Home Colunas Entenda Melhor | Os Delírios de Consumo de Carrie Bradshaw: Lições de Finanças em Sex and The City

Entenda Melhor | Os Delírios de Consumo de Carrie Bradshaw: Lições de Finanças em Sex and The City

Uma análise do episódio O Apartamento, uma valiosa lição de educação financeira.

por Leonardo Campos
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As finanças sempre foram questões rotineiras ao longo das seis temporadas de Sex and The City, tópico temático que também aparece por vias mais amadurecidas em And Just Like That: Um Novo Capítulo de Sex and The City, retorno da badalada série para o contemporâneo, quase duas décadas após a sua finalização em 2004, além de permear algumas discussões dos dois filmes derivados deste programa sobre o cotidiano de quatro amigas nova-iorquinas. O recorte aqui, caro leitor, vai para um momento específico da produção. É o episódio O Apartamento, acoplado no desenvolvimento dramático da quarta temporada. Nesta fase, a protagonista Carrie Bradshaw, interpretada por Sarah Jessica Parker, atravessa incertezas na retomada de seu relacionamento com Aidan (John Cobert). Eles tinham separado anteriormente, por conta de uma traição, mas decide abrir a guarda e perdoar a companheira, mas colocando metas fixas para o futuro de ambos: um casamento formal, a segurança de um lar e outras exigências que fazem Carrie titubear diante das propostas.

Ela inicialmente faz esforço, tenta se adaptar, no entanto, não consegue. O resultado é uma segunda separação. Mas, o que ela não esperava era ter que lidar com questões financeiras neste processo, pois como Aidan fez investimentos no apartamento, ao se despedir, ele deixa um envelope que ela, alienada e romântica diante do turbilhão de emoções, acredita piamente ser uma carta sentimental, sem imaginar que no interior, há um documento que solicita algumas decisões cruciais dali por diante. Duas opções se bifurcam nesta jornada: ou ela vende o apartamento para entregar a parte dos investimentos ao personagem em afastamento ou compra e paga a sua parte, mantendo assim, as contas numa ordem justa após a separação. Perplexa com a surpresa, Carrie começa a desenvolver uma série de reflexões sobre a sua vida e se assusta diante da necessidade de reorganizar o seu fluxo de sua vida. É hora de aceitar que suas noções de finanças são equivocadas e que seus atos de consumismo excessivo a fizeram ter mais de 40 mil dólares em sapatos sofisticados, mas ainda morar de aluguel e não ter o suficiente em sua conta corrente e poupança para momentos emergenciais.

Antes de adentrar nas peculiaridades do episódio O Apartamento, apresento ao leitor um breve panorama da série, para fins de contextualização, combinado? Voltamos no próximo tópico.

O Legado e o Impacto Cultural de Sex and The City

Antes da popularização do formato narrativo televisivo que conhecemos através de abundantes séries disponíveis para consumo, as opções eram pouco numerosas: Sex and The City, assim como Friends, foi uma das séries a despontar e alcançar estrondoso sucesso no final dos anos 1990, com seis temporadas e muitas discussões sobre empoderamento feminimo em perspectivas múltiplas: no mercado de trabalho, nos relacionamentos familiares, nos relacionamentos sexuais e amorosos, bem como em outras esferas da sociedade. Criada por Darren Star e Karen Kirkpatrick, a série foi exibida entre 06 de junho de 1998 e 22 de fevereiro de 2004, com o total de 96 episódios. Baseada no livro homônimo de Candace Busnell, uma narrativa literária com quatro histórias paralelas, mas tendo Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) como personagem hegemônica, Sex and The City nos mostra as mulheres ostentando os crachás das suas conquistas diante dos cotidianos embates dentro da teia de complexidades que sustenta as relações entre homens e mulheres no mundo contemporâneo.

Carrie Bradshaw é uma colunista do jornal New York Star. Em sua escrita ela questiona as relações interpessoais e sexuais, relacionando-as com a sua própria história e com a realidade das amigas com quem divide o seu tempo, pessoas inseparáveis que ocupam o lugar de membros familiares: Samantha (Kim Catrall), Miranda (Cynthia Nixon) e Charllote (Kristin Davis). Carrie, ao ocupar o posto de narradora, desenvolve cada episódio com base no que aborda em suas publicações, trazendo à tona os temas que fazem parte da agenda feminina contemporânea. Sex and The City é uma sitcom (situation comedy) típica, ao abordar histórias curtas centradas na vida e na intimidade de um determinado grupo ou família. O quarteto faz parte da cultura do estar junto, pois são quase inseparáveis e cultivam a obrigação de compartilhar todos os acontecimentos das suas existências.

No que tange aos aspectos estruturais, a série nos remete ao gênero crônica literária, uma vez que trata de assuntos corriqueiros, geralmente de forma irônica e cômica, com uma “mensagem” ao final. Os episódios entre 20 e 30 minutos usam bastante a montagem alternada e o raccord, tendo em mira dinamizar a narrativa. A trilha sonora durante as seis temporadas trafegou entre o pop e o erudito, relacionando-se bem com cada momento representado, tendo também o jazz como um elemento bastante presente. O design de produção consegue captar a atmosfera de cada personagem, principalmente a cidade do título. Nova York surge como o espaço ideal para as neuroses e inseguranças cotidianas de personagens envolvidas na seara do amor e do sexo. Durante a série, o local ocupa a posição de Cidade-Cinema, um interessante conceito contemporâneo dos estudos acadêmicos que aponta determinadas cidades como a carne de uma trama e um gigantesco personagem da mesma. Sendo assim, Nova York está para Sex and The City, tal como Gotham City está para Batman, Springfield para os Simpsons etc.

No que diz respeito aos personagens, a série é um bom exemplo de como representar estes seres que pelos ditames dos manuais de roteiro, devem evoluir na narrativa. Carrie é um personagem que evolui bem, tal como a sua coluna, ao passo que a série avança. Ela se envolve com vários homens, mas o seu interesse é Mr. Big (Chris Noth), um homem desafiador, machista, difícil e temperamental. Imperfeita como qualquer ser humano, o que a torna ainda mais crível e interessante para os temas abordados pela série, Carrie representa com simplicidade a mulher do mundo contemporâneo, um ser que ainda precisa lidar com obstáculos da “Era Jane Austen”. Em Sex and The City, o poder feminino é colocado em constante rede de questionamentos e momentos de instabilidade. Apesar de olhar para as mulheres de gerações anteriores com piedade, Carrie e as suas amigas ainda perpetuam alguns estereótipos comuns ao feminino. Membros de uma fatia da emancipação feminina, Carrie e as suas amigas usam a moda e o consumo como parte integrante das suas existências, tanto como recurso de legitimação das suas escolhas, bem como para os momentos de fugacidade diante de incertezas. 

O Apartamento e o Abismo Financeiro de Carrie Bradshaw

Exibido em 2002, o episódio em questão é parte integrante da quarta temporada de Sex and The City. Dirigido por Alan Taylor, este episódio escrito por Darren Star e Amy Harris reverbera o “não” de Carrie para a proposta de casamento de Aidan. Consequências foram estabelecidas, culminando no término. Como mencionado antes, Carrie não esperava que no processo, fosse receber a cobrança. Ela leva isso para o encontro com as amigas Samantha (Kim Cattrall), Charlotte (Kristin Davis) e Miranda Hobbes (Cynthia Nixon), sendo a opinião da última, uma advogada, totalmente voltada ao apoio em relação ao que Aidan tomou como decisão, algo que em seu ponto de vista, não é nada mais que justo. Houve esforço de todo tipo, além de investimento diante de finanças poupadas com planejamento. Carrie, na badalada jornada nova-iorquina como escritora, se preocupou mais em comprar sapatos, roupas para frequentar os espaços por onde costuma circular, se esquecendo de guardar dinheiro, focada sempre em coisas mais superficiais, numa perigosa ciranda de aparências.

O resultado de tudo isso é a percepção de que todos ao seu redor estão devidamente planejados, em especial, as suas amigas. Ela é a única sem casa própria, pois mora num apartamento alugado, não sabe sequer o valor de uma passagem de ônibus, pois atravessa as ruas da cidade cotidianamente de táxi. Em linhas gerais, uma existência de gastos excessivos com superficialidades, coisas que ela sequer percebe, sendo a intervenção de uma de suas amigas a revelação que a faz compreender que cada par dos 100 sapatos que coleciona em seu closet custa em média 400 dólares, valor que seria suficiente para dar entrada no cobiçado apartamento, necessidade ainda mais urgente depois do tempo delimitado por Aidan, um homem que ainda ama a mulher que deixou, mas que aplica para as finanças uma postura mais objetiva, sem se deixar levar por sentimentalismos. Assim, diante dos conflitos em questão, a protagonista precisa arrumar uma maneira de resolver a sua situação. Ela não tem muitas opções, algo que torna o desenvolvimento do episódio uma mescla de momentos cômicos e dramáticos.

A tentativa inicial, no banco onde possui conta, é constrangedora. Carrie decide resolver a sua pendenga financeira e, com isso, segue ao local com o propósito de solicitar um empréstimo. A tentativa, por sua vez, é frustrada. A funcionária Linda (Stephanie Cannon) é taxativa ao apontar que o histórico financeiro da personagem não é dos melhores e, com isso, a escritora não é uma cliente desejável para uma aposta tão alta do banco. Em pânico contido, Carrie tenta negociar, destacando que já foi premiada por sua coluna no jornal local, além de tentar ganhar a funcionária com o papo das mulheres solteiras batalhadoras. A tática diante da estratégia do empréstimo não dá certo. Assim, ao projetar seu cenário caótico, ela segue em busca de apartamentos mais baratos. Cada habitação visitada deixa a personagem mais angustiada. Em um determinado momento, ela questiona a agente imobiliária, alegando “onde colocaria todas as suas roupas e sapatos em locais tão apertados”. Objetiva, a sisuda profissional dispara: “com as suas finanças, acho melhor considerar morar em um lugar que você consiga arcar com os custos”.

Sem ter como retrucar, Carrie recebe esse que é um dos tantos “golpes no estômago” dados pelo refinado roteiro do episódio com média de 30 minutos. O jeito, pelo que parece, é aceitar abaixar a cabeça e procurar Mr. Big (Chris Noth) para uma possível solução. Na conversa com o executivo que, tal como sabemos, foi alvo da primeira separação da protagonista com Aidan, Carrie consegue o cheque de 40 mil dólares para dar entrada em seu apartamento. Ela revela a façanha para as amigas, mulheres independentes que apresentam opiniões divergentes. Enquanto Samantha incentiva a aceitação do empréstimo sem juros de Mr. Big, Miranda é contrária ao processo, pois considera que isso deixará a amiga ainda mais aprisionada ao homem que é, segundo as convenções dos manuais de roteiro ficcionais, o nó a ser desatado em sua vida. Ela oferece o valor, mas como está grávida, tem a oferta negada por Carrie, num lapso de consciência acerca dos investimentos que serão necessários nesta fase maternal de Miranda. Reflexiva, encerra o papo, rasgando o cheque e dizendo para si mesma que arrumará uma maneira melhor de resolver a situação. A única que permanece em silêncio é Charlotte.

E, o silêncio da amiga, cômico por ser assertivamente destacado pela direção de fotografia de Alik Shakarov, se torna material dramático que nos encaminha para momentos ainda mais irônicos do episódio. Ao expor o cheque, Samantha e Miranda opinam, oferecem apoio, mas a única a não se envolver é Charlotte. Isso incomoda profundamente Carrie. No processo, ao tentar arrumar a sua situação, a protagonista se desloca pela cidade e tenta tomar um ônibus, modal que surge de maneira irônica na esquina, pois há uma propaganda com a personagem, estampada no veículo, divulgação da coluna O Sexo e a Cidade. Quando pergunta para uma senhora o valor da passagem, recebe um olhar de reprovação, com a seguinte observação: “por que você precisa pegar um ônibus se você já está nele?”. Irritada, Carrie concorda e segue de salto alto, caminhando pelas agitadas ruas novaiorquinas, para despejar a sua raiva em Charlotte. Esbaforida, já chega ao luxuoso apartamento da amiga soltando impropérios.

Impaciente, Charlotte explica para Carrie que a ama incondicionalmente, mas que não pode se responsabilizar pelos arroubos da amiga que culminaram em sua desorganização financeira. Na discussão, a acusada de fazer pouco caso do desespero da protagonista expõe que amigos e finanças não se misturam e flerta com uma reflexão sobre assumir as consequências de seus próprios erros e segurar as pontas por conta própria. Pode parecer egoísmo de Charlotte, mas dentro do direcionamento dado por este artigo, a amiga precisa sim assumir que passou dos limites vivenciado momentos de descaso com sua situação nada equilibrada. É uma passagem do episódio sobre laços de amizade, empatia e também destaque para pensarmos a postura do consumista excessivo, isto é, aquele que gasta além do que pode, não poupa em um mundo de economias oscilantes e, no desespero, recorre aos que se organizam financeiramente para alcançar uma salvação momentânea. Em alguns casos, cabe ressaltar, recorrem aos próprios bancos onde devem, parcelando faturas, utilizando limites e impregnado suas rotinas com os famigerados juros compostos. A conversa, neste trecho do episódio, não termina bem.

É preciso um tempo para que as duas consigam reajustar as suas respectivas ideias. O desfecho é satisfatório para a protagonista, mas o trauma fica demarcado. Numa jornada onde foi preciso “depender da bondade de desconhecidos”, é com a amiga Charlotte que Carrie consegue o apoio para a situação complicada em que se envolve. Interessante observar, por sua vez, que a postura da personagem não se modifica nos episódios seguintes. Contemplamos a sua caminhada rumo ao futuro profissional mais próspero e seguro, no entanto, a educação financeira não se transforma em um hábito na vida da escritora. Ela continua a gastar em sapatos, vestidos caros de marcas famosas, além de frequentar eventos para realizar os contratos sociais que o seu perfil social e psicológico necessitam. As lições, neste caso, ficam para nós, espectadores mortais, personagens da vida real, figuras humanas que podem refletir, na situação de Carrie Bradshaw, as dores e celeumas de uma vida com finanças desorganizadas, flutuantes numa economia onde os juros oportunistas e as ofertas de crédito gravitam em torno das nossas ansiedades, compensadas em muitas ocasiões pelo consumismo exacerbado.

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