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Entenda Melhor | Tim Burton – A Ignorada Permanência do Estranho

Até quando entendemos e aguentamos o estranho burtonesco.

por Davi Lima
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Tim Burton

Em 2019, Dumbo, live action da Disney, recebeu uma mista recepção com uma bilheteria abaixo do esperado pelos acionistas da empresa do Mickey, especialmente pensando na glorificada nostalgia que essa franquia de repaginação realista intenta avidamente. O resultado não surpreendeu muita gente, ao menos por dois motivos aparentes: a carreira de Burton fora de conexão, sem brilho nos últimos anos, e a distância temporal da animação original de Dumbo, que não teria poder suficiente para um efeito de memória no público. Ambos os argumentos ignoram o porquê de Burton ter se tornado sinônimo de baixa qualidade artística e como em uma sociedade informada, se a nostalgia não tivesse força o suficiente, ao menos a problemática racial seria incitação suficiente para tempos politizados, fora o resgate negativo da animação ser uma motivação ainda mais atraente para se reformular em uma linha politicamente correta. Porém, do mesmo jeito que defendem correções ao Dumbo de 1941 sem averiguação de tais questões, as explicações que fazem Tim Burton menos popular estão no próprio filme, ao menos em uma de suas mensagens.

O que faz Dumbo ser um “olhar de um autor”

Antes de explorar isso, é preciso encontrar em  Dumbo o que teoricamente fez Tim Burton famoso. Em geral, pode-se afirmar que o encanto pelo estranho, em que personagens como Dumbo e Edward pela aparência e preconceito são taxados como infelizes pela sociedade, mas a tal estranheza torna a possibilidade de felicidade deles serem melhores em algo que muitos não são na sociedade. No aspecto do falso espetáculo dominado apenas pela  busca de dinheiro, o impossível se torna possível por meio do elefantinho que alivia a ironia de como ele é vendido como sonho para ludibriar, não oportunidade de fato para os sonhadores. Esse pensamento singelamente filosófico sobre um conflito social espelhado na aceitação de um animal com orelhas grandes é o que permeia a filmografia de Tim Burton, em especial nesse filme.

Numa geração pós-moderna para quem o estranho virou moda e a coerência se perdeu na luta contra as traumáticas categorizações sociais, o filme da Disney comenta sobre como refletir a respeito do que é diferente. Não é trazer de volta divisões sociais, é se encantar pela diferença que um elefante voador faz na vida de pessoas que perderam sonhos ou são enganadas. Burton também demonstra sua apreciação pela configuração dos cenários como personagens de seus filmes, como é o caso do Dreamland, e seu exercício constante de se alinhar aos estúdios sem perder seu autorismo. São esses fatores que tornaram Tim Burton famoso, mas o próprio tempo o tem apagado pelo suposto relaxamento e  repetição. Por comentar sobre as mesmas coisas peculiares, sem atualizações significativas, sendo um homem que continua usando sua infância como projeto. 

No entanto, fica a dúvida se ele precisa diferenciar, se “re-originalizar”, ou se os seus comentários, como em Dumbo, em relação à venda de sonhos, do estranho normalizado e da falta de coerência, são divagações de um artista anestesiado pela comercialização de seu estilo. O que aconteceu com o estranho? É possível se encantar por ele de maneira direta, sem artifício do realismo? Por que a cena final de Dumbo mostra uma evolução darwinista de um elefante que voa na selva? A fantasia esquisita ainda ajuda sobre a realidade ou é interface ultrapassada? São perguntas interessantes sobre arte e sobre um cara esquisito que se mostra indiferente às percepções padronizadas de bom ou ruim, quando ama o diretor Ed Wood e demonstra o belo em impulsionar a relação da arte com o seu eu.

Tim Burton

Bastidores do filme Grandes Olhos (2014).

Na  Teoria de Autor, Tim Burton passa por todos os testes. Sua assinatura existe no contraste de cores, no apreço pelo design gótico/fantasioso, nas temáticas de estranheza e na criação de um universo atemporal nada realista. Seu estilo é distinguível até mesmo em seus filmes menos estilizados, como em Peixe Grande e Suas Histórias Maravilhosas e Grandes Olhos, sempre apresentando uma característica autoral , até mesmo as menos enfáticas na sua filmografia, como o discurso sobre as artes plásticas de Grandes Olhos, e a inspiração no folclore de Peixe Grande. Mesmo trabalhando com grandes estúdios, Burton nunca abdicou de sua direção criativa, do burtonesco, e na suas entrevistas para o Hollywood Reporter, na época de lançamento de Frankenweenie, nunca acreditou muito nessa cisão entre o diretor e o estúdio, embora soubesse que havia divergências. Ao mesmo tempo, ele defende que as histórias de seus filmes sempre são algo que o conecta, como sobre sua infância e inspirações que vem dela ao longo do tempo. Embora a fala de um artista não proveja  tudo, este  é um argumento do próprio realizador sobre as  teorias que dizem que ele está  num processo de autoplágio  ou escolhendo os roteiros de maneira menos cuidadosa, basicamente perdendo o brilho. Embora sejam possibilidades que Burton pode não revelar diretamente, esse impasse sobre sua carreira pode ser melhor observado por análise temporal dela.

O autor dentro do tempo

Partindo do presente do último filme dirigido por Burton, em 2019 tivemos um panorama dos filmes de super-heróis em alta, live-actions da Disney, o qual Dumbo faz parte. Junto a isso há um processo cada vez maior de evasão do cinema de médio orçamento e um tratamento cinematográfico que anseia mais realismo e lógica nos roteiros. Além disso, há a busca no cinema por causas sociais temáticas que vocalizem o próprio público como representatividade. Indo agora para metade da década de 80, ano de 1985, quando o personagem televisivo e de apresentações de palco Pee-Wee foi ao cinema com a produção da Warner Bros., dirigido por alguém  recém desempregado pela Disney, conhecido por assustar crianças e falar sobre morte de maneira sombria. Pode não ser uma comparação alinhada de contextos ou características temporais, mas fica claro onde Burton começou e onde ele terminou. 

Tim Burton

Tim Burton nos bastidores de As Grandes Aventuras de Pee-Wee (1985).

Os anos de ouro do diretor aconteceram especialmente na década de 90, ou pelo menos são reconhecidos como anos dourados porque o diretor estreou no  desenvolvimento subcultural dos Freaks, Nerds and Weirdos, que deu  nome ao documentário dirigido por Rob Fox. Era o  fim da Guerra Fria, tempos em que a voz juvenil exacerbou contra as padronizações artísticas, sociais, valorizando os fora da curva, os estranhos, os não categorizados. Como várias subculturas, houve uma capitalização dessa dinâmica noventista, e Tim Burton representava a voz temporal, a aceitação das diferenças com os fantasmas bonzinhos de Beetlejuice – Os Fantasmas se Divertem e a inclusão de um homem com tesouras nas mãos em Edward Mãos de Tesoura. Burton no seu “jeito desajeitado”, só usando  preto, trouxe o discurso em favor da pluralidade, contra tabus , usando humor sexual meio crítico, algo indecifrável, assim como seu estilo. Uma expressão artística única e representativa. 

Infelizmente a mesma imagem de Burton no tempo é desgastada não só por suas escolhas de projetos com  amplas críticas negativas, como os remakes de Planeta dos Macacos (2001) e A Fantástica Fábrica de Chocolate (2005), mas como o discurso de se encantar pelo estranho foi normalizada na  aceitação popular que a Cultura Pop distribuiu. O burtonesco não é mais uma peculiaridade, é uma moda. Enquanto Burton trabalhava a estética como base para o confronto social, em meio à inocência encantadora da estranheza, misturando vários fatores sem muita programação, desenvolveu-se na indústria Hollywoodiana uma perspectiva “artisvista”, imediatista e lucrativa. O confronto social se torna uma troca com o público, não necessitando mais de originalidade para a representatividade social na história que atenda agendas minoritárias, e o discurso social se torna mais direto, realista, lógico, não relacionado ao design. Os moldes mudaram, há menos alternativas em meio a tanta concorrência padronizada, e embora Burton diga que é inspirado pelo tempo, sua temática não mudou com a sociedade, mesmo ela ainda falando de algo perpetuado: a categorização social opressiva, comentada no texto de A Noiva Cadáver e Alice no País das Maravilhas como o julgamento negativo ao estranho; expresso diretamente em Frankenweenie; e falando sobre a destituição artística na comercialização da arte, em Grandes Olhos

Tim Burton

Tim Burton e seu ídolo Vincent Price nos bastidores do curta-metragem Vincent (1982).

Mas se o diretor não mudou seu estilo, porque a problematização quanto a Burton ter sido com o tempo menos popular? Não é natural a sociedade ter novas exigências para as mesmas temáticas de Burton? A questão não é se é certo ou errado, natural ou não, e sim que, se ele trata de uma temática que ainda é atual e que por mais que ele não mude sua estética, consegue discutir sobre seu tempo nela, o que aconteceu com o estranho, afinal? O que é estranho para as pessoas? Burton, mesmo trabalhando na inclusão da estranheza, tinha a ideia de torná-la altamente particular. Não é à toa que o diretor tenha suas inspirações no que aspirou na infância, baseando-se no encantamento que se torna aceitação. Alguns exemplos que o inspiraram são Edgar Allan Poe fazendo seus terrores literários, os Stop Motion de Ray Harryhausen tornando os monstros mais importantes que os humanos em live action, os Estúdios Hammer fazendo os monstros da Universal serem os protagonistas das histórias, e Vincent Price transformando um filme de baixo orçamento em sofisticação. É nesse refúgio da infância que revela uma conversa mais abrangente como a estranheza é tão especial em se ter que se eleva em diferencial, se mostra belo, não feio, em adjetivo e em estudo da arte.

A estranheza do autor

Assim, o diretor Tim Burton usa a fantasia como um meio para lidar com e aprender sobre a realidade. Ele disse isso em uma entrevista sobre seu filme Alice no País das Maravilhas. Sua modernização, por exemplo, pode ser vista no uso do CGI para criar a ilusão do artificial, ou no alcance do terror, do susto no sombrio mais desolador e menos mixado de comédia e drama, algo que Burton fala que mesmo que seis filmes não sejam realistas, a vida envolve essa mistura teatral da tristeza e da felicidade nos variados momentos. A interpretação do cinema para ele é bem mais abstrata do que se imagina, em que o ator Michael Keaton descreve em sua entrevista para o filme Batman de 1989 que se sentia confortável com a direção do autor no quesito de entender o quão incompreensível poderia ser o que se estava trabalhando no longa-metragem. Burton considera em seu filme o design e os atores parte da mesma coisa em seu planejamento aleatório de inspirações. Não há lógicas concretas, o constante assusta o diretor. 

Ao longo de sua jornada cinematográfica, Burton não gostou de pensar sobre o futuro. Em seus filmes fala-se muito sobre o passado, e ele diz ter mais medo da realidade do presente do que de monstros. Sua maneira de olhar cinema se propõe a desafios a partir de um conforto. Sua bizarrice consiste nisso, porque mais que ele seja acusado de se repetir, os fatores burtonescos sempre se alternam. Como observar Peixe Grande e suas Histórias Maravilhosas como um filme de Tim Burton? Muito mais pela temática e de como o diretor se excita em trabalhar com atores, tornando-os estranhos em meio aos sets e as limitações orçamentárias que sempre o engrenaram artisticamente. Por isso Burton se anima tanto para projetos de Stop Motion, pois segundo ele é o processo de ativação energética de algo vivo. O mais técnico nas entrevistas que o diretor chega a comentar é falando sobre Stop Motion. Essa técnica de animação não deixa de ser um exercício estranho na imagem em relação a rapidez da animação 3D, mas Burton revela nisso sua cosmovisão desapegada da realidade e uma resposta a ela em como enxerga o tempo e suas inspirações. 

Mediante essa cosmovisão, é possível perceber em seus filmes uma estrutura que usa o flashback como recurso dramático na maioria dos filmes, uma volta ao passado que ajuda a divisão dos momentos das obras. Mecanicamente, na montagem de seus filmes, o primeiro ato é a apresentação de todo o seu filme, uma indução de ambiguidade na deformação do realismo (algo do Expressionismo Alemão). O segundo ato é a dramatização desse passado para algo mais presente, com representações exageradas das emoções num romance conflituoso com o contexto social e a caracterização do protagonista (bem exemplificado em Edward Mãos de Tesoura). Esse reflexo já se sabe que é pessoal de Burton, porém, pode-se compreender também esse olhar para uma realidade além do presente, como o estranho refletindo-se em experiência assistida, num confronto com a realidade, evidenciando problemas de aceitação do excêntrico pela racionalização limitante de uma pergunta: o que é normal? 

Tim Burton

Johnny Depp e Tim Burton nos bastidores de Ed Wood (1994).

Então, partindo dessa ideia de fugir da racionalidade ou lógica da normalidade, dois personagens que seguiram essa ideologia de não realismo estranho de Burton. O primeiro que se pode citar é Johnny Depp, o ator que está em quase todas as obras do diretor, em que quando perguntado o porque ele revela que Depp compartilhava a mesma estranheza que ele, ao ponto que com o tempo eles conversam sem diálogos. Num ponto de vista mais técnico, para preservar uma estranheza diferenciada com um mesmo ator em vários filmes, Burton esclarece que Johnny tinha uma capacidade de transformação e a maneira sem falar que ele conseguia interpretar. Esse quadro em branco, como os bonecos de Stop Motion, que Burton conseguiria enfeitar para qualquer personagem ao seu modo. 

E a segunda figura, icônica na mente de Burton, é Ed Wood. O espírito do “pior diretor de todos os tempos” acompanhou Tim Burton no sentido de compreender o sucesso ou não de seus filmes, além da compreensão lógica de decisões, criando pela identidade com o material e pelo que ele poderia fazer com o criador. O Cinema B, o exagerado e administrado pelo poder do entusiasmo criativo, era o que levava a mediocridade a patamares maiores, segundo Burton. O que eleva isso tudo de fato é a sinceridade do artista, o que diferencia o toque na obra. Por isso Burton consegue convencer o público no filme Ed Wood que o “péssimo trabalho do diretor” era uma crença inabalável da expressão realista e artística de qualidade, algo que Orson Welles, ídolo de Wood, foi reconhecido em Cidadão Kane.

O tempo sobre o autor

Percebe-se que Burton tem inspirações ousadas, fora da caixa imposta pela Arte Moderna, usando os objetos dela para ameaçar. Embora sua ameaça seja com base no encantamento do estranho, suas obras como Batman e Batman: o Retorno apresentam um ponto fundamental para compreender como a crítica e o público contemporâneo, em busca do pós-moderno, no alcance do realismo imediato e menos ambíguo da imagem, se pautam hoje no cinema de imposição disfarçada, numa domesticação da estranheza. Ambas obras do Homem Morcego foram caracterizadas por jornais da época como moralmente controversas, ou que trariam medo às crianças. Foi isso também que expulsou Burton de seu cargo na Disney quando execrado Hansel and Gretel, telefilme passado no Halloween, foi tirado do ar, o curta-metragem Vincent foi acusado de perigoso e o curta live-action Frankenweenie foi a gota d’água para o estúdio do Mickey, que anos depois traria-o de volta para dirigir Alice no País das Maravilhas

No entanto, o ponto fundamental é que os filmes do Batman se tornaram piada, até mesmo pela má interpretação do estranho profundo e inteligente da loucura em Batman: o Retorno, e Burton foi deixando de ser ameaçador para representar uma figura pastiche, um figurão bizarro. Um reflexo de subestimação quanto ao potencial da excentricidade em ter um vínculo com o real, de criticar por exemplo a criação das crianças no século XXI com A Fantástica Fábrica de Chocolate. Ou até mesmo com o musical Sweeney Todd: Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet atribui vingança econômica a uma cegueira por uma falta de cosmovisão em prol da família. E se Burton não desenvolve o feminismo com Alice, invoca nas Rainhas de Copas e Paus uma coerência quanto à guerra contra a imposição de padrões físicos na sociedade.

Não são apenas pequenos pontos na narrativa de seus filmes, até porque isso não iria fazer sentido com sua maneira criativa retratada na harmonia técnica de energização de um universo único na mise-en-scène, de integração completa num anseio pelo estranho belo. O crítico famoso e já falecido Roger Ebert comenta cronologicamente em favor de Burton. Embora Edward Mãos de Tesoura seja a obra de Burton que se eternizou por ser didático e romântico em sua abordagem do estranho,  – fora a questão pessoal envolvida na obra que atrai o fervor pelo relativismo emocional exacerbado e sem critério para fazer arte – Ebert critica negativamente o filme em 1990 exatamente por seu caráter apático de formulação narrativa, como já foi citado aqui, num processo de três atos pouco amenizado pela montagem, e sim enfatizado pelo didatismo. Porém Ebert chega em 2007 com elogios a Burton pela maturidade em Sweeney Todd, do mesmo jeito que o crítico A.O Scott discorre no N.Y Times sobre Grandes Olhos e seu comentário sobre a Crítica e o Artista. Se isso não é um reflexo de Tim Burton em pleno 2014, no mínimo mostra alguma diferenciação. 

É bem verdade que no cinema Burton contemplou uma marca, e fugir dela surge também como um erro crasso já que ele tanto a preserva naturalmente. Porém não é o caso, até mesmo quando há uma abstração visual do exagero característico do autor, ainda há o “erro” de testar novos públicos ou novas dinâmicas, como acontece ainda assim no conforto de O Lar das Crianças Peculiares, que demonstra um diretor não apenas consciente de quem é, como consciente de seu tempo e como o estranho precisa ser redescoberto.

O que intriga é que mesmo com a comercialização do estranho, algo que evidenciou a marca Burton, ele passou do patamar de diretor para ARTISTA. Ao longo de sua carreira, seus métodos de criar filmes com base na sua infância e criação de mundos únicos com base na artes plásticas fizeram de Tim Burton influente em escrita de poemas, livros, esculturas, desenhos, entre outros caminhos artísticos que levaram a ter um museu itinerante que chegou até mesmo no Brasil. Talvez para o cinema ele tenha se tornado menos influente com o público e jornalistas, porém continua a ser convidado pelas Universidades de Cinema e Arte. Do mesmo jeito de sempre, como ele diz, “ainda aprendendo a falar”, ele comenta principalmente sobre seus filmes de Stop Motion como a amálgama burtonesco que é o ultrarromantismo mainstream de A Noiva Cadáver. E outra corrente artística que Burton na verdade ajudou a promover, inclusive com esse filme, foi a corrente musical de Danny Elfman, o grande contribuidor de basicamente todas as trilhas musicais e instrumentais de Tim. Muito da capacidade de estranheza e harmonia cosmogônica de seus filmes vale pela instrumentação alinhada de Elfman. Se em Batman: o Retorno a transformação de Selina Kyle é impactante ou o encanto dos voos de Dumbo ressoam é porque o lirismo e os enfeites melódicos de corais e sons agudos agem no processo magia peculiar que alça voo.

Tim Burton

Bastidores de Dumbo (2019)

Por fim, voltamos a Dumbo, o filme tachado com problema de desenvolver personagens, de ser irônico em sua crítica e desregulado ao ponto de ter uma péssima recepção lucrativa. Esse é o presente do artista Tim Burton com sua obra. O que intriga é quando Colleen Atwood, a figurinista clássica de seus filmes, descreve em entrevistas que havia mais limpeza visual de macetes burtonescos, e junto a isso há uma volta de Michael Keaton e Danny DeVito ao elenco. Dentre os vários aspectos citados, de mudanças, permanências, comprovação autoral e tática de trabalho com o estranho, e como isso na temporalidade tem sido mais descontínuo do que de fato a falta de envolvimento temporal de Burton, há a clara formação mista de conforto no tratamento de um personagem parecido com seus variados heróis de filmes, mas um olhar especial para o silencioso olhar desse herói.

Se a percepção direta do encanto tem se perdido, a ambiguidade sobre os olhos pode ajudar num processo “almático” de reflexo dos seres observados e os seres observadores. Quando Dumbo voa, Burton antes de tudo foca em quem olha para aquilo. E se os outros personagens tem seus dramas verbalizados, Dumbo tem seu drama imagético. Nesse sistema é que o impacto da comercialização da estranheza do circo e do protagonista se eleva nessa relação de olhares sobre o que se comenta. Por isso se aproveitar do estúdio Disney como revolta inaugural concreta contra a perda social pelo encantando pela natureza estranha, que faz parte natural da realidade, é nada mais nada menos que Burton conciliando o que ele acredita na relação do Filmmaker e Studios para seu projeto pessoal ser realizado, e como resultado do filme há um renegar ou falta de compreensão de algum significado sobre a arte comercial. Se o ponto “artivista” enfoca na importância de resistência diluída no Pop superficial de entretenimento, Burton se utiliza das mesmas armas para o mainstream, porém ele não entrega o live action fiel, ele entrega a continuação corrigida pelo contemporâneo e eleva o ser não incluso ao ser mais superior da sua natureza. Isso vale desde do personagem de Colin Farrell que sem braço enfrenta o desafio, a de Eva Green que vira uma artista ao voar com Dumbo.

São sobre heróis sociais que anseiam pelo belo além do que se pode ver. Desde dos anos 90 os fantasmas, Batman e Edward são heróis solitários que não se incomodavam, mas foram aceitos pelo heroísmo, embora renegados em oportunidades. Em uma segunda década, nos anos 2000 com Edward Bloom e Willy Wonka , em um mundo estranho que as pessoas se dizem normais, os heróis estranhos são julgados. Na década seguinte, finalizando com Dumbo, vemos o discurso sobre como o estranho é falsamente comercializado, usado como arma para ganhar lucro, e os heróis são os que seguem no encanto além do dinheiro. 

No final, ambos são reflexos de Burton no tempo, o que o mainstream que dita um diretor em um patamar isolado que acaba colocando filmes seguintes como inferiores por não serem tão estranhos, macabros ou grandiosamente originais quanto os anteriores. Do diretor de Hollywood que representava o AUTOR se tornou plágio de si mesmo para muitos, o mesmo que transformou as logos da Warner Bros. com a estética de seus filmes, o mesmo que transformou o estranho em marca foi engolido por ela. Como bem disse Scott Mendelson na Forbes, em um artigo chamado How Tim Burton Became Uncool, “Em certo sentido, ele não morreu como herói, mas viveu o suficiente para se tornar vilão, ou pelo menos os status quo de uma indústria e população do cinema que não tem mais medo de suas visões”.

Um autor, afinal

Com Dumbo, assim como Ed Wood conseguiu com Plan 9 from Outer Space na cinebiografia feita por Tim Burton, encontrou o projeto certo de sua contemporaneidade que projeta sua visão crítica para ser alcançada por mais pessoas e de forma mais singela, por meio do próprio encanto possivelmente perdido.

Tim Burton

Bastidores do stop-motion Frankweenie (2012).

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