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Fora de Plano #103 | Somos Todos Bridget Jones?

No âmbito dos relacionamentos, somos todos inseguros e incertos como a icônica Bridget Jones?

por Leonardo Campos
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Bridget Jones, a protagonista da série de romances de Helen Fielding e dos filmes que a adaptaram, é uma personagem icônica na cultura contemporânea, famosa por sua luta para encontrar o amor e, ao mesmo tempo, aceitar suas imperfeições. Em sua trajetória evolutiva de deslizes, trapalhadas e confusões, mas também de muita aprendizagem, a protagonista nos oferece uma visão carismática e reflexiva sobre a vida de uma mulher contemporânea, dentro de suas limitações, obviamente, dominada pelos desafios das relações amorosas e as expectativas sociais diante de um mundo que muda constantemente, mas que rotineiramente, retoma alguns padrões cristalizados ao longo da história da humanidade, dentre eles, a misoginia, o preconceito contra a mulher nas esferas pessoais e sociais, dentre outras questões.

Por meio da ironia oriunda da comicidade, a análise do perfil de Bridget Jones revela a complexidade e a relevância da personagem, apresentada como uma mulher imperfeita, com suas inseguranças em relação ao corpo, à carreira e ao amor. Essa representatividade da imperfeição ressoa em muitas mulheres contemporâneas que lutam com padrões inatingíveis de beleza e sucesso. Ao contrário de muitas protagonistas do cinema, que frequentemente são idealizadas, Bridget é uma representação crua e honesta da experiência feminina. O recente A Substância, dentro de outro viés, estapeou as nossas caras em relação aos problemas mencionados por aqui, nos permitindo compreender que as temáticas envolvendo o estabelecimento da mulher no tecido social é tópico eterno para debate, uma sina da humanidade de pessoas constantemente tomadas pelos rompantes de vulnerabilidade emocional.

Na série de livros de Helen Fielding e nas suas traduções para o cinema, Bridget é uma protagonista emocionalmente aberta e vulnerável, o que a torna acessível e relacionável. Suas lutas pessoais, como o medo da solidão e as inseguranças em relacionamentos, refletem as experiências de muitas mulheres. Mas eu confesso que vislumbro, nesse panorama, as questões de muitas mulheres e homens também. Em linhas gerais, Bridget Jones é uma projeção de questões do ser humano, independentemente de questões de gênero. Essa vulnerabilidade também é um ponto de força, já que a permite explorar questões profundas sobre amor, amizade e autoconhecimento ao longo de sua jornada. Uma das principais características de Bridget é sua busca incessante por autenticidade. Mas o que seria isso?

Ao longo de sua presença de três décadas em nossa cultura ocidental, das colunas de jornais aos romances, transportados para a linguagem cinematográfica, ela tenta encontrar um equilíbrio entre quem ela realmente é e as expectativas que a sociedade impõe a ela. Essa luta pela autoaceitação e pela autenticidade ressoa com muitos espectadores, que se identificam com a pressão para se conformar a padrões sociais, especialmente no que diz respeito a relacionamentos. Bridget tem um relacionamento tumultuado com o amor e com os homens. Seu triângulo amoroso com Mark Darcy e Daniel Cleaver ilustra a complexidade dos sentimentos amorosos e as nuances das relações contemporâneas. Bridget oscila entre a segurança e a paixão, situação esta que revela seu desejo por um amor verdadeiro, mas também suas inseguranças relacionadas à confiança e ao comprometimento.

Uma das características mais marcantes de Bridget é seu senso de humor, que frequentemente se manifesta na autodepreciação. Quem aqui, na leitura, nunca agiu assim? Ou aconselhou alguém que constantemente se reflete socialmente por meio desses recursos de avaliação de si? A divertida personagem toma de empréstimo os recursos do humor como uma forma de se proteger e de lidar com a vergonha e a insegurança, tornando as situações embaraçosas mais suportáveis. Essa habilidade de rir de si mesma não apenas a torna mais simpática, mas também oferece uma perspectiva leve e positiva, mesmo em situações desafiadoras. Ao longo dos livros e filmes, por sua vez, Jones passa por um significativo crescimento pessoal. Sua jornada de autodescoberta é marcada por erros, aprendizados e, ocasionalmente, recaídas em velhos hábitos. Esse crescimento contínuo, mesmo em narrativas que se apresentam irregulares em determinados momentos, atravessadas por estereótipos que a contradizem, é uma mensagem poderosa sobre a importância da resiliência e da capacidade de se reinventar, refletindo a ideia de que a vida é um processo contínuo de aprendizado.

Bridget também serve como uma crítica à sociedade moderna. Sua luta contra as expectativas tradicionais em relação ao casamento e à maternidade coloca em discussão questões feministas mais amplas, como a pressão para se conformar a um ideal de mulher realizada. A evolução de Bridget reflete um movimento em direção à autonomia e à liberdade de escolha, temas centrais na narrativa feminista contemporânea. As relações da personagem com suas amigas também são cruciais para o desenvolvimento de seu personagem. A amizade serve como um suporte emocional, oferecendo camaradagem e conselhos em momentos de dificuldade. Essas interações destacam a importância do apoio feminino e ressaltam a noção de que, para enfrentar os desafios da vida, a solidariedade entre mulheres é fundamental. Entre homens também. Entre mulheres e homens. Entre seres humanos. O que nos leva ao seguinte questionamento: somos todos Bridget Jones? Por que somos tão difíceis em nos relacionar?

Falar de amor, sentimentos e relacionamentos no contemporâneo, com o advento de Bridget Jones: Louca Pelo Garoto, quarto filme da franquia, acaba nos trazendo para as dinâmicas da era digital, onde a forma de paquerar, namorar e se casar se modificaram consideravelmente. A era digital transformou profundamente a forma como as pessoas se relacionam, especialmente através dos aplicativos de relacionamento. Ao oferecer um número quase ilimitado de opções para encontrar parceiros românticos, esses aplicativos têm gerado debates sobre a natureza do amor contemporâneo. Um tema recorrente na discussão é se as pessoas estão se tornando mais inseguras ou voláteis nas suas relações. Para explorar essa questão, é importante considerar diversos fatores que influenciam os relacionamentos na atualidade.

Os aplicativos de relacionamento proporcionam um acesso vasto a potenciais parceiros, muitas vezes descrito como um “candy store” de opções. Enquanto essa abundância pode parecer benéfica à primeira vista, ela também pode levar à indecisão e à sensação de sobrecarga. A teoria da escolha sugere que, quanto mais opções uma pessoa tem, maior a probabilidade de insegurança e insatisfação. O medo de perder uma “opção melhor” pode levar a um comportamento de evasão e à relutância em se comprometer, resultando em relacionamentos mais superficiais. Para além disso, a facilidade de conexão proporcionada pelos aplicativos também implica uma cultura de instantaneidade e efemeridade nas relações. Muitas interações acontecem de forma rápida e superficial, com pessoas trocando mensagens e fotos em um curto espaço de tempo. Isso pode facilitar o início de relacionamentos, mas também gera um ambiente onde as conexões são facilmente descartáveis, aumentando a volatilidade. A busca incessante por validação, muitas vezes medida por “matches” e interações rápidas, pode dificultar a construção de vínculos mais profundos.

O que dizer da insegurança e autoestima? A dependência de validação externa através de curtidas e matches pode impactar a autoestima das pessoas. O uso constante de aplicativos de namoro pode levar a comparações sociais que minam a confiança em si mesmo. A insegurança sobre a própria atratividade, tanto física quanto emocional, tende a aumentar. São sentimentos podem dificultar a formação de relacionamentos saudáveis, pois a insegurança gera dificuldades na comunicação e no compromisso. A dinâmica dos relacionamentos também evoluiu com a ascensão dos aplicativos. O que antes poderia começar como um flerte pessoal e gradual, agora muitas vezes é convertido em interações rápidas, onde as pessoas se sentem pressionadas a se mostrar de forma idealizada. Isso rotineiramente leva a uma falta de sinceridade e autenticidade, já que os indivíduos tentam criar uma impressão favorável para se destacar em um mar de opções. A superficialidade nas primeiras interações pode adiar o desenvolvimento de laços mais profundos, se não adensado assim, ao menos com um grau maior de magnetismo.

As expectativas em relação aos relacionamentos têm se transformado. As gerações mais jovens tendem a valorizar a liberdade e a autoconsciência, o que pode criar um paradoxo entre o desejo de se comprometer e a necessidade de manter a autonomia. Essa ambivalência pode resultar em relacionamentos menos estáveis, onde um ou ambos os parceiros hesitam em se comprometer plenamente devido ao medo de perder a liberdade ou a possibilidade de encontrar algo “melhor”. A vulnerabilidade é um componente essencial das relações amorosas saudáveis. No entanto, a cultura atual, alimentada por mídias sociais e aplicativos de namoro, pode incentivar a resistência à vulnerabilidade. O medo de se mostrar verdadeiro pode criar barreiras emocionais, dificultando a criação de conexões profundas. Isso resulta em relacionamentos que, em vez de serem enriquecedores, tornam-se fontes de ansiedade e insegurança. Em sua jornada, Bridget Jones teme as suas inseguranças, mas não deixa de narrar seus percalços com sinceridade. Com o desempenho dramático sincero de Renée Zellweger no cinema, essa esférica figura ficcional promove ainda mais identificação com nós, espectadores, num jogo de semelhanças com situações nossas, corriqueiras, que provocam aquele riso nervoso diante de afirmações do tipo “uau, nossa, também passo por isso”. Ou “já passei”.

De uma era onde os e-mails começaram a se popularizar, para a atual geração das redes sociais e aplicativos de encontros, Bridget Jones sempre buscou se adaptar, mesmo diante de muitas confusões e trapalhadas. E você, caro leitor, na era do Tinder, do Grindr e de tantas outras formas de se conectar para se relacionar, você tem sido mais ou menos Bridget Jones? Numa era onde está difícil ser homem, ser mulher, em geral, ser humano, como lidar com as exigências essas demandas? Foram perguntas que surgiram muito antes dos créditos finais de Bridget Jones: Louca Pelo Garoto, mas estabelecidas ao longo da leitura dos romances de Helen Fielding e da reconexão com os três filmes anteriores, conferidos antes do embarque na mais recente jornada da protagonista que, salvaguardadas as devidas proporções, como já mencionado, espelha as questões de todos nós, humanos, vulneráveis diante de nossas imperfeições e constantemente projetados para o olhar do outro.

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