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Entenda Melhor | Vidas Secas: A Tradução Fotográfica de Evandro Teixeira

A edição comemorativa de 70 anos do romance de Graciliano Ramos, pelo olhar do fotojornalista Evandro Teixeira.

por Leonardo Campos
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Quando Vidas Secas, de Graciliano Ramos, romance associado pela crítica literária aos livros da Geração de 30, completou 70 anos, o retomado fotojornalista Evandro Teixeira atravessou os territórios sertanejos de Alagoas e de Pernambuco para compor um conjunto de imagens que funcionassem como sua tradução em imagens para o icônico romance publicado em 1938. A edição, criada com primor estético e cautela literária foi lançada em 2008 e ganhou capa dura pomposa, luva com muito estilo, numa respeitosa edição para o romance que é um grande marco da nossa literatura do século XX, constantemente presente em concursos, vestibulares, tópicos temáticos de artigos, dissertações e teses acadêmicas, dentre outras instâncias de reflexão sobre literatura e cultura.  Neste breve artigo, pretendo analisar a publicação em questão, inicialmente fazendo um passeio pelo livro de Graciliano Ramos, posteriormente fornecendo ao leitor mecanismos para o trabalho de análise fotográfica, para na terceira parte, o desfecho, tecer reflexões sobre o processo de tradução de Evandro Teixeira. Vamos nessa?

Publicado depois da prisão do escritor pelo Estado Novo, Vidas Secas é um romance composto por capítulos desmontáveis, que nos possibilitam a sua leitura dissociados do conjunto, como contos sobre personagens dispersos pelo árido e inóspito sertão nordestino, um espaço de estabelecimento da miséria social que acomete o Brasil há eras. Na história, acompanhamos os arroubos silenciosos de Fabiano, Sinhá Vitória e seus filhos, o Menino Mais Velho e o Menino Mais Novo, acompanhados da humanizada Baleia, a cadela da família, personagem marcante por diversos motivos, dentre eles, a sua curiosa presença antropomórfica. Nesta jornada, eles atravessam o sertão e enfrentam por privações de todo tipo. Sofridos, os personagens ainda precisam tentar lidar as instâncias de poder, representadas na figura do Soldado Amarelo, além do esquema feudal de pertencimento ao trabalho, com ecos das relações feudais, em pleno século XX. Nesta travessia opressora, buscam driblar a circularidade de seus trajetos, mas a realidade é escaldante e ocre, como o próprio sertão, sem muito espaço para esperanças, delineando que a falta de perspectiva precisa ser aceita e vivida em sua terrível intensidade.

Propostas para análise da imagem: interpretando fotografias

As dicas que seguem foram inspiradas na elucidativa Proposta de Modelo de Análise da Imagem, da Universidade de Beira Interior, na Espanha. Através de uma exposição didática, o site nos apresenta alguns detalhes importantes para as pessoas que se debruçam sob uma análise imagética. Inicialmente você precisa encontrar o título ou a legenda da fotografia. Lembre-se que a produção e a recepção são esquemas de natureza distinta. Busque o nome do autor, o ano de produção e a nacionalidade, pois são dados importantes nos permite a sua compreensão historicamente e geograficamente. Conhecer previamente o autor também ajudar.

Logo mais, preocupe-se em buscar a origem da imagem. De onde procede? Um livro, um catálogo ou um documento eletrônico? Há a possibilidade de identificar o gênero fotográfico? Tente. Apesar de ser um tema bastante polêmico, a identificação do gênero pode orientar a sua análise. Observe se é fotografia de imprensa, fotojornalismo, fotografia de arquitetura, fotografia de moda, natureza morta, fotografia publicitária etc. A divisão em gêneros é polêmica assim como no cinema e na literatura. Um romance como Senhora, de José de Alencar, por exemplo, é classificado como parte do movimento romântico na literatura brasileira, mas dotado de traços realistas, como uma espécie de romance de transição. A compreensão do gênero nos permite entender porque a protagonista segue um rumo durante a narrativa e no final descamba em outro caminho não esperado inicialmente.

E um musical como Moulin Rouge – Amor em Vermelho, de Baz Lurhmann? É apenas um musical ou uma tragicomédia romântica musical pop? Entenderam? Fui para a literatura e o cinema, linguagens que já trabalhamos, para ampliar as possibilidades interpretativas do que proponho aqui. Uma fotografia pode ser parte de dois gêneros ou até mais. Depende muito do contexto, por isso, esteja bastante atento ao seu processo analítico, tendo em vista evitar interpretações errôneas.  Outro detalhe que precisa ser pensado é o movimento. A imagem analisada pode ter elementos estéticos cujo domínio seja muito útil para a sua jornada interpretativa. É preciso situar o autor da fotografia com o movimento, escola ou corrente pertencente. Parece uma forma de colocar os produtores em caixinhas, mas esta é uma alternativa didática de melhor analisar a imagem selecionada.  Para melhor analisar uma fotografia, será preciso a imersão nos níveis morfológico, compositivo e enunciativo da imagem.

Nível morfológico: inicialmente observamos a descrição do motivo fotográfico: o que a fotografia representa numa primeira leitura? Mais adiante você precisa se ater aos elementos morfológicos. Entre eles, o ponto, considerado o elemento visual mais simples, pois designa o ponto de vista da imagem. É grão fotográfico (fotoquímica) ou pixels (foto digital)? O próximo passo é a linha, sucessão de pontos que, pela sua natureza, gera movimento e representa o elemento plástico com força suficiente para veicular as características estruturais (forma, proporção etc.) de qualquer objeto. Os planos, do ponto de vista morfológico, são as dimensões ou limites da imagem, de tal forma que determinam a existência de uma profundidade espacial.

A escala é a forma como cada plano (quadro) é escolhido, juntamente com a sua significação. Refere-se ao tamanho da imagem. Comum ao cinema e a TV, aplica-se perfeitamente no contexto fotográfico. É neste momento que você observa se é Grande Plano, Plano Médio, Plano Americano, Plano Geral, Plano Detalhe, Plano de Conjunto etc.  A forma é basicamente o aspecto visual e sensível de um objeto e da sua representação. A textura é o elemento visual que sensibiliza e caracteriza naturalmente a superfície dos objetos ou sujeitos fotografados. Na morfologia da fotografia ainda há tópicos como a nitidez da imagem, a iluminação, o contraste e a tonalidade.

Nível compositivo: neste nível observamos o sistema sintático, bem como o espaço e o tempo da representação. O espaço é muito importante por trazer questões como o que há no campo e o que está fora de campo, assim como no cinema, lembra?O campo se define como o espaço representado na materialidade da imagem e que constitui a expressão plena do espaço da representação fotográfica.

Nível enunciativo: uma fotografia pressupõe a existência de um olhar enunciativo. A ideologia presente na imagem e a mensagem que é transmitida são elementos importantes para a sua análise, o que culminará na interpretação global do “texto” fotográfico. Há ainda dois aspectos importantes para amarrar a sua reflexão: as condições de produção (instância autoral, contexto social, econômico, político, cultural e estético) e as condições de recepção da imagem (onde se mostra e a que público se dirige). O direcionamento dado nesta seção não é definitivo. Se você tem interesse numa análise mais profunda de cada elemento, sugiro a leitura de um manual específico de fotografia. Pesquise e adquira o seu. Será uma forma de complementar a sua leitura de imagens, o que por sua vez, resultará em reflexões mais densas. Feito este breve panorama, vamos agora ao processo de análise das fotografias de Evandro Teixeira, traduções do romance Vidas Secas, do conciso e estiloso Graciliano Ramos, um dos grandes representantes da literatura brasileira do século XX.

Evandro Teixeira e a Tradução Fotográfica de Vidas Secas

A subjetividade é um traço marcante da edição de 70 anos de Vidas Secas, acompanhada da tradução fotográfica de Evandro Teixeira, profissional que nasceu na região nordestina, em 1935, tendo sido marcado por memórias pessoais evocadas em suas imagens de visualidade intimista da população sertaneja, figuras sujeitas ao processo de mobilidade diante da insubmissa condição geográfica de uma região marcada por desigualdades sociais. Em sua composição, há planos distantes, que representam o isolamento destas pessoas em suas condições complexas, num trabalho primoroso que não insere aleatoriamente os personagens fotografados na paisagem, mas cria significados para as suas respectivas presenças, denotando a intenção do profissional em não aderir ao pueril flagrante supostamente aleatório, mas criar imagens com tons dramáticos, com cuidadosa oscilação entre luz e sombra, se distanciando da ilustração para entregar aos leitores da edição um cruzamento entre fotografia e literatura.

Ao longo das 208 páginas, Evandro Teixeira se apresenta como um construtor da realidade nordestina por meio de seu filtro cultural, isto é, a câmera fotográfica, imbuído pela representação deste “real” através da subjetividade, relacionada com a sua trajetória influenciada pelas diversas técnicas e estéticas, bem como a sua aproximação empírica com o ambiente retratado. Neste espaço formatado historicamente, o fotógrafo vive novas experiências, posteriores ao seu projeto sobre Antônio Conselheiro, Os Sertões e os conflitos de Canudos, desenvolvido na segunda metade dos anos 1990. O tom biográfico permeia todas as imagens, num trabalho que também se destaca pela expressividade do tom psicológico, postura que nos apresenta alguém saindo pela tangente e evitando a construção de um equivocado discurso panfletário, um risco para uma jornada do tipo. Os efeitos de seca estão delineados no design de suas imagens, não deixando de ser politicamente engajado e socialmente crítico. Vidas Secas: 70 anos, fotografado por Evandro Teixeira, é um deleite para os amantes da fotografia e da tradução intersemiótica.

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