É um rostinho simpático para um projeto cruel e desumano. Um teórico totalmente alinhado ao marxismo e regimes tirânicos, como o de Fidel Castro. As pessoas pedem mais educação, mas o MEC segue a ideologia do PT..
Criticar o Paulinho? Ah, isso não! Paulo Freire é uma figura sacrossanta! Haja saco… Pedagogia do Oprimido = coitadismo e doutrinação marxista fulera; não recomendo nem para o meu cachorro.
Professor de História responsável pela faixa “Basta de Paulo Freire”.
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Em meio às manifestações contra a presidente Dilma Rousseff ocorridas em várias cidades brasileiras no dia 15/03/2015, foi visto de tudo, tudo mesmo. Como não se tratou de um movimento unívoco em termos ideológicos ou de intenções e propostas para o governo e/ou transformação do país, os cartazes, opiniões e grupos variaram muito, desde pedidos pela volta dos militares, até faixas pedindo impeachment, a volta da Família Real, o voto distrital, e dezenas de outros clamores. Legítimas e dentro do processo democrático, as manifestações marcaram a insatisfação diante da nossa crítica situação política, nossa economia desregulada e os atuais escândalos de corrupção relacionados à Petrobras. Uma pena que tudo se deu da forma como se deu e foi organizada, engrossada e gritada por certos grupos e pessoas que envergonham até os que estão do lado delas.
Mas dentre tantas faixas, uma chamou muito a atenção de praticamente todo mundo envolvido no meio acadêmico. A tal faixa trazia a frase que usei como título deste Fora de Plano e cuja imagem utilizo em destaque. Estava lá, em toda a sua inglória presença, o “basta de Paulo Freire”.
A pergunta imediata que qualquer pessoa faria a essa exposição é: por que Paulo Freire? Ou melhor: por que não Paulo Freire?
Numa passada rápida por qualquer site, o incauto manifestante vê piscar em seu chamativo vermelho-Mao a seguinte frase: “Pedagogia do Oprimido, de Paulo Freire, foi inspirado em ideias marxistas”. E aí… Booooom! Sinos reboam, fogos castristas explodem na Havana-Brasil e o medo dos nossos rebentos se tornarem inquietos rubros de pensamento faz qualquer manifestante ‘bem politizado’ ficar roxo de raiva após passar pela fase verde-nojo à visão de uma pedagogia com esse mote.
Conhecer não é o ato através do qual um sujeito transformado em objeto, recebe dócil e passivamente os conteúdos que outro lhe dá ou lhe impõe. O conhecimento pelo contrário, exige uma presença curiosa do sujeito em face do mundo. Requer sua ação transformadora sobre a realidade. Demanda uma busca constante e implica em inventar e reinventar.
Falta serenidade e um pouco mais de conhecimento.
Paulo Feire, como educador, tem Marx (e conceitualmente Gramsci, no sentido de práxis educacional) como base de análise sobre a luta de classes (independente de sua visão política, tente pensar no termo sem fazer alusão ao Manifesto, e, se precisar de ajuda, imagine aquela pirâmide social que o seu professor de História, Geografia, Sociologia ou Filosofia desenhava na lousa) e ao materialismo histórico. Ele não propõe nenhuma ditadura do proletariado. Ele não incita os alunos a saírem com camisetinha do Che gritando Viva La Revolución! Ou que os professores devam fazer planos de tomada do poder com direito a bandeirinha vermelha, confisco da propriedade privada e extermínio a burguesia… Não se deve confundir as ideias expostas pelo teórico em Pedagogia do Oprimido (1974), Educação e Mudança (1979), Extensão ou Comunicação? (1983), Por Uma Pedagogia da Pergunta (1985), A Importância do Ato de Ler (1989), Ação Cultural Para a Liberdade (1991) e Pedagogia da Autonomia (1996) com as desventuras do coitado repórter adolescente em Tintim no País dos Sovietes.
Paulo Freire propunha a noção de que:
- ensinar não é transferir conhecimento (nós, professores até brincamos com a ideia joaninha do “derramar o saber“, como se o aluno não pudesse e tivesse que participar desse processo e nós fôssemos o rio eterno da sabedoria sobre o qual nenhuma relação humana com o grupo a ser ensinado é possível);
- o aluno não é uma caixa vazia (um dos aspectos pedagógicos famosos — não só em Paulo Freire –, esta visão pode ser confirmada por qualquer professor e por qualquer mãe ou pai durante o processo de educação);
- o aluno deve ser sujeito do seu processo de aprendizagem (provavelmente a maioria dos que estão lendo este texto não devem ter tido a oportunidade de dizer a um professor em sala de aula: não concordo com sua opinião. Há professores até hoje que ficam nervosinhos quando um aluno se coloca diante de uma ideia nova. A colocação pode ser educada e buscar uma discussão de ideias — proposta muito cara a Paulo Freire –, mas o professor, dono de um “saber absoluto e inquestionável”, não curte muito ouvir uma palavra de dúvida sobre o que ele diz, especialmente quando se trata de política. Freire, evidentemente, propõe quebrar com esse absolutismo do Mestre e abre espaço para a construção entre os saberes diferentes: o aluno deve se colocar e aprender com o que vai ouvir como resposta, dialogando com o professor ou procurando ele mesmo saber mais sobre o tema pelo qual se interessou. Cidadania e incentivo à pesquisa também são elementos-bases da pedagogia freiriana);
- professores e alunos aprendem juntos quando se constrói uma relação de confiança e respeito (mais uma vez, um conceito que pode ser comprovado não só por professores como também por qualquer pai e mãe durante o processo de educação de seus filhos);
- a escola pode ser um espaço de pesquisa crítica e geração de novos conhecimentos (Freire se incomodava com o engessamento de ideias ou abordagens, como se o mundo tivesse parado em um tempo e nada de novo, nenhuma pergunta, nenhum “mas e se…?” pudesse surgir para temperar a relação com o conhecimento, que é sempre mutável, fluído e dinâmico, mas que muitas vezes é enxergado como algo imóvel.
Se você chegou até aqui, seus olhos não caíram. Talvez não tenha nenhum fluído vermelho jorrando do seu nariz ou ouvidos. Você provavelmente está bem. Isso é bom.
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Uma questão de método
Paulo Freire não é o bastião comuna que ameaça a nossa sociedade dentro das salas de aula. Ele é um dos teóricos da educação que não entende o ensino dentro de um bloco de gesso sobre o qual o aluno deve guardar todas as impressões. Decorar nomes de reis, números de mortos em uma guerra, sequência de dinastias, quilometragem das fossas abissais e intrigas palacianas não são exatamente os interesses da educação que ele propõe. Essas coisas são uma possibilidade dentro da educação, não o seu meio primordial.
Mas por que o tipo de visão investigativa para além da “Revista CARAS do passado” é importante para a educação? Porque se você está interessado nas motivações que moveram o passado, é possível que vá procurar saber a mesma coisa para a estrutura do presente. Do Brasil presente. E aí, meu caro, o buraco afunda.
Esse projeto educacional, então, gera medo, porque ele não apenas ensina a regra. Ele também mostra o revés. Ele aponta caminhos para outras possíveis regras. Nesse projeto, o aluno se apropria do que lhe é ensinado (em outras palavras, ele sente tesão por aprender, porque se vê parte do processo e não um espectador passivo cujo nível de ação sobre o meio é zero).
Nesse projeto, a palavra liberdade entra em pauta (e por liberdade não estou falando de uma sala de aula com alunos montados no ventilador, bebendo Ponche Crema, coçando a barba ou ajeitando bandanas e cantando versos de Omara Portuondo). A liberdade do aprendizado; liberdade de participação, de construção conjunta — a que chamamos ensino-aprendizagem; pode parecer medonha demais para certos grupos, especialmente para aqueles que se sentem ameaçados só de ouvir falar no conceito de “liberdade” e, por tabela, apoiam a tutela educacional e Estatal com uma mão dura — não era isso que um montão [não todos, é verdade, mas um montão] de gente estava pedindo? Tutela dos militares?
Paulo Freire tem uma obra bastante extensa. E ele tem um viés erudito — no sentido de base e indicações de outras teorias — em suas análises. Um leitor pode não gostar de Pedagogia do Oprimido, por exemplo, por achar exagerado ou “marxista demais”, mas é quase certo que irá assentir para as afirmações de realidades sociais e um ou outro caminho de ensino apontados pelo autor. Ademais, não é só de um livro que se faz a bibliografia de Paulo Freire. Experimente A Importância do Ato de Ler. Ou Ação Cultural Para a Liberdade.
Ainda é preciso dizer que teorias são lidas e interpretadas. É importante ter cuidado para não tomar a parte pelo todo e atribuir a atitude de professores que, tanto de um lado quanto de outro, leram Paulo Freire com olhar viciado e saíram apregoando doutrinas ou anti-doutrinas para algo que Freire nunca disse ou propôs. Como hoje fazem com Darwin, na questão da evolução das espécies (o homem veio do macaco e outros absurdos) ou no patético darwinismo social.
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Finalizando
Assim como qualquer teórico, filósofo, pensador, Paulo Freire pode e deve ser questionado, revisto, discutido e criticado. Todavia, para questionar, é preciso conhecer o que se questiona. Para criticar, é preciso ter conhecimento da coisa que se critica. Senão fica aquele discurso de “meu querido diário, eu acho que…” e então passa-se a brigar pelo sexo dos anjos, um ação tão útil e sábia quanto ler Paulo Freire para um chachim ou indicá-lo para um cachorro.
Com algumas interpretações reimaginadas para o século XXI, o projeto pedagógico de Freire ainda é um dos mais interesses e gostosos de se seguir como um dos caminhos educacionais, seja pelo diálogo entre todas as partes envolvidas no processo, seja pela liberdade de ação e aspecto crítico que suas ideias propõem.
A despeito de sua tão temida cadência marxista, em nenhum de seus livros existe doutrinação marxista, como apregoa alguns. Existe uma forma de entender a educação a partir do mundo e realidade histórica de cada grupo de alunos, dos bairros nobres à periferia; dos que possuem um amparo acadêmico familiar àqueles cujo primeiro contato com as letras é feito na escola. Paulo Freire não é o pensador de uma “pedagogia para pobres e miseráveis se revoltarem”, mas da liberdade cultural e social e da conscientização. Ele é o pensador que, mesmo admitindo a [possível] utopia de seu sonho na educação, imaginou um mundo onde as pessoas entendessem que “ser oprimido” é tanto uma inquietante realidade no campo social e de trabalho quanto no tempestuoso e delicado mundo cultural e das ideias.
Não há amanhã sem projeto, sem sonho, sem utopia, sem esperança, sem o trabalho de criação e desenvolvimento de possibilidades que viabilizem a sua concretização. O meu discurso em favor do sonho, da utopia, da liberdade, da democracia é o discurso de quem recusa a acomodação e não deixa morrer em si o gosto de ser gente, que o fatalismo deteriora.