…que eu te dou amendoim. Que eu deixo tua rua suja. E tu vai ter que acordar cedo no domingo, senão podes encontrar aquele fulano chato na fila; ou aquela colega de colégio que foi tua maior mancada; aquele ex-parceiro de pelada que não aceita um “vamos marcar” como resposta e se autoconvida pra almoçar na tua casa, saber das novidades, falar dos velhos tempos.
Vote em mim, que teu tempo assistindo ao horário eleitoral será dado como perdido, juntamente com tua paciência e tua dignidade, por ter me defendido no almoço de família, enquanto eu escondia podres da tua vista, até que vencesse o pleito e deixasse tudo à mostra, tomando sol, só para te sacanear. Vote em mim, que eu embargo tua cidade, trancafio teu bairro em barulho e trânsito, esqueço da violência e pago de desconstruído, de diferentão e polêmico em minhas redes sociais, acendendo debates de isopor enquanto deixo a Câmara trabalhar na calada da noite para te entregar de bandeja a mais nova piora para tua cidade.
Vote em meus financiadores, eu meu mais novo projeto imobiliário, em minha mais nova terra incorporada, em meu mais novo culto de libertação aprovado por uma “Junta Política-Laica-Cristã”. Vote em minha capacidade de pedir paciência aos quarenta e cinco do segundo tempo; em minha coragem de lançar uma recandidatura; em minha nova vontade de conquistar teu voto e então te dar amendoim, sujar tua rua, te fazer acordar cedo no domingo…
Teu voto será a minha licença para protelar e lucrar por quatro anos. Para molhar as mãos dos meus… lavar o que deve ser lavado e usar de todas as frutas críticas disponíveis para registrar transações que não quero que descubras até que o grande estrago seja feito e teu município definhe e dê razão aos que não votaram em mim… aos mesmos que agora te olham feio por teres ajudado a me colocar no poder. Vote em mim e me deixe livre, não me acompanhe, não me cobre, passe longe do meu gabinete, do e-mail dos meus assessores. Da crítica ao meu mandato. Vote em mim e ache que tudo o que eu fizer estará certo. Que sou livre de erros. E que só por teres votado em mim, tens licença para falar de uma cidade que, se vai bem, é por meu mérito; se vai mal, é por inhaca e mandinga de meus opositores invejosos. Ou por incompetência de meus antecessores.
Vote em mim, para que tua voz de cidadão possa fazer parte das decisões do lugar onde moras. Para que a democracia — ainda que troncha e rota — seja um caminho para as mudanças que podem aparecer. Então reclame da tua rua suja e da obrigação pelo voto; dispensa rápido o fulano chato que não vês a anos; pede desculpa pra tua mancada do colégio; diz NÃO para o ex-parceiro da pelada. Começa esse novo turno fazendo mudanças na tua própria legislação e não me deixa em paz uma só semana; não me adotes como um filho a ser defendido a todo custo; não deixe de fazer críticas ao meu trabalho ou de procurar saber se eu realmente tenho trabalhado por ti. E se houver arrependimento, oponha-se com verdade e faça disso um evento, cruze fontes e me acuse de mentiroso; pule fora da minha lábia e me esqueça. Se tu não deixares, eu não estarei aqui para sempre. Nem estarão aqui os meus filhos. Nem meus netos, bisnetos, sobrinhos, primos, afilhados e protegidos meus e da minha descendência, até o fim dos tempos.
Ei. Psiu! Você aí!
Pensa bem. Olha aqui.
Tu quer mesmo votar em mim?