado Entre Dois Amores, de 1985, dirigido por Sydney Pollack, um grande diretor conhecido por seus filmes longos demais, às vezes letárgicos, mas visualmente elaborados com apuro técnico e dramático inquestionáveis. Para o diretor, Streep não era sexy o suficiente para o papel que dependia disso para ser desempenhado. No final das contas ela o convenceu e viveu a intensa história de amor com a famosa cena da lavagem de cabelos.
Outros desempenhos: Silkwood- O Retrato de Uma Coragem, A Mulher do Tenente Francês e Entre Dois Amores
O amor é desafiador também em sua parceria com Robert De Niro em Amor À Primeira Vista, drama com doses generosas de humor, dirigido por Ulu Grosbard, cineasta belga radicado nos Estados Unidos, com larga experiência teatral, observada no desenvolvimento do filme sobre dois indivíduos casados que se esbarram numa loja durante as compras de natal e acabam se envolvendo numa situação aparentemente improvável, mas que resulta em “amor”. A atriz se esbalda no desempenho das complexidades de sua personagem, Molly Gilmore. Em 1988, Meryl Streep foi mais uma vez desafiada em Um Grito No Escuro, de Fred Schepisi, drama agonizante sobre uma mãe que tem o filho supostamente raptado e no processo investigativo, apresenta tantas imprecisões em sua fala que começa a ser transformada no algoz da criança. Aqui ela é Lindy Chamberlain, um ano depois de interpretar a alcoolatra Helen Archer em Ironweed, de Hector Babenco, ao lado de Jack Nicholson.
Com o irreverente ator, ela já tinha trabalhado como Rachel Samstat em A Difícil Arte de Amar, dirigida mais uma vez por Mike Nichols, diretor de longas parcerias. Comandada pela diretora Susan Seidelman, cineasta conhecida por suas experiências com temas femininos, Meryl Streep interpretou Mary Fisher, uma romancista que mantém um caso com um contador casado em Ela é O Diabo, de 1989. Quase duas décadas depois, a atriz seria a versão do pacto fáustico em O Diabo Veste Prada, dirigido por David Frankel, de 2006, comédia explosiva sobre Miranda Priestly, editora da revista de moda Runaway. Em sua gestão, ela é conhecida por traçar medidas que põe todos em profundo temor, numa existência quase que exclusivamente dedicada ao trabalho, sem laços humanos que a identifiquem. Para alguns é uma afetada narrativa sobre moda, perfumes, mídia e amor, com trilha sonora pop que inclui dois clássicos da Madonna, mas o filme vai além disso e flerta com esquemas de liderança e empreendedorismo, escolhas de vida que mudam para sempre a nossa trajetória e ainda permite uma reflexão sobre como o capitalismo engendram as escolhas femininas que estão sempre no abismo entre o “pegar” ou “largar”, algo que também acomete os homens, mas em menor grau, obviamente.
Antes de 2006, no entanto, Meryl Streep esteve em muita coisa para ser delineada aqui. Voltemos do salto: em 2002, ela esteve em As Horas, dirigido por Stephen Daldry, no desempenho melancólico de Clarissa Vaughn, o terceiro elo das três histórias narradas em simbiose, inspiradas no romance homônimo de Michael Cunningham, transformado em roteiro por David Hare. Ela é a amiga de Richard Brown (Ed Harris) e mãe de Julia Vaughn (Claire Danes), a desempenhar uma mulher que internaliza a bomba-relógio da vida por meio das preocupações com o amigo que já desistiu da contemplação da vida, dentre outros dramas que regem a sua vida inquieta. Em meu ponto peculiar de vista, é um dos momentos mais intensos e brilhantes na vida da atriz. Posso, no entanto, estar contaminado pela brilhante textura percussiva de Phillip Glass, composição minimalista inesquecível, algo que abrilhanta ainda mais as cenas com a atriz. Quem sabe? Continuemos: Meryl Streep foi Susan Orlean, uma jornalista do enigmático Adaptação, drama dirigido por Spike Jonze, com Nicolas Cage no protagonismo, um homem em crise diante do seu ofício de roteirista.
Faremos outro salto, desta vez, de volta aos anos 1990. Vamos nessa? Depois desse período dramático, a trajetória de Meryl Streep adentrou na seara das comédias. Alguns críticos apontavam uma estratégia de mudança no rumo da carreira exclusivamente dramática, tendo em vista conseguir mais papeis. Dentre tantas alegações, a maioria oriunda de um tipo de jornalismo pop voltado aos meandros da curiosidade e superficialidade das informações, o que podemos perceber ao investigar esses apontamentos é o constante incomodo diante da idade mais avançada de algumas atrizes. Depois dos 40, parece que a indústria necessita descartar suas artistas e fabricar novos moldes para interpretações de seus filmes. Com Meryl Streep, ao gerenciar adequadamente vida pessoal e profissional, isso foi diferente. Mas é um caso bem-sucedido diante de tantos outros que não tiveram a mesma sorte. É claro que há muito talento envolvido na manutenção de Streep no panteão das atrizes requisitadas pela indústria, mas também há o elemento “sorte” no processo, pois sabemos que há outras tantas atrizes apagadas pela falta de oportunidade depois que amadureceram e trouxeram prioridades além do cinema e do trabalho em suas agendas de vida.
Outros desempenhos: As Horas, Adaptação e Música do Coração
Lembranças de Hollywood, de 1990, noutra parceria com Mike Nichols, lhe permitiu interpretar Suzzane Vale, uma viciada em drogas que vive de memórias dos tempos áureos de sua vida. Sob a direção de Robert Zemeckis, Meryl Streep esteve em A Morte Lhe Cai Bem como Madeleine Ashton, numa comédia sobre mulheres numa guerra burlesca em torno do personagem de Bruce Willis. Em 1993, participou do drama A Casa dos Espíritos, dirigido por Bille August, baseado no romance de Isabel Allende. A versatilidade a levou para ser dirigida por Curtis Hanson no frenético O Rio Selvagem, em 1994, mescla de aventura e suspense razoáveis, de pouca contribuição dramática para a atriz, mas uma demonstração da sua multiplicidade no campo do entretenimento. Em 1995, sob a direção de Clint Eastwood, a atriz interpretou Francesca em As Pontes de Madison, num dos personagens mais profundos de sua carreira. Ao abdicar do amor em prol do casamento e das filhas, a personagem tem na fotografia um elo eterno que é desvendado ao longo do filme, numa história de sublimação sentimental em prol do outro, referência constante no bojo das histórias de amor envoltas num sofrimento que exala realismo, diferente dos romances hollywoodianos com a “felicidade encaixotada” como um ideal.
Meryl Streep “do mal” em O Diabo Veste Prada, A Dama de Ferro e Ela é O Diabo
Adiante, tivemos o tocante As Filhas de Marvin, de 1996, drama comandado por Jerry Zaks, focado em sua personagem Lee, mulher que seguiu adiante em sua vida e deixou para trás a irmã Bessie (Diane Keaton) que agora está doente e precisa de um transplante de medula. Ao ter ficado para cuidar do pai, uma viveu mais intensamente que a outra, num acerto de contas cheio de memórias e decisões que precisam ser tomadas. Leonardo DiCaprio interpreta o filho problemático de Streep, num drama que ganha ressonâncias em 1998, ano da atriz ser a mãe da personagem de Renée Zelweger, a escritora Ellen Gulden em Um Amor Verdadeiro, comandado por Carl Franklin, drama tipicamente comum sobre uma mulher que precisa retornar ao passado para resolver coisas em aberto e aprender com a mãe, alguém com quem sempre esteve em conflito. Em 1999, após diferenças criativas entre Madonna e Wes Craven, Meryl Streep foi chamada para a substituição da cantora no drama Música do Coração, abordagem incomum na carreira do cineasta geralmente associado aos filmes de terror.
Na produção ela interpreta a professora de música Roberta Guaspari, um ano antes de fazer a voz da fada azul no projeto AI – Inteligência Artificial, desenvolvido em partes por Stanley Kubrick, finalizado por Steven Spielberg. Logo depois, ela fez uma ponta bem frenética no divertido e politicamente incorreto (será?) Ligado em Você, trecho em que desempenha ela mesma na comédia dirigida pelos irmãos Farrelly. Relativamente próximo, tivemos Desventuras em Série (2004), Terapia do Amor (2005), e o papel da senadora em Sob o Domínio do Mal (2004), dirigido pelo brilhante Jonathan Demme, num filme que não faz jus ao talento da atriz e do diretor, mas ainda assim é um momento marcante de sua carreira. Meryl esteve em A Última Noite, produção derradeira de Robert Altman, um musical country realizado relativamente na mesma época de Os Suspeitos e Leões e Cordeiros, de 2007, um suspense sobre terrorismo e o outro numa interpretação de mais uma jornalista. Ao Entardecer, de Lajos Koltai, é um belíssimo exercício da linguagem cinematográfica, apenas acima da média enquanto texto dramático, com participação breve da atriz. Simplesmente Complicado e Julia & Julia são as produções seguintes, dirigidas por Nancy Myers e Nora Ephron, respectivamente, ambas com Streep envolvida na gastronomia e nos negócios, mesmo que indiretamente.
Dúvida, de 2008, foi um momento dramático notável. Dirigida por John Patrick Shanley, a atriz é a assombrosa freira de uma escola católica no Bronx, pressionada diante de suas incertezas sobre a ação pedófila ou não de um padre. Outro ponto alto de Meryl Streep, mais adiante, foi A Dama de Ferro, drama com excelente desempenho da atriz, algo que não podemos dizer do filme em si, visualmente concebido com primor pela cineasta Phyllida Lloyd, lançado em 2011. A história da Primeira Ministra do Reino Unido é contemplada ao longo da Guerra das Malvinas e em seus anos de aposentadoria, quando o mito deixa de lado a atuação como a “mão-de-ferro” e se torna um emblema de uma época que as pessoas não recordam com saudosismo, ao menos quem possui inclinações mais sociais para o desenvolvimento do progresso e da globalização. É uma atuação que se posiciona exponencialmente distante do filme que a integra. Em 2012, fechou mais uma parceria com o cineasta David Frankel, desta vez, com a comédia romântica Um Divã Para Dois, filme que serviu de terapia para muita gente com o casamento abalado por motivos diversos. Problemas familiares também estiveram em Álbum de Família, de John Wells. Ela interpreta Violet, uma mulher com câncer que precisa dos cuidados de Barbara (Julia Roberts). O monótono Caminhos da Floresta veio em 2014, dirigido por Rob Marshall, outro cineasta bom na execução da linguagem cinematográfica, alguém que sempre esquece que seus filmes se alongam demais.
No mesmo ano, a atriz esteve em O Doador de Memórias, drama orquestrado por Phillip Noyce, inspirado no romance O Doador, de Lois Lowry. Ela faz a anciã chefe, parte de um mundo utópico que na verdade pode ser distópico, onde a guerra, o racismo e outras celeumas sociais não mais existem, parte agora das memórias de um passado que se pretende esquecer. O direito da mulher ao voto veio na esteira de As Sufragistas, lançado em 2015, dirigido por Sarah Gavron. Dentre outros projetos e eventos, chegamos ao divertido Florence – Que Mulher é Essa? Dirigido por Stephen Frears, em 2016, a cinebiografia de Florence Foster Atkins engendra humor e drama em medidas equilibradas e demonstra mais uma vez a versatilidade e graça da atriz, contemplada pelo excelente elenco de apoio, dentre eles, Hugh Grant e Simon Helberg, todos na absurda história de uma mulher que deseja ser artista da música, mas que não domina o canto. Em Mamma Mia – Lá Vamos Nós de Novo, a atriz aparece menos do que o esperado, mas seu personagem se faz onipresente ao longo de toda a narrativa contagiada pelos sucessos do ABBA, agora mixados ainda melhor, em momentos musicais inesquecíveis. Das produções “mais recentes”, ainda temos The Post – A Guerra Secreta, de Steven Spielberg e A Lavanderia, de Steven Soderbergh para Netflix, ambos absolutamente básicos para a sua carreira.
Meryl Streep e suas participações em séries televisivas
Na música, Meryl Streep já arriscou algumas passagens muito bem-sucedidas. O musical Mamma Mia é a sua principal experiência com a voz, mas ela já cantou com Cher, discretamente, em Silkwood e soltou a voz em alguns filmes da década de 1970. Nas atuações teatrais, a atriz também já investiu na música como parte de seu desempenho. Outro filme que podemos escutar a sua voz em ritmo musical é Lembranças de Hollywood. No teatro, assumiu 14 espetáculos entre 1972 e 1975. Retornou aos palcos 21 anos após o afastamento para a carreira cinematográfica. O espetáculo, dirigido por Mike Nichols, era uma peça de Anton Tchekhov. Meryl Streep já fez também a voz de uma namorada do Bart Simpson na dublagem de um episódio de Os Simpsons, além de outras incursões televisivas marcantes, tais como a minissérie Holocausto, de 1978, no papel de Inga Helms Weiss, mulher alemã envolvida com um artista judeu, a densa Angels In American, de 2003, comandada por Nichols, drama complexo sobre indivíduos que recebem visitas de anjos antes de falecer (e muito mais coisas que essa observação redutora) e a frívola segunda temporada da ótima Big Little Lies, produção que deveria ter parado na primeira e se justifica apenas pela visita de Meryl Streep na história.
Condecorada por Barack Obama em duas ocasiões, 2010 e 2014, na primeira para receber a Medalha Nacional de Artes e na segunda para a Medalha Presidencial da Liberdade, uma condecoração que dizem ser a mais alta dada aos civis estadunidenses, Meryl Streep também coleciona três estatuetas do Emmy, duas do BAFTA, uma do Festival de Berlim, outra do Festival de Cannes, duas do Screen Actors Guild Awards (SAG), além de ter sido indicada mais de vinte vezes ao Oscar e Globo de Ouro. Como dito antes, elas não definem a carreira e o talento da atriz, mas delineiam o seu vigor industrial. A grande dama do cinema também possui uma estrela na Calçada da Fama, um César Honorário pela contribuição de sua carreira e o Doutorado pela Universidade de Harvard, além de condecorações de outras universidades prestigiadas. Capa da Rolling Stones em 1981, a atriz é um dos rostos clicados por Annie Leibovitz, na famosa imagem da máscara facial com mãos para todos os lados. Isso significa que Meryl Streep seja uma atriz irretocável? É uma pergunta tendenciosa, mas vamos nessa: a resposta é sim. Ela é. E pode, afinal, você até consegue encontrar filmes muito irregulares em sua carreira, mas nunca um desempenho dramático levado no automático, até mesmo os papeis menores. É um fato.
Diante do exposto, retomo o que foi dito nos primeiros parágrafos: “essa é Meryl Streep”. A mulher que numa produção domina absurdamente o sotaque dinamarquês, para no filme seguinte, falar com um jeito irlandês, italiano ou inglês australiano, numa destreza formidável, fruto de alguém que pesquisa muito e estabelece métodos no desenvolvimento de seu trabalho. É uma lição para as atrizes iniciantes e as demais que estão em pleno amadurecimento no mercado de trabalho cinematográfico e televisivo. O carisma é outro ponto importante na trajetória da atriz que nunca se envolveu em escândalos midiáticos para se promover, tampouco exibe arrogância em seus discursos de agradecimento aos prêmios que lhe são merecidamente concedidos. Ainda atuante, ela é uma veterana competente que deixará extenso legado na história do cinema. E o bom disso tudo é que as associações de críticos, produtores, atores, dentre outras, não deixaram para prestar homenagens tardiamente, como já houve em muitos casos, devidamente reverenciados postumamente, quando o reconhecimento, de certa forma, já não interessa mais. Importante ressaltar que Streep vai além disso. Mesmo que não tivesse recebido uma indicação aos famosos prêmios, ela não precisaria deles para se manter relevante.