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Entenda Melhor | Produção de Cinema

por Leonardo Campos
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É muito comum falarmos do diretor e seus truques no gerenciamento da equipe ao longo do desenvolvimento de um filme que se desdobra diante de nossos olhos espectadores. Contemplamos as belas atrizes e seus desempenhos dignos de premiação, trajadas por figurinos que representam suas dimensões físicas, sociais e psicológicas enquanto personagens ficcionais. Ao passear pelos espaços do design de produção, observamos a direção de arte, os cenários e a maquiagem, captados pela direção de fotografia, acompanhada da condução musical dos responsáveis pela trilha sonora. Em paralelo aos demais setores apresentados, temos os supervisores de efeitos especiais e visuais, atentos aos processos que engendram a edição, finalização, distribuição e exibição. Depois o lançamento em serviços de streaming, DVD, blu-ray, VOD, dentre outros.

Making-of: os bastidores de E O Vento Levou…, Tubarão e Halloween H20: Vinte Anos Depois, todos com os seus produtores, David O. Selznick, Richard Zanuck e Moustapha Akkad. 

Onde fica, no entanto, o espaço para refletir a burocracia destes processos, comandados pelos produtores de qualquer realização cinematográfica? Figuras polêmicas na seara industrial, os produtores são os responsáveis por gerenciamento de todo o processo de realização, do roteiro ao filme pronto. Tratados como presenças abomináveis por alguns realizadores que tiveram a criatividade ultrajada nos bastidores de filmagens, os produtores carregam em si a imagem semelhante ao que provavelmente todo mundo já presenciou, isto é, aquele gerente chato, editor pedante, diretor carrasco, dentre outras funções de comando, vistas como calculistas e mantenedoras da ordem e do progresso, mesmo que as suas vozes causem ojeriza aos comandados, interessados em seguir por caminhos mais livres no âmbito da criatividade.

Sobre a Produção de Cinema

Federico Fellini, mestre do cinema italiano, tornou-se emblemático por suas produções que marcaram a história do cinema, mas também é lembrado quando o assunto é produção. Ele é um dos responsáveis pela mitologia em torno deste termo, ao reforçar em determinada ocasião que “a produção é a arte de prever o imprevisível e sempre se dar mal”. Humorado diante da função estresse, Fellini brinca com a condição do produtor, responsável por carregar a realização nas costas e, por ser um modelo de trabalho industrial, que requer pagamento de tributos e salários, além dos patrocinadores, precisa ser entregue dentro de prazos esboçados no cronograma. Num olhar mais geral, recordo de uma breve passagem no livro O Cinema e a Produção, de Chris Rodrigues, publicação didática e pontual para os interessados em compreender ou fazer cinema.

Mulheres no Comando: Lee Magiday e Ceci Dempsey (produtoras de A Favorita), Gabriela Rodríguez (Roma, Filhos da Esperança e Gravidade), Dede Gardner (Vice, 12 Anos de Escravidão e A Árvore da Vida) e Lynette Howell Taylor (Nasce Uma Estrela e Grandes Olhos).

Para Rodrigues, a produção é o departamento de execução do filme, seara de realização que tem como função principal, dar suporte ao diretor na execução do seu trabalho, tal como todas as demais funções de um filme, subordinadas a esse fim. Cabe, então, ao produtor, ter a certeza de que todos os membros da equipe estão cientes do trabalho a ser realizado, supervisionar cenários e direção de arte para ver se não há nada faltando na lista de solicitações do design de produção, assessorar o diretor em suas demandas de produção, relacionamento e prazos. Por ser uma função muito ampla, o produtor trabalha no filme muito antes das filmagens começarem, pois o seu trabalho é definidor da viabilidade ou não de uma produção ganhar forma.

Basicamente, o autor reforça que a produzir é “tudo que envolve fazer um filme, incluindo o seu planejamento e captação de recursos”. É uma definição abrangente, mas também objetiva. Dentro de seus processos é que se desdobra, transformando-se em departamentos que exercem cada um a sua função em nome da “produção geral”. Diante do exposto, produzir é um processo de transformação, da ideia inicial, isto é, a chegada do roteiro, ao filme pronto, depois exibido e comercializado. Neste caminho, o produtor levanta recursos financeiros, faz cotações, estabelece planejamentos, realiza contratações, etc. No senso comum, é um realizador de ações que permitem ao filme a sua existência, alguém que precisa ter uma lista gigantesca de contatos para conseguir dar conta das surpresas que se estabelecem nos bastidores, em suma, buscam o que for preciso para transformar a ideia ponto de partida em um produto final.

Produtores de longa carreira: Carlo Ponti, Richard Zanuck, David Puttman, Dino Di Laurentiis, David Selznick.

Assim, o produtor é um profissional que apresenta domínio dos processos que engendram a concepção de um filme. Ter iniciativa, ser ágil e criativo está entre as três ações básicas no seu mural de atividades diárias. Em produções brasileiras, ou noutras, diferentes do circuito dos grandes estúdios, o diretor assume o papel de empreendedor e injetor de ânimo no setor financeiro. É a sua garantia na manutenção do controle total da produção, algo que poucos cineastas podem se gabar, afinal, o sistema hollywoodiano, por exemplo, já deu exemplos de seu poder de ordem ao restringir a liberdade criativa em prol dos possíveis lucros de uma produção que sai da complexidade em nível mais básico para adentrar na zona da obviedade. São questões para exposição breve num dos tópicos seguintes.

Outras Demandas da Produção de Cinema

Em esquemas de produção com muitos profissionais e cifras mais consideráveis que as realizações independentes, as equipes são divididas em produtor executivo, diretor de produção, produtor de set e assistente de produção. O primeiro caso, gerencia o filme. A figura do produtor executivo elabora questões orçamentárias e esquemas estratégicos para que nada saia do planejado. É o membro do grupo responsável por contratação de serviços, controle dos gastos, solução de conflitos entre o que há disponível e o que ainda é necessário, dentre tantas outras funções que envolvem o trabalho em paralelo ao setor jurídico, contábil e financeiro da produção. Em suma, é o profissional que busca a aliança entre necessidades artísticas e possibilidades orçamentárias.

O polêmico Tom Rothman, o produtor execrado: meticuloso ou implicante?

No segundo caso, o diretor de produção, temos o exercício de manutenção da infraestrutura necessária para a execução das filmagens. Promove o acesso da equipe ao local de gravação, torna viável as locações após analisar e fechar contratos de locação/cessão, providencia cada espaço para retirada e devolução dos recursos técnicos necessários para o trabalho no set de filmagens, além de contratar serviços de alimentação, limpeza, etc. É uma tarefa de múltiplas responsabilidades. Supervisionado pelo produtor executivo, é o comandante do terceiro caso, o produtor de set, o responsável por garantir que a organização da equipe atenda às necessidades da agenda traçada pelos superiores hierárquicos. O quarto caso, dos assistentes de produção, basicamente envolve o auxílio diante das diversas funções dos demais produtores.

Desastres Anunciados: Quando as Interferências dos Produtores Causam Danos Irreparáveis… ou reajustados em versões relançadas

O emblemático histórico de Blade Runner – O Caçador de Androides, de Ridley Scott, é um dos primeiros na lista de debates sobre históricos de produção com problemas de ordem criativa. Calcula-se sete versões até hoje, fruto das desavenças que acompanha o legado deste clássico moderno. Tudo isso acontece, no geral, quando o diretor quer uma coisa, os produtores, focados no dinheiro, desejam outra, e assim, a desordem se estabelece. X-Men Origens: Wolverine, dirigido por Gavin Hood, já não era um filme necessário quando lançado. Junte uma crise a isso tudo e tenha um “abacaxi” em mãos. Nos bastidores, o produtor Tom Rothman, míope em seu olhar para o que a audiência podia achar do filme, mudou todo o espaço de um cenário que considerou sombrio demais, numa transformação que visou implantar um clima mais ameno para as passagens neste determinado local.  O resultado desaguou no filme, fraco em sua identidade.

Filmes supostamente danificados por seus produtores: Cruzada,  Quarteto Fantástico, A Bússola de Ouro, X-Men Origens: Wolwerine e Demolidor

Chris Weitz, diretor de A Bússola de Ouro, tédio protagonizado por Nicole Kidman e Daniel Craig, em 2007, nos apresentou uma versão extremamente modificada do fantasioso e alegórico material literário de Philip Pullman, num texto cinematográfico constantemente em busca de facilitar para o público as mensagens de cunho filosófico do ponto de partida literário. Ridley Scott, sem sorte, também teve problemas com o épico Cruzada, lançado em 2005. Mais uma vez, Tom Rothman, insatisfeito com o corte inicial de 180 minutos, pediu redução do material, eliminação que segundo os envolvidos, prejudicou o resultado final, dano também causado em outros filmes épicos e de aventura, tais como Troia, dirigido por Wolfgang Petersen; e os super-heróis de Demolidor e Quarteto Fantástico.

Cenas de Hitchcock: produção metalinguística expõe uma versão ficcional dos bastidores de Psicose.

Para os interessados em conferir uma representação ficcional dos bastidores de uma produção e das pressões que os produtores sofrem e, numa cadeia comum ao capitalismo, exercem sobre os seus comandados, basta ver Hitchcock, de Sacha Gervasi, filme que deflagra o processo de realização de Psicose, clássico de bastidores turbulentos, com ameaças e outras questões em torno do obrigatório sucesso do filme, em detrimento da perda de sua própria casa, hipotecado para dar conta do orçamento, complemento para a parca contribuição dada pelo estúdio que depois se curvou para o cineasta que lhe trouxe uma das produções mais ovacionadas da história do cinema. Saneamento Básico, de Jorge Furtado, também flerta com tais pressões, num esquema diferenciado, mas que não deixa de ser uma ilustração interessante.

E chegamos ao fim… 

Espinha dorsal de um projeto cinematográfico, o produtor é uma figura importante no desenvolvimento, mesmo que alguns históricos comprovem o contrário. Responsável por planejar e executar as ações necessárias para a existência do filme, a figura do produtor dá o rumo adequado para os departamentos, cuida do orçamento e do cronograma, lida com tópicos que gravitam em torno dos recursos humanos, materiais, artísticos e financeiros, juntamente com a promoção de agendamentos, análise de documentos, conferência de Direitos Autorais, dentre outras funções que tal como já exposto, fiscaliza o filme do começo ao fim.

Cenas de Saneamento Básico – O Filme

No final das contas, é a pessoa que resolve problemas. Essa, no entanto, é apenas uma linha geral, para fins didáticos no entendimento de sua tarefa enquanto organizador de processos complexos. Jogo de cintura e flexibilidade são características ditas fundamentais para o exercício da produção, além da capacidade de planejar, se comunicar com todos os setores do processo, adaptar-se aos obstáculos que sempre estarão presentes e também articular-se na arte da negociação. Enfim, tal profissional é a representação cabal dos conceitos de liderança e empreendedorismo. Se souber liderar sem danificar a qualidade artística da produção que assumiu, torna-se uma das referências cobiçadas na área, a representação da infraestrutura da arte em pessoa.

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