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Fora de Plano #50 | Superman e a Gênese do Super-Herói no Cinema

por Gabriel Carvalho
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  •  Confira a crítica de Superman – O Filme, escrita por Ritter Fan, clicando aqui. E, aqui, confira todo nosso material sobre o personagem.

O seguinte texto possui o objetivo de estudar as nuances e símbolos que permeiam um dos maiores ícones da cultura pop, o Superman, partindo do longa-metragem de 1978, que completa 40 anos na data de lançamento dessa matéria. Curiosamente, 2018 também é o ano que o próprio personagem faz o seu octogésimo aniversário.

Contém spoilers do clássico de 1978.

A inocência de um mito para tempos impossíveis, nem mesmo passado ou presente, uma realidade em que poderíamos realmente acreditar em um homem, em que poderíamos acreditar em um mundo, na esperança carregando essas cores infames – o vermelho e o azul -, justamente as que compõem uma bandeira que nem mesmo os americanos acreditam mais, disformada desde que a última guerra pseudo-romântica acabou, provando o quão não-inocentes os heróis de outrora eram, subjugando os seus oponentes, enfim, com o poder das bombas – curiosamente, a mesma ameaça de Superman – O Filme. Quem disse que se opor aos alemães o tornaria necessariamente uma personificação do bem, o certo para todos os povos? Os russos estavam contra os alemães e isso não impediu uma guerra fria ser alastrada por quase meio século.

Superman – O Filme não apresenta o icônico personagem original, sob os preceitos particulares de sua concepção, que aconteceu em abril de 1938, debutando na Action Comics #1, criação de Jerry Siegel e Joe Shuster, muito pelo contrário, entendendo e reconstruindo – redefinindo, na verdade – o significado desse inestimável símbolo da esperança sob um contexto completamente diferente. Os Estados Unidos, não em meio ao desacreditamento, mas já desacreditados, em uma época em que o sonho havia terminado. O Superman não representa a América. O Superman é maior que isso. Um herói anacrônico para uma era em que a esperança é anacrônica. O anacronismo, o antiquado com cueca por cima da calça, como única possibilidade para o sucesso de uma nação. Como se o mundo um dia pudesse contar só com uma pessoa, ainda mais um “americano”.

Como acreditar em homens em um mundo em que a maior parte deles, a maior parte dos que possuem o poder nas mãos, estão envolvidos em escândalos? “Você terminará enfrentando todos os oficiais eleitos nesse país”, repreende o interesse amoroso do super-herói quando os sonhos do personagem, suas ambições, são expostas. Christopher Reeve, dentro dos conformes de uma geração amante de quadrinhos da distinta concorrência, encontra o significado do super-herói utópico, representando-o com uma segurança singular. A sua segunda faceta, o seu outro lado, é ainda mais pueril do que a vertente que traja um uniforme glorioso. A máscara não é a capa, mas o mocinho de óculos, como mostra a transmutação de uma identidade para outra, sem nenhum corte, durante uma cena espetacular do filme. A bondade, portanto, vem primeiro.

Um milagre do cinema e da cultura popular – a esperança e a construção de valores.

A nação norte-americana se apresentava naquela época e, para muitos, ainda se apresenta, com o seu imperialismo contínuo, ganancioso e extremamente equivocado, autoritário. Os militares, no longa-metragem, em vista desse raciocínio, são retratados de um modo interessantemente exótico, como se fossem estúpidos, sendo enganados por outros três completos imbecis – o sensacional Lex Luthor, interpretado por Gene Hackman, uma ameaça não-assustadora. O armamentismo sendo usado como arma para outros fins, que não a guerra pela guerra, guerra por ideais, mas guerra por interesse, como se as guerras todas não fossem justamente por interesse. O grande poderio do antagonista é uma bomba dos próprios americanos. A premissa maligna é a ganância, não a conquista do mundo, retirando esse pretexto vilanesco um pouco ultrapassado.

Já Lois Lane (Margot Kidder) é uma representante do quão a sociedade está destruída, a violência nunca cessa e as manchetes, vistas e revistas por um povo quase masoquista, continuam a noticiar as mesmas barbaridades. O jornalismo, portanto, como frente de oposição ao crime, a corrupção, coisa que Lois Lane realmente combate, o que a permitiria desacreditar sem muitas dificuldades na figura do homem alado – encapado, porém -, caso não tivesse olhado nos seus olhos justamente em sua primeira aparição. A graciosa malícia  que permeia a personagem, durante a primeira interação mais encorpada entre os personagens – uma das conversas mais divertidas do gênero -, é metamorfoseada pelos olhos puros de um artista lendário, que confere uma segurança e uma proteção ao público que nenhuma outra pessoa conseguiria.

Um personagem que ainda carrega consigo “a verdade, a justiça e o modo americano de ser”, ideologia que é encarada como piada pela jornalista, por justamente ser uma piada para qualquer outra pessoa, uma mentira falaciosa, menos para o Superman. Quando captura os antagonistas, sugere-se uma possibilidade de coesão entre as vertentes governamentais, de um funcionamento do sistema, que nenhum vigilantismo posterior, entre os super-heróis “modernos”, conseguiu entender com sucesso, preferindo um certo rompimento da ordem. A gênese do cinema de super-herói, se formos compreender um cinema mais próximo aos nossos tempos, carrega o símbolo heroico em seu ideal mais puro e, consequentemente, inocente. A esperança em mitos que nunca surgirão, senão na ficção, o que justifica o encantamento e também a repulsa do público.

O curioso é que um homem ensinou o Superman a não usar os poderes de forma equivocada – como quando se exibe para seus colegas de escola. Uma união de valores nossos com os poderes de outra galáxia.

Os céticos não acreditam, mas o crédulo na figura transcende qualquer plausibilidade terrena. O último discurso da jornalista, momentos após ter a reversão do seu falecimento – um único erro para milhares de outros acertos, milhares de demais pessoas que foram salvas – comporta o pensamento desse super-herói como ajudante, salvador de todas as pessoas, o que, enfim, o longa-metragem consegue consolidar com a sua ingenuidade otimista, encontrando uma resolução absurda, no entanto, paralelamente compreensível dentro desse mundo de “e se…”. As pessoas, todas elas, merecem a vida. Superman é um herói incorrupto e infalível, ao menos diante do simpático enredo, sem desvios ou preocupações. Um avião em queda ou um gatinho em cima de uma árvore – o super-herói como auxiliador, não um cumpridor da moral, mas um amigo constante.

O Superman existe mesmo sem existir. O americanismo permanece, contudo, em contrapartida, a imagem do globo terrestre com o sentido da sua rotação invertido é visualmente marcante, como se o impacto do super-herói, a sua benevolência inacreditável, pudesse ajudar integralmente o universo, muito além de uma mera nação – mesmo sendo uma mera nação a ajudada. Outros escritores adentrariam a missão de entender esse fenômeno para além da inocência heroica do protagonista de que os problemas podem ser resolvidos com suas grandes habilidades, porque, para muitos casos, mais de mil anos teriam que ser revertidos a fim de resolver o princípio das problemáticas, recomeçando a humanidade da sua gênese. A inocência, entretanto, movimenta esse raciocínio esperançoso do longa-metragem, contendo uma ótima despretensão.

O roteiro de Superman – O Filme é conciliador com esse discurso de definição do mito, sem piruetas narrativas, no entanto, uma simplicidade que poderia ser burocrática, mas é só ingênua nas passagens de tempo mesmo. A anacronia de um super-herói – comentada pelo próprio longa-metragem, referenciando a clássica cabine telefônica, parte de um passado – é a mesma anacronia de imaginar um mundo em que podemos confiar no ser fantástico que é apresentado, impossível não apenas por ser extra-ordinário, porém, por igualmente ser alienígena, carregando os genes de uma sociedade milhares de anos a frente da nossa, como comenta Jor-El, interpretado por Marlon Brando – primeiro nome nos créditos, em decorrência da fama. Um “homem” que supostamente não poderá existir enquanto formos vivos, apenas caindo dos céus.

O Superman não é um super-herói, mas um super-amigo. 

Uma confiança que transparece na cena em que um determinado piloto pede ao seu co-piloto para apenas acreditar na sua palavra, continuar comandando a aeronave que estava invariada, porque, agora, alguma coisa estava os auxiliando, os ajudando. A compreensão do que é aquela criatura acaba sendo apenas desnecessária. O super-homem é justamente algo superior ao homem comum, um ajudante em que podemos depositar nossas esperanças, coisa que não acontece com seres comuns. O personagem acaba sendo uma contradição a crença em salvadores mentirosos, gente como a gente que promete ser a resposta para todos os problemas. Superman contém um realismo no seu simbolismo, que nunca se confunde com pessimismo, carregando uma ingenuidade em começar e supostamente morrer em frente ao cinema, mas continuar no coração.

“Mais alguém em casa como você?“, pergunta Lois Lane. Quer que seja Kal-El, o último filho de Krypton, ou Clark Kent, o introvertido repórter do Planeta Diário, o Super-Homem é único. O enredo simples, com personagens simples, mas conceitos profundos, mesmo que os seus objetivos não possuam a pretensão de serem revelados austeramente, mostra o quanto Superman – O Filme é uma produção importante e igualmente inocente, despretensiosa. O interesse está na retirada da realidade, permitindo aos seus espectadores, com um discurso interessante, acreditar em um homem que poderia voar – contudo, esse homem aqui, ímpar e super-poderoso. Um amigo para qualquer sonho, quase como um Peter Pan – outra comparação apontada pela obra – que pode também mover jovens e adultos ao crédito no derradeiro sucesso de utopias.

O cineasta Richard Donner não quer estudar o símbolo, o seu significado para gerações de entusiastas de quadrinhos. O cineasta define uma estimada utopia, própria de um mundo fantástico como os dos quadrinhos mais antigos, com suas premissas bobas, mas que o roteiro consegue transformar em significado, em analogia. A jornada do herói, por exemplo, não possui um desenvolvimento muito encorpado. O protagonista já entende a sua missão ao sair de sua cidade natal. O restante, com uma espirituosidade gostosíssima, apenas mostra o que o personagem entendeu de si mesmo. A carta de amor ao maior super-herói é um inestimável marco da cultura, recriando a esperança. A um homem foi permitido o voo e esse homem soube voar. Um aceno ou um olhar, um pouco pessimista por ser impossível, mas otimista por ser aparentemente impossível.

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