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Fora de Plano #100 | Uma Noite com Chuck Palahniuk

Invasão de cangurus e outras bizarrices.

por Ritter Fan
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*Fotos incompetentemente tiradas por mim ou por minha esposa.

Já fui a algumas noites de lançamento/assinatura de livros, mas nunca antes havia tido a oportunidade de assistir a um chamado Book Tour de celebridade literária pop dos EUA, mas, quando, em preparação para minha viagem para Los Angeles para deixar minha filha mais nova em sua faculdade (sim, sim, a tal Síndrome do Ninho Vazio é real…) em agosto de 2023, descobri que ninguém menos do que Chuck Palahniuk lançaria um livro novo no dia 05 de setembro e que, no dia 06, ele faria uma “apresentação” na Cidade dos Anjos. Curioso não exatamente para ver Palahninuk, autor que gosto, mas não idolatro, mas sim para experimentar um Book Tour, corri para comprar ingressos para mim e para minha esposa.

E aqui estou eu sentado em frente ao computador para contar nossa experiência de três horas na noite do dia 06 de setembro no um tanto quanto decrépito Regent Theatre, uma casa multiuso que sedia desde shows de rock até stand-up comedy, que, segundo consta, foi estabelecido em 1913 no que hoje é o Centro de Los Angeles, um dos “centros de cidade” mais feios que já tive o (des)prazer de conhecer, ainda que definitivamente tenha coisas interessantes para ver, como o belíssimo Bradbury Building, cujo interior serviu de locação para o prédio onde J.F. Sebastian mora, em Blade Runner.  Mas eu estou me adiantando, pois não tenho a menor intenção de escrever pouco ou de começar pelo evento em si. Portanto, a caso você queira pular todo o meu texto turístico inicial para ler somente sobre Palahniuk e seu show de variedades com bolas plásticas infláveis sendo arremessadas, cangurus infláveis sendo sorteados e arremesso de chocolate e bichos de pelúcia, vá para o capítulo correspondente.

Fazendo a Viagem Valer

O museu The Broad.

A não ser que você seja maluco de se hospedar no centro de Los Angeles – que ganhou a sigla DTLA, de Downtown LA, para parecer mais bacana do que é – ir até lá é um esforço que um Book Tour apenas não paga nem se o autor fosse o recém-falecido Cormac McCarthy. Portanto, para que eu tivesse ânimo de novamente dirigir até lá do hotel onde estava em lugar bem mais civilizado, comecei a criar “complicações” para o dia. A primeira delas foi uma sugestão muito bem-vinda de minha esposa, que reparou que havia uma exposição de curta temporada do artista Keith Haring no museu de arte moderna The Broad (quase em frente ao MOCA, outro museu do mesmo tipo de arte e ao lado do Walt Disney Concert Hall, por si só uma obra de arte moderna projetada por Frank Gehry). Ou seja, se você não gosta de arte contemporânea – e eu não sou lá muito chegado não, confesso – você está definitivamente no lugar errado.

Mas cultura é cultura e uma dosezinha dela de vez em quando não faz mal a ninguém, mesmo que ela não seja de seu agrado (e, não sendo, ela se torna ainda mais especial, pois, no mínimo, amplia horizontes). Compramos os ingressos para ver a exposição dedicada ao Haring – o museu em si é gratuito, mas as exposições especiais como essa são pagas e têm hora marcada para evitar humanos se acotovelando e que pessoas como eu partam para espancar gente que não sabe se comportar – e não nos arrependemos. Claro que já conhecia a arte dele (quem não viu alguma vez, mesmo que não reconheça o nome, não é mesmo?), mas nunca nessa quantidade em uma exposição só. O bombardeio visual com suas cores e simbologia crítica foi fantástico e a tortura de dirigir até o DTLA começou, então, a se dissipar de minha cabeça.

Um pouco de Keith Haring!

O problema é que vimos a exposição e o restante do museu (que eu já conhecia, mas há uma rotatividade grande de obras, o que o mantém constantemente atraente para quem gosta de arte moderna) de 3 às 5 da tarde e ainda faltavam duas horas para o evento começar. Mas, como disse, há coisas interessantes a se fazer e, do The Broad, partimos para descer o funicular laranja conhecido como Angel’s Flight – outro lugar histórico, apesar de esse “bondinho” não estar no lugar original onde funcionou de 1901 a 1969 (conseguem imaginar como era L.A. em 1901???), tendo sido desmontado para gentrificação e remontado somente em 1996 não muito longe de onde ficava, com um acidente fatal em 2001 levando-o a ficar fechado até 2010. Dá para descer e subir de escada, claro, mas o charme de se usar o bondinho que custa um dólar cada perna é irresistível.

E o melhor é que ele desemboca em frente ao Grand Central Market, que existe desde 1917, e que congrega diversos estandes de comidas e bebidas variadas, com direito a muita gordura e a muito açúcar, iguarias que não podem faltar na requintada culinária dos Estados Unidos. Tínhamos tempo e, mais ainda, tínhamos fome, pelo que comemos uma pizza (ok, duas), um pedaço de torta de limão (um só mesmo!) e tomamos bem tirados cafés. Olhamos o relógio e nada feito. Ainda tínhamos uma hora até o começo do evento (sim, nós comemos rápido, sempre fomos assim, sem enrolação, sem muito bate papo), mas a solução para isso era mais do que óbvia: The Last Bookstore.

(1) Angel’s Flight; (2) Grand Central Market e (3) The Last Bookstore

Claro que essa livraria não é a última, como seu nome indica, mas ela é uma das poucas grandes livrarias independentes em Los Angeles e sempre merece uma visita, seja para passear pela infinita coleção de livros novos e usados sobre absolutamente todos os assuntos, seja para ficar admirado por sua peculiar organização, especialmente no segundo andar, em que há labirintos, túneis e janelas feitas de livros, além de espaços temáticos. É uma diversão perder-se por ali e foi exatamente o que fizemos, a ponto de eu ter recorrido ao telefone para achar minha esposa para partirmos esbaforidos de lá até o Regent Theatre.

E, finalmente, Chuck Palahniuk!

O Regent por dentro. Reparem nos cangurus infláveis lá no fundo!

Quando, poucos minutos depois, chegamos no teatro, com o que nos deparamos? Sim, uma fila já dobrando a esquina. Afinal, não havia reparado, mas os lugares não eram marcados e deveria ter sido óbvio para mim que os “palahniukeiros” chegariam cedo para poder pegar os melhores assentos. Como eu “adoro” filas, minha reação foi de desânimo total e absoluto, a ponto de pensar seriamente em desistir, só sendo demovido dessa ideia quando lembrei que havia deixado o carro no estacionamento do The Broad. Portanto, sem alternativas, ficamos lá na rua fedida do teatro aguardando até um ou dois minutos depois das 7 da noite, quando finalmente a organização do evento se dignou a nos deixar entrar.

E o processo de entrada foi rápido, devo admitir. Eu sabia que cada ingresso valia o livro novo do autor – Not Forever, But For Now – devidamente autografado por ele, pelo que, quando ele me foi entregue antes de eu sentar, achei que tudo o que eu precisaria carregar já estava comigo. Mas eis que, ato contínuo, eu e minha esposa ganhamos, cada um, uma bola plástica com a instrução de encher assim que sentarmos, dois palitos luminosos (daqueles de luz química) para enfiar nos lugares apropriados da bola (ok, admito que essa frase não ficou legal, mas vai ficar assim mesmo) e uma espuma luminosa que é o casamento herege entre um sabre de luz com um macarrão de piscina. Ou seja, a palhaçada havia começado, especialmente porque todos os ajudantes dentro do teatro banhado em mais luz vermelha do que no distrito correspondente de Amsterdã estavam vestidos de canguru, com um monte de cangurus infláveis autografados por Palahniuk no palco…

O livro e os cacarecos inúteis que recebemos logo na entrada.

Foi assim que eu aprendi que Book Tour é, supostamente, para ser engraçadinho, cheio de bobagens para divertir gente jovem e bastante participativo. A prova disso foi quando os assistentes-cangurus (o animal típico da Austrália é um elemento temático do livro, daí seu uso) começaram a provocar um festival de arremessos de bolas de plástico luminosas no teatro, o que levou a momentos hilários como quando algumas delas acertaram desavisados com copos cheios de cerveja, mas que durou por tempo demais, ou seja, mais do que cinco minutos. Como paciência para esse tipo de coisa é algo que desconheço, comecei a torcer para que os assistentes-cangurus acertassem uma bolada bem nas fuças de um cara parrudo que se irritasse e partisse para cima deles, algo que, sinto dizer, não aconteceu.

Somente às 8 é que o representante da Book Soup, outra famosa livraria de Los Angeles que estava organizando o evento, deu início oficial aos trabalhos, apresentando Palahniuk. O autor subiu ao palco e, imediatamente, tirou seu paletó e seus sapatos(???), o que me fez indagar o porquê de ele já não ter entrado dessa maneira. Interessantemente, apesar de ele provavelmente já ter feito vários eventos semelhantes, ele demorou a encontrar seu ritmo, saindo do que parece ser uma timidez inata que o tornou imediatamente relacionável. Apesar de seus mais de 60 anos, seu ar foi jovial e muito autêntico na forma como contou anedotas sobre sua vida, seja como quando indagou de Max Brooks se Guerra Mundial Z era, na verdade, sobre a morte de sua mãe, Anne Bancroft, seja como quando contou sobre o bullying que sofreu na escola, fazendo paralelos com Carrie, a Estranha.

Chuck e seus assistentes-cangurus.

Mas se vocês acham que Palahniuk contou suas histórias da maneira tradicional, parado em pé diante de um plateia e falando ao microfone como se estivesse dando uma palestra, estão muito enganados. Enquanto falava, ele ia desencaixotado uma quantidade boçal de pequenos cangurus de pelúcia e de sacos de chocolate e arremessando-os para a plateia. Na verdade, minto, ele os arremessou NA plateia. Enquanto as pelúcias, por serem pelúcias, não eram problemáticas, os sacos repletos de barras de chocolate eram pesados e poderiam machucar se acertasse alguém em cheio. Em meio a esse momento surreal em que eu estava mais preocupado em não tomar uma chocolatada na cara, tenho o orgulho de dizer que minha esposa conseguiu, quase como uma jogadora profissional de beisebol, pegar não um, mas dois desses sacos, ainda que eu não saiba muito bem para que, pois nós dois já passamos da idade de nos empanturrar com esse tipo de guloseima.

Depois das anedotas coloridas pelos bólidos adocicados, o autor promoveu um jogo e pediu para todo mundo levantar seus “sabres de luz”, com a luz sendo apagada em seguida somente para fazer aquele efeito bacana e depois acendida novamente para a brincadeira começar: ele arremessaria arcos de espuma e quem conseguisse pegar um com o pau iluminado (a 5ª série baixou aqui por um momento…), ganharia – RUFEM OS TAMBORES – um dos cangurus infláveis (já devidamente inflados) e assinados pelo autor. Como sou rabugento até não poder mais, pensei algo como “para que raios eu quereria esse canguru idiota?”. Afinal, era mais um treco para carregar para o carro e, pior ainda, algo que eu jamais poderia levar na mala a não ser que eu o desinflasse. Portanto, meu pau não foi levantado (e continua a 5ª série…). Só que o de minha esposa foi. E não só foi, como ela conseguiu enfiá-lo pelo arco e ganhou o canguru que imediata e carinhosamente batizamos de Chuckaroo.

Chuck criminosamente arremessando chocolates com toda a força na plateia.

Em seguida, Palahniuk leu um conto inédito de sua autoria – Suspension of Disbelief -, revelando que, como leitor, ele é um ótimo escritor, para em seguida ele ler outro conto cujo nome não me lembro e recitar, de cabeça, o poema Jaberwocky (Jaguadarte no Brasil), de Lewis Carroll provavelmente para tirar onda, pois ninguém é capaz de sequer entender aquilo, quando mais decorar tudo e ainda conseguir declamar convencendo todo mundo de que o que está sendo falado é perfeitamente compreensível. Sim, Palahniuk é um showman de show de variedades e sua mente bastante deturpada – se você já leu algum livro dele, sabe do que estou falando – parece refletir em basicamente tudo o que descrevi acima, seja a intensa luz vermelha do início, seus minions com fantasias de canguru ou os violentos arremessos de chocolate.

Ah, já ia me esquecendo que o último momento da noite foi uma sessão de perguntas e respostas com a plateia que levantava as mãos desesperadamente e algum assistente-canguru, então, escolhia para entregar o microfone. O problema desse tipo de coisa é que os perguntadores invariavelmente costumam se dividir em dois grupos, o dos Fãs Doentes que Fazem Questão de Mostrar que São Fãs Doentes e o dos Chatos que Perguntam Qualquer Coisa Só por Perguntar. Os pertencentes ao primeiro grupo fazem elogios quase histéricos e/ou chorosos a quem eles idolatram e, antes de perguntar alguma coisa do tipo “o que você quis dizer com o terceiro parágrafo da última página da versão perdida e jamais republicada de seu livro tal?”, discorrem um tempão sobre como seu ídolo foi importante para a vida dele. Os pertencentes ao segundo grupo levantam para perguntar coisas do tipo “qual é seu hobby favorito?” (o do Palahniuk é construir castelos de pedra em sua propriedade com suas próprias mãos…) que não acrescentam nada a ninguém e que, claro, os fãs doentes já sabiam. A que grupo eu pertenço? Ao terceiro, que é aquele que muito facilmente exterminaria os outros dois a marretadas…

O caminho de volta

Foi um dia intenso e uma noite decididamente diferentona com esse Book Tour inusitado. Eu até esperava algo mais psicodélico do que uma mera sessão educada de perguntas e respostas com um sofá no palco, mas não tinha a menor ideia de que seria um negócio tão doido. Se eu voltaria para algum outro Book Tour dessa natureza? Provavelmente não. Como diria Murtaugh, estou velho demais para essas m&rd@s.

No entanto, eu não poderia encerrar a 100ª edição de nossa coluna Fora de Plano sem passar um atestado de minha idiotice completa. Sabe aquela história de que ninguém anda em Los Angeles, só dirige? Pois é a mais pura verdade. Eu sempre soube disso. Eu vivi lá por um ano há 20 anos, oras! Mas eis que, como eu disse, eu havia parado o carro lá no museu The Broad, que não é muito longe, mas também não é do lado. Bem, quando tudo acabou, já estava tudo escuro e todo mundo que estava no teatro encaminhou-se para seus carros que ou estavam parados na rua, nos parquímetros, ou no estacionamento que tinha em frente (sim, exatamente em frente…). Mas eu não, claro. Eu tinha que andar de volta para o The Broad carregando dois livros, dois sacos de chocolate, um monte de bugigangas e, não tenham dúvida, nosso querido Chuckaroo, com minha esposa ao lado fazendo como aquela motoca pequenina do desenho Carangos e Motocas: “Eu te disse, eu te disse, mas eu te disse”. Em mereci…

E olha, foram alguns minutos tensos de uma caminhada com passos apertados por ruas desertas, com iluminação meia boca, cheiro de lixo, alguns transeuntes bem suspeitos e, claro, a necessidade de subir as escadas do Angel’s Flight que, como não poderia deixar de ser, já estava fechado (não é sem querer que não tenho fotos desse périplo). Deixe-me só encerrar dizendo o seguinte: não sejam estúpidos como eu fui. Se estiverem em Los Angeles, parem o carro o mais perto possível de onde tiverem que ir, especialmente se for no centro da cidade…

Obs: Se alguém tiver interesse em saber o destino do Chuckaroo, bem, nós decidimos deixá-lo por lá já na viagem de carro de volta, mas não sem antes apresentá-lo à nossa filha e aos funcionários da recepção na noite em que chegamos, mas já dizendo que não tínhamos como levar de volta. Coincidência ou não, no dia seguinte recebemos uma mensagem do concierge dizendo que um funcionário tinha um filho que adorava Chuck Palahniuk e que, se nós realmente não quiséssemos o bicho, eles poderiam providenciar a adoção. E assim foi feito! Ah, Chuckaroo, esperamos que esteja bem em seu lar adotivo!

(1) Chuckaroo dormindo no carro (2) Chuckaroo acordando em nosso quarto no dia seguinte.

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