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Fora de Plano #58 | Belas e Sensuais… Perigosas e Mortais: As Mulheres Fatais no Cinema

por Leonardo Campos
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A representação do feminino como algo perigoso não é novidade na ficção desde os tempos homéricos. Ulisses, em sua travessia de volta para casa, enfrentou, salvas, preservadas e guardadas as devidas proporções, presenças femininas que o impediram de voltar mais depressa para os braços de sua Penélope. A Odisseia, clássico da literatura ocidental atribuído ao poeta Homero não é o único relato sobre um homem que enfrentou feiticeiras, sereias e outras alegorias femininas para conseguir sobreviver. No decorrer da Eneida, de Virgílio, outro poema clássico, o herói Eneias se depara com mulheres dedicadas ao aprisionamento em algumas passagens. Shakespeare também apresentou ao mundo a sua perigosa e vil Lady Macbeth.

A lista oriunda da história literária ocidental é extensa. A marcante trajetória de Capitu, delineada de maneira deslumbrante por Machado de Assis em Dom Casmurro, gerou um dos questionamentos mais triviais dos debates literários no senso comum, afinal, quem nunca presenciou uma conversa sobre “ela ter ou não traído Bentinho”? Em Lucíola, José de Alencar não apresentou ao mundo uma mulher obsessiva e perigosa, mas reforçou as regras do Romantismo para personagens que utilizaram o sexo como algo além da procriação e do atendimento aos desejos masculinos. O dramaturgo Nelson Rodrigues também nos ofertou um painel de tipos perigosos e fatais, de A Serpente ao surpreendente texto de Bonitinha, Mas Ordinária no teatro, além das irmãs em crise nos contos Gêmeas e Diabólica, integrante da coletânea A Vida Como Ela É.

O interesse, caro leitor, não é afirmar que as mulheres perigosas e fatais das narrativas cinematográficas foram inspiradas nos clássicos da literatura, mas ilustrar, por meio de um breve panorama, como a mulher já foi utilizada como um ser que transpira perigo e metaboliza a derrota de muitos homens em diversas obras canônicas. Não é preciso, necessariamente, ser humana. As deusas dos poemas homéricos, por exemplo, estão noutro patamar simbólico, mas ainda assim, carregam a simbologia da “mulher”. Numa comparação ligeira, algumas mulheres fatais do cinema se tornam, com a liberdade criativa da verossimilhança interna, deusas que decidem os destinos desses homens.

Sabemos que o estereótipo da mulher fatal, obsessiva e perigosa é utilizado há eras pela indústria cinematográfica. Tornou-se um segmento rentável que parece não ter fim e anualmente surge nas telas do cinema como lançamento no circuito. Quando não, surgiam por meio dos lançados diretos em DVD, hoje sendo mais comum as plataformas de streaming e nos telefilmes. Com variações entre um filme e outro, no geral, tais personagens são sexualmente ativas, agem por meio de estratégias diabólicas para conseguir o que desejam, cometem assassinatos e outros crimes, principalmente contra aqueles que atravessam o seu caminho. Um exemplo recente, Obsessão, com Isabelle Huppert no papel de uma obcecada e perigosa dama, não trouxe o sexo, mas abordou o desejo por meio de uma linha psicanalítica que beira os limites entre o toque e a “posse do outro”.

Obcecadas pela realização de suas demandas psicológicas e sentimentais, tais personagens já infernizaram a vida de muitos homens. Formadoras de um subgênero que podemos definir como “mulheres obcecadas”, as narrativas desta linha flertam com o drama, algumas vezes com leves toques de filmes de terror, mas o carro-chefe mesmo é o suspense. Era assim, inclusive, que eu as arrumava enquanto atendente de videolocadoras.Com figurinos e maquiagem que exalam a sua sensualidade, além de captadas por bons trabalhos em direção de fotografia e condução sonora, muitas mulheres perigosas e fatais estiveram no cinema entre os anos 1970, 1980, 1990, 2000 e ainda na década de 2010.

Construídas com base no arquétipo da femme fatale do cinema Noir, referência que serve como ponto de partida, mas ganha dimensões diferenciadas no processo de transição de formato e proposta narrativa, as mulheres que amam ou desejam demasiadamente um homem, ou até mesmo, a sua família, tendo em vista a exclusão do elemento feminino que ocupa o seu suposto lugar, rendeu bons resultados estéticos, tais como Atração Fatal, Perversa Paixão, Assédio Sexual, etc. Instinto Selvagem está dentro deste segmento, mas nega os anseios das personagens de tais filmes, pois a abordagem maior é no desafio intelectual e erótico da protagonista. Há alguns medianos, como Paixão Sem Limite e Obsessiva, outros bastante questionáveis, sendo Corpo em Evidência e Fixação exemplares dignos de constrangimento.

Situados entre algum lugar entre os filmes descritos no parágrafo anterior, há uma lista numerosa de produções que não ganharam o tratamento por meio de uma crítica específica, mas foram selecionados para o panorama que fecha um ciclo de reflexões sobre a presença constante das mulheres obcecadas e possessivas no cinema e na televisão. São filmes conferidos em sua totalidade, do roteiro aos elementos externos, tais como cartazes, trailers e outras representações visuais que os permitem circular nos meios cinéfilos. É bem provável que em breve o tema seja retomado por algum cineasta talentoso, ou atriz engajada, como Glenn Close, grande dama do cinema que recentemente se posicionou favorável ao processo de refilmagem de Atração Fatal, desta vez, narrado sob o ponto de vista feminino.

Deseja-me ou te devoro: perigosas e fatais em perspectiva

Com roteiro e direção de Douglas Jackson, A Assistente Perfeita, lançado em 2010, narra por meio de 95 minutos, o sufoco que se torna a vida do chefe de Rachel Parsons (Josie Davis), dedicada secretária que apresenta uma postura eximia em suas tarefas profissionais, mas falha ao se apaixonar por seu gestor, focada em eliminar fatalmente qualquer pessoa que esteja inclinada a atrapalhar o seu projeto fantasioso de casamento e construção de uma família para um homem que já possui tudo isso. Bizarra, a produção não ganha sequer o selo “Super Cine”, isto é, a instância de legitimação que não garante ao filme qualidade plena, mas o indica como entretenimento que funciona. Arrastado, fraco e sem nenhum recurso estético que o permita ser lembrado, o suspense gera é tedioso e nos faz questionar o produtor que se submete ao processo de execução de uma trama tão pueril.

No painel dos filmes igualmente fajutos estão Mulher Solteira Procura 2 e Método Assassino. Ambos são frágeis enquanto narrativa de suspense, com roteiros que exalam a vulgaridade dramática em seu estado bruto. A diferença deles é que funcionam como algo passageiro, em especial, Mulher Solteira Procura 2, produção dirigida por Kerth Samples, profissional que se baseia no roteiro escrito por Glenn Hobart, Ross Helford e Andy Hurst. Com decalque com brevíssimas variações, o filme copia a estrutura da produção anterior, sem ter nada a ver com o seu conteúdo, como se fosse um “filme antológico”. Em seus 91 minutos, Holly (Kristie Miller) se muda e acha um apartamento para dividir com Tess (Allison Lange), uma amiga aparentemente perfeita. Traída pelo namorado e sabotada por uma colega de trabalho, Holly não percebe que Tess toma as suas dores e decide agir para “dar uma lição” aos malfeitores de sua amiga. A coisa começa a ficar complicada quando Holly percebe o comportamento de Tess e decide se afastar. Já é tarde e a obcecada de passado sombrio parece não estar interessada em perder a sua melhor amiga.

Divertido, mas sem os recursos estéticos dos anteriores, Método Assassino traz uma cena impagável. Elizabeth Hurley interpreta Rebecca, mulher que no auge de seu transtorno, dialoga consigo mesma diante do espelho e “larga”: “dinheiro é tudo, sem dinheiro, eu não sou nada”. É de rolar de rir, pelo menos por alguns poucos instantes da produção de 94 minutos, comandada por Duncan Roy, autor do argumento que teve tratamento e desenvolvimento de Katie L. Feeting. A história, por sinal, apresenta potencial, mas a sua execução bizarra não permite ao filme um lugar memorável, tanto é que a capa do lançamento em DVD traz uma das piores produções em design nesta área, horroroso e aberrante, tal como o comportamento de Rebecca, personagem que é pressionada constantemente por sua mãe e sofre a recente separação do marido. Em seu próximo filme, ela confunde a realidade com a ficção e começa a agir tal como a personagem da produção mais atual de sua vida: uma assassina. Neste jogo, quem deveria morrer no filme começa a morrer pelas mãos da insana atriz em processo de deterioração mental.

Muitos filmes da temática abordagem empresários em seus trajes galantes, mas em 2018, os realizadores de Meu Professor, Minha Obsessão decidiram investir num visual mais modesto, mas não menos desejável, pois o personagem perseguido da vez exala sensualidade e beleza, tanto é que desperta a libido da jovem Kyla (Lucy Loken), garota retraída da escola que se aproxima de Riley (Laura Bilgeri), garota que é transferida de escola e precisa lidar com o esquema de um novo espaço de interações. A presença de Kyla é confortante, mas os conflitos começam quando ela descobre que a sua nova amiga não está tão interessada na amizade, mas deseja ser possuída por Chris (Rusty Joiner) professor de inglês, pai da jovem. Dirigido por Damian Romay, realizador que teve como base o roteiro de Patrick Robert Young, o suspense também apresenta uma narrativa vulgar que não se decide entre Sexta-Feira 13 ou Carrie – A Estranha, mas ao menos diverte e não chega a ser adornado por elementos estéticos sofríveis.

Diabólica, lançado em 2003, traz 108 minutos de xingamentos e diálogos vulgares para justificar a existência de mais uma história sobre um detetive cheio de conflitos internos que se envolve com a garota errada. Daniel (Nick Moran) falha absurdamente ao se deixar levar “pela sereia” Hailey (Lara Belmont), uma personagem desbocada, contemplada por figurinos, direção de fotografia e trajetória dramática sem razão de existência. Os personagens parecem oriundos de alguém que leu muito, mas muito mal mesmo, as peças de Nelson Rodrigues, pois Hailey não é Bonitinha, Mas Ordinária, tampouco “diabólica”. Ela não passa mesmo é de uma garota mimada.

A obsessão como tema até na Publicidade. O “original” e as suas versões: homenagem ou plágio?

Por falar em ordinária, nada pior que um filme ser tão ruim e plagiado que até mesmo o seu cartaz emula todos os principais elementos da produção que serve como ponto de partida. Esse é o caso do “aterrorizante” O Mistério de Laura Cross, filme de 2004 escrito por Leland Zaitz e D. Alvelo, “dramaturgos” que tiveram a sua história dirigida por Valerie Landisberg. Na trama insossa, o policial Max Garret (Stephen Baldwin) interpreta um policial em crise que se encarrega de uma fotógrafa sensual e misteriosa, interpretada por Kristin Swanson. A estrutura é muito conhecida: ele não pode se envolver, mas não consegue se conter. Ela é uma mulher libertina e que esconde segredos por detrás dos temas de suas fotografias controversas. Troque a fotografia pela literatura e o talento de Sharon Stone pelo personagem mal concebido de Swanson. O resultado é esse filme sem escrúpulos, tão preocupado em ser Instinto Selvagem que copiou até mesmo a arte de seu cartaz. Hediondo, concorda?

Dizem por aí que o ruim não pode ficar pior. Será? Desejo Inconcebível não chega a ser esteticamente ruim em comparação ao fracasso visual de O Mistério de Laura Cross, mas beira ao horror com Nicolas Cage reforçando o desastre que a sua carreira se tornou ao longo dos anos de sua vasta e irregular experiência. A trama é praticamente a mesma de Além da Realidade, lançado numa época próxima, igualmente pretensioso e perdido em suas ambições cinematográficas. Na produção com Cage, dirigida por Jonathan Baker, cineasta que teve como guia do roteiro de Chloe King, ele é marido de Angela Morgan (Gina Gershon), uma mulher que se dedica ao projeto de aumentar a família, mas encontra dificuldades para gestação. A medida adotada é contratar Katie (Nicky Whelan) como barriga de aluguel, mas as coisas saem do combinado quando a jovem é trazida para morar junto ao casal, tendo em vista receber o melhor tratamento possível para o nascimento do bebê. Ela cobiça a família de Angela e está disposta a destruí-la para se tornar a Sra. Morgan.

A mesma história é contada por Jack Olsen em seu roteiro, orquestrado por John Cassar, trama que traz como diferencial o elenco protagonista exclusivamente negro e uma execução narrativa mais interessante, pois a história nos prende mais que qualquer um dos outros citados até então. Com design de produção e direção de fotografia empolgantes, o roteiro infelizmente não nos permite embarcar muito na ideia exaustivamente batida e com nenhum “diferencial”. Em seu desenvolvimento, Além da Realidade traz Anna Walsh (Jaz Sinclair) como a barriga de aluguel para o casal formado por Laura Taylor (Regina Hall) e John Taylor (Morris Chestnut). Ao longo de seus 107 minutos, a jovem Walsh evolui de barriga de aluguel para uma insana disposta a qualquer coisa para se tornar a Sra. Taylor e ser envolvida pelos braços musculosos do “cliente”. Representante que vai além do que denominamos como “juventude transviada”, Anna Walsh é tão calculista e perigosa quanto Mini (Nikki Reed), a representação do abismo para Alec Baldwin em Sedutora e Diabólica, trama escrita e comandada por Nick Guthe que retrata, em seus 91 minutos, uma sensual garota que elabora um plano mirabolante e seduz o seu padrasto, tendo como interesse internar a mãe como louca e viver a vida ao seu modo.

Lançado em 2006, a produção reflete o estereótipo das jovens perigosas que levam alguns homens ao penhasco de suas existências, algo também abordado em Sedução Diabólica, narrativa de 1999, executada e escrita por Kikua Karasaki. Na trama, Elise Towsend (Marley Shelton) interpreta uma ambiciosa garçonete que se envolve com Rick Chambers (Dennis Hooper), homem mais velho que a enche de presentes e outros mimos. Isso, no entanto, não a deixa satisfeita, pois o seu próximo plano é convencer Chambers a matar a esposa e juntos, o novo casal ficar com o dinheiro do seguro. O que eles jamais esperavam era a contrapartida da esposa, abordagem que permite algum diferencial ao tirar a esposa traída do lugar de vítima que age passivamente o tempo inteiro. Mas é só isso. No quesito estético, nada além do básico.

Em vias de fechar a análise em questão, deparei-me com mais dois filmes que refletem a temática: Popular e Perigosa e Mãe Obsessiva. O primeiro retrata uma adolescente “possuída” pela ideia de ser a rainha do baile de formatura. Ela é exatamente Popular e Perigosa, arrogante e desbocada como a protagonista em Diabólica, mas com algumas doses extras de insanidade. Com direção de Philippe Gagnon, o suspense nos apresenta ao conflituoso cotidiano da professora substituta Julie Taylor (Zoe McLellan), profissional que em seu novo posto, precisa lidar com a proximidade de sua filha com Amy Turner (Allie MacDonald), um monstro juvenil que age de maneira manipuladora e doentia.

Em Mãe Obsessiva, contemplamos a obsessão por um prisma diferente, mas com a mesma estrutura, isto é, alguém que é contrariada e tomada pelo ciúme doentio e sentimento de posse, destrói a vida das pessoas que gravitam em torno de sua existência, isto é, a sua filha que vai casar em breve. O problema em si não é a filha, mas a relação estabelecida com a sogra, uma espécie de “nova mãe”. Com um dos mais horripilantes trabalhos de design de som que já pude contemplar, a mãe obcecada é dirigida por Jean François-Rivard, a saga de Sharon (Rosy Rosemont) e sua vítima Jill (Kari Matchett) é exagerada como todos os filmes da análise, num festival de clichês que não ajudam a narrativa em seu trajeto rumo ao desfecho óbvio.

Visualmente simples, mas até um pouco interessante. É o que podemos dizer de Mente Diabólica, produção de 2008 que retrata Mike (Matt Long), rapaz que retorna ao local onde nasceu e vive a sua família, tendo em vista curtir os festejos de final de ano e apresentar a sua namorada Elizabeth (Jessica Stroup) para os pais. O casal feliz não esperava, entretanto, a presença nociva de Shelby (Mischa Barton), uma jovem desequilibrada que ainda acredita ser namorada do rapaz, mesmo após a oficialização do término. Dedicada a ser o par de Mike, Shelby não perde tempo com uma trilha de corpos, dedicando-se exclusivamente em manter Elizabeth sob cárcere privado depois de um incidente numa estrada. Próximo ao desfecho, a insana ex-namorada se encontra munida de um machado, a brincar de filme slasher. Arrastado e com um enredo que já foi abordado numerosas vezes no cinema, na televisão e na literatura, o enredo de Kate L. Feeting, dirigido por Morgan J. Freeman deixa brechas narrativas em aberto e arrasta por demais uma história que talvez nem funcione mais como curta-metragem.

Engraçado observar que a roteirista, também responsável por Método Assassino, dedicou-se bastante ao subgênero mulheres obcecadas, estilo narrativo financeiramente rentável, mas em decadência temática após tantas abordagens, algo comum no esquema industrial de produção. Há, provavelmente, uma infinidade de mulheres perigosas, fatais e obcecadas, prontas para estraçalhar vidas com suas mentes transtornadas e comportamentos predatórios.

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