Home Colunas Entenda Melhor | O Cinema Japonês: Breve Panorama (1930 – 1960)

Entenda Melhor | O Cinema Japonês: Breve Panorama (1930 – 1960)

por Luiz Santiago
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Apesar da resistência inicial que oporia os benshis (narradores de filmes mudos) aos pró-filmes falados, o cinema sonoro se torna uma tendência cada vez mais comum no país, a despeito de tentativas um pouco desajeitadas no início, até ser incorporada em definitivo pela indústria. É importante lembrar que o processo de gravação e mixagem era extremamente complexo, mas a novidade já havia conquistado o público e não se podia mais voltar atrás. É claro que desde o ano de 1927, haviam tentativas para o trabalho com o som no cinema japonês, todavia, o primeiro filme realmente falado só aparece em 1931, Madamu to nyobo, dirigido por Heinosuke Gosho. Na década de 1930, o cinema mudo ainda resistia, e assim permaneceria pelo menos até a Segunda Guerra Mundial. Após o conflito,  os filmes mudos foram definitivamente postos de lado.

No início da década de 1930, Mikio Naruse estreou na direção com o filme Oshikiri shinkonki, e no mesmo ano também realizaria Junjo. Mas apesar de Naruse e das novas tecnologias que chegavam ao cinema, os anos 30 representaram uma escassez de novos diretores, principalmente por motivos políticos. O Japão vivia um momento delicado sob o reinado do Imperador Hirohito (que esteve no trono de 1926 a 1989) e sob a militarização do governo, principalmente após o assassinato do 1º Ministro Inukai Tsuyoshi, em maio de 1932. Seu sucessor, Saito Makoto, era militar, e o Japão só conheceria um outro Ministro completamente desligado dessa ala apenas em 1947. Impulsionado por essa militarização do poder, o país se tornou imperialista, conquistando a Manchúria em 1931 e entrando em guerra com a China em 1937, além, é claro, de atacar Pearl Harbor em 1941. A partir daí, o Japão entra em diversas campanhas militares, na Segunda Guerra Mundial, o que vai culminar com as bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki, lançadas pelos Estados Unidos.

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Madamu to Nyôbô (1931): o primeiro filme completamente falado no Japão.

A partir de 1931, é perceptível no Japão uma forte influência dos melodramas americanos. Apesar disso, os poucos diretores que iniciaram carreira nessa década procuraram trilhar caminhos próprios, o que foi gerando uma oposição nacional (estética e narrativa) ao cinema estrangeiro. Yasujiro Ozu abandonou as comédias leves e definiu o que seria sua marca registrada e o que daria grande reconhecimento aos seus filmes futuros: a crônica familiar, o recorte para temas simples do dia-a-dia e as relações entre pais e filhos. A estética da câmera imóvel e posta no tatame, a presença de dias ensolarados e cenários caprichados, porém simples, também começam a aparecer. Em 1936, o diretor realiza Filho Único, seu primeiro filme falado e onde já se podia notar mais ostensivamente os elementos estéticos citados acima.

Em contraponto, Mikio Naruse investia em filmes sobre o romântico nas relações familiares, abordava o desamor, a separação, a dúvida dos sentimentos. Também é importante lembrar que o diretor tinha forte apreço palas personagens femininas, foco central de grande parte de seus filmes. Como destaques de outros diretores que também investiram em temas familiares, podemos citar os filmes Tonari no Yae-chan (Our Neighbor, Miss Yae, 1934), de Yasujiro Shimazu e Kaze no naka no kodomo (Children in the Wind, 1937), de Hiroshi Shimizu.

plano crítico humanidade e balões de papel

Humanidade e Balões de Papel (1937), de Sadao Yamanaka.

Na segunda metade dos anos 1930, a despeito de todas as movimentações sociopolíticas que abalavam o Japão, florescia a sua primeira idade de ouro. Além dos diretores já citados, Sadao Yamanaka é uma importante voz no período. Yamanaka dirigiu seu primeiro filme aos 23 anos e o seu último, Humanidade e Balões de Papel (1937), aos 28. Amigo de Yasujiro Ozu, o jovem cineasta dividia com o contemporâneo o apreço pelo minimalismo na composição estética dos quadros e o rigoroso ritmo interno dos filmes. A realidade exposta em suas obras acabou incomodando os militares, que o enviou para a Manchúria. O cineasta-soldado morreria um ano depois. Em 1955, Yasujiro Ozu comentou sobre Yamanaka em uma entrevista:

Tenho certeza de que se ele estivesse vivo hoje, estaria rodando um drama humano moderno, e não um filme histórico. Para mim, é fascinante imaginar o que os seus filmes teriam sido. Ele tinha um grande talento, e até sua morte, com menos de 30 anos de idade, nos deixou um legado enorme de filmes.

Uma outra tendência desse período é o apreço pelas adaptações literárias. Algumas companhias independentes acabaram até criando uma subprodução dos filmes sob sua tutela para adaptar romances e peças de teatro. Tamizo Ishida chama a atenção com o seu longa ambientado em uma casa de gueixas, Flores Caídas (Hana chirinu, 1938), mas é Kenji Mizoguchi e seu roteirista favorito, Yoshikata Yoda, quem consegue um maior destaque pelo conjunto da obra nessa década. Elegia de Osaka (1936) e As Irmãs de Gion (1936) são filmes que já apresentam o humanismo, o compromisso moral e a denúncia da sociedade hierarquizada que marcaria toda a sua carreira. Em 1939 ele realiza Crisântemos Tardios, o primeiro filme da trilogia consagrada aos atores de teatro. Finalizam esse projeto os filmes A Mulher de Osaka (1940) e A Vida de um Ator (1941).

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A Terra (Tsuchi, 1939), de Tomu Uchida.

Com a Guerra Sino-japonesa iniciada em 1937, os filmes políticos e nacionalistas começaram a se tornar mais frequentes. Haviam obras para todos os gostos: as que exaltavam o poder militarista do Japão (em menor quantidade), as que abordavam o sofrimento físico e moral do povo e do Exército, as realistas e as mais dramáticas. Como marca geral do acontecimento, uma onda de realismo tomou conta de parte da produção japonesa, e é possível identificar obras de forte caráter documental nessa época, a exemplo de A Terra (1939), de Tomu Uchida. Em 1º de outubro de 1939, o cinema japonês passou para o controle do governo, onde havia uma determinada cartilha sobre valores tradicionais e outras determinações que foram sugeridas aos cineastas para que as trabalhassem em seus filmes. Durante a Segunda Guerra, principalmente após a entrada oficial do Japão no conflito, muitos filmes passaram a retratar a realidade bélica com mais intensidade do que haviam sido nas manifestações durante a Guerra Sino-japonesa. Akira Kurosawa fez a sua estreia com A Saga do Judô (1943) e Keisuke Kinoshita com Ikite iru Magoroku (1943).

O governo tinha cada vez mais controle sobre o lançamento dos filmes e a censura passou a ser uma grande inimiga dos cineastas. Todavia, se formos analisar num plano geral, a produção cinematográfica nesse período foi, em geral, muito boa, com obras que convidavam o espectador a pensar um pouco sobre a realidade mostrada na tela. Filmes de Kurosawa como Juventude Sem Arrependimento (1946) e Um Domingo Maravilhoso (1947) são grandes exemplos disso.

plano crítico não lamento kurosawa

Não Lamento Minha Juventude (1946), de Akira Kurosawa.

Após o lançamento das bombas atômicas em Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945, o Japão se viu invadido pelas Forças Armadas  americanas, que ocupariam o território nipônico pelo menos até 1952, o que além de uma mudança política e social local também contribuiria para uma grande mudança no cinema. Substituindo a censura japonesa, os americanos impuseram sua própria forma de censura à sétima arte. O objetivo era que se erradicasse quaisquer traços de volta aos valores tradicionais ou menos alusões comunistas nos filmes lançados. Diretores veteranos como Mizoguchi e Ozu voltaram a filmar e bons resultados foram obtidos em seus filmes desse período. Os diretores que estavam começando a carreira naquele momento também não faziam feio e davam um crítico e robusto ar de vitalidade ao cinema nacional, tratando com muito realismo a vida no Japão pós-guerra. Kon Ichikawa foi um desses novos diretores. Eclético e estiloso, o diretor realizou o seu primeiro longa, Tôhô sen’ichi-ya em 1947. Alguns diretores acabaram se acercando aos estúdios Toho, a menos conservadora das companhias japonesas do período.

Após a saída dos americanos do território japonês e mesmo com o evento da Guerra da Coreia (1950 – 1953), onde o Japão serviu como base aérea para os americanos, o cinema nipônico voltou a apresentar um forte crescimento da produção e da qualidade em seus filmes. O pontapé inicial foi o inesperado sucesso de Rashomon (1950), de Akira Kurosawa. O filme não havia recebido críticas positivas no país e provavelmente seria logo esquecido não fosse um representante de uma distribuidora italiana que se encantou com a obra e logo cuidou de inscrever o filme no Festival de Veneza, de onde sairia com o Leão de Ouro. A década de 1950 também trouxe os mais notáveis e últimos filmes de Mizoguchi, que viria a falecer em 1956. São eles Oharu: A Vida de Uma Cortesã (1952), Contos da Lua Vaga (1953), O Intendente Sanshô (1954) e Os Amantes Crucificados (1954).

plano crítico bom dia ozu

Bom Dia (1959), de Yasujiro Ozu.

Yasujiro Ozu apresentou uma década de obras cujo nível de qualidade e perfeição é da causar inveja a muitos diretores: As Irmãs Munekata (1950), Também Fomos Felizes (1951), O Sabor do Chá Verde Sobre o Arroz (1952), Era Um Vez em Tóquio (1953), Começo de Primavera (1956), Crepúsculo em Tóquio (1957), Flor de Equinócio (1958, o primeiro filme em cores do diretor), Ervas Flutuantes e Bom Dia, ambos de 1959. Akira Kurosawa chegou à sua primeira fase de ouro, que depois de Rashomon, ainda nos traria O Idiota (1951), Viver (1952), Os Sete Samurais (1954), Trono Manchado de Sangue (1957) e A Fortaleza Escondida (1958).

Teinosuke Kinugasa também chamou a atenção do Ocidente para o seu Portal do Inferno (1953), que se fez presente até na festa do Oscar, com um prêmio honorário e outro para melhor figurino em cores. Keisuke Kinoshita nos presenteou com um filme poderoso sobre a quebra de relações entre pais e filhos, um retrato irônico sobre o Japão pós-guerra em Uma Tragédia Japonesa (1953). Do diretor, ainda é válido destacar os ótimos A Volta de Carmen (1951), Vinte e Quatro Olhos (1954) e A Balada de Narayama (1958). Já o cineasta Kon Ichikawa apresentou em A Harpa da Birmânia (1956) um filme que punha em xeque a guerra e lamentava com amargura todas as perdas que ela causa. Com essa explosão de grandes filmes e novas abordagens para todos os temas, as companhias aproveitaram para apostar em alguns subgêneros como determinados tipos de melodrama, comédias leves e os filmes de monstros, emprestando dos Estados Unidos o tino para esse tipo de produção. O estúdio Toho saiu na frente dessas produções, que ainda envolviam filmes de ficção e dramas com cientistas malucos. Pela primeira vez no Japão falava-se abertamente sobre os efeitos de uma bomba sobre uma cidade. Enfim, parecia que a memória de Hiroshima de Nagasaki já poderia ser visitada pelo cinema.

Godzilla (1954), de Ishiro Honda.

O maior representante dessa leva de filmes é, sem dúvida, Godzilla (1954), filme de Ishiro Honda, diretor que faria uma considerável quantidade de filmes de monstros no Japão. Esse filão de obras popularizou ainda mais o cinema japonês, para o bem ou para o mal, uma vez que alguns filmes de monstros realizado no período são absolutamente tenebrosos. Percebe-se no final da década de 50 um tímido passo para o trato dos japoneses com os estrangeiros, os soldados negros, etc. É claro que esse tema é melhor trabalhado pela cinematografia nipônica nos anos 1980/1990, mas um primeiro suspiro é dado em Kiku e Isamu (1959), de Tadashi Imai. Nas companhias independentes, filmes de tendência neorrealista e até mesmo com um pé no modelo soviético apareceram. O foco na juventude que algumas obras irão trabalhar trouxe alguma novidade para o cinema, principalmente porque tratava-se de uma abordagem política e social rara nessa faixa etária no país. Entre 1952 e 1953, o Japão já havia recebido uma leva de novos documentaristas, o que certamente também ajudou a produção de filmes com tendência para mostrar o real, para investigar e questionar os rumos políticos que a nação tomava.

O final da década de 1950 foi marcado pelo fim da segunda idade de ouro do cinema nipônico (por volta de 1958), pelo aumento do número de filmes nas salas de cinema e também pelo número de espectadores. A década seguinte viria nascer uma geração que quebraria com as regras estéticas e temáticas existentes no Japão. Novas ondas de novos cineastas ganharam voz. Nagisa Oshima, que dirigiu o seu primeiro longa, Uma Cidade de Amor e de Esperança, em 1959, seria um dos grandes destaques da década seguinte, começando ele mesmo com três filmes: Juventude DesenfreadaO Túmulo do Sol e  Nihon no yoru to kiri (1960). O Japão estava prestes a passar por uma revolução em seu cinema.

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