O cinema chegou ao Japão em pleno período de mudanças sociais, políticas e econômicas que caracterizaram a Era Meiji (1868 – 1912). A aceleração e modernização industrial do país nessa época contou com a abertura das fronteiras nacionais para produtos e invenções do Ocidente. Dentre essas muitas novidades estavam as máquinas de Thomas Edison e dos irmãos Lumière. Inicialmente, os filmes japoneses refletiam elementos da cultura do país, como filmagem de peças do teatro kabuki e teatro nô, além de danças de gueixas e pequenos outros espetáculos seculares, porém, menos presentes que as manifestações tradicionais. Destacam-se nessa época realizadores como Shiro Asano e Tsunekichi Shibata (Geigi teodari Gomai ogi, 1899).
Para que possamos compreender melhor a ligação do primeiro cinema nipônico com o teatro tradicional, é importante apontarmos algumas características dessa arte, que vai receber apenas alguns “concorrentes nacionais” durante a Guerra dos Boxers (1899 – 1901) e durante a Guerra Russo-Japonesa (1904 – 1905), com as filmagens de cenas nos locais de batalha, ou seja: apareciam as nuances do documentário, ou das “atualidades filmadas”. A construção da primeira sala de cinema em Tóquio, em 1903, trouxe a certeza de que essa nova manifestação artística havia chegado para ficar. Tendo os primeiros filmes apresentado uma fortíssima ligação com os elementos culturais do Império do Sol Nascente, apresentaremos aqui algumas fontes culturais mais presentes nos filmes dessas primeiras décadas e apontaremos algumas de suas características gerais.
- Kodan (ou koshaku): Relatos da literatura oral (espécie de contadores de histórias) com temas frequentemente históricos. Esse tipo de narrativa vai estar muito ligada ao Teatro Nô e também se faz sentir nas histórias fantásticas de um estilo do Teatro Kabuki, o aragoto.
. - Teatro Nô (século XIV): Resultado da fusão de outros tipos de representação, o Teatro Nô é um grande exemplo da técnica da ação que combina poesia, dança e músicas que mais representam do que falam. Como esse teatro valoriza os símbolos e despreza o realismo, seus roteiros são sempre conhecidos e os movimentos cuidadosamente ensaiados. As personagens são fixas e enfrentam dramas muito similares, sempre temas líricos que apresentam seu protagonista (shite) mascarado. As peças contam ainda com um corpo de quatro músicos e um coro narrador cuja função é guiar a história.
. - Teatro Kabuki (início do século XVII): Uma característica marcante desse teatro é a sua forma “exagerada” de exibição das peças (não há mulheres na sua versão contemporânea, apenas homens com maquiagem altamente estilizada), mas mesmo assim, conservando um apelo fortemente popular. Os ideogramas que formam a palavra, “ka” (cantar), “bu” (dançar) e “ki” (representar) dão uma ideia muito fixa do que é esse teatro tão conhecido no Japão e fora dele. O kabuki trouxe, com o tempo, muitas características de outros teatros tradicionais japoneses, delineando ainda mais a importância de todos os detalhes em cena, das cores da maquiagem dos atores aos detalhes do cenário. Diferente do Teatro nô, o kabuki sempre teve um apelo predominantemente popular, não se preocupando muito em agradar a elite, tratando-a, inclusive, com ironia.
. - Teatro Bunraku (final do século XVI e início do XVII): O teatro Bunraku, ou Teatro de Bonecos Joruri, surgiu para entretenimento da população de Osaka, cidade do arquipélago de Honshu, no final do século XVI. Não são usados fios nos bonecos, eles são manipulados por titereiros durante o espetáculo. As roupas dos titereiros são diferentes (o titereiro-chefe usa um quimono colorido enquanto os outros uma roupa especial de cor preta) e as cabeças (e também os cabelos) dos bonecos representam a parte mais importante do conteúdo do cenário, porque indicam as expressões específicas e dramáticas para a peça. Existem tipos específicos de bonecos: jovem, homem, mulher, criança, personagem cômica e extra. É importante lembrar que existem mecanismos nos rostos que permitem essas personagens se transformarem em diversas coisas, inclusive em demônios. A narrativa oral, característica do Teatro nô e crônicas tradicionais formaram o conteúdo estrutural de boa parte das peças.
A partir de 1908, o cinema japonês já dava ares de organização própria. Os primeiros estúdios e companhias do país apareciam e já alguns diretores se destacavam no cenário cinematográfico, como Shozo Makino (Raiden, 1928), com suas ficções de luta de sabres. Makino seria um realizador incansável. Nascido em Kioto, em 1876, ele dirigiria 230 filmes no período entre 1908 (Honnoji Gassen) e 1929 (Ronin-gai – Dai-ni-wa: Gakuya-buro – Kaiketsu-hen), ano de sua morte. Foi em um filme de Makino, Goban Tadanobu (1909) que estreou o ator Matsunosuke Onoe, proveniente do teatro kabuki e que provavelmente foi a primeira grande estrela do primeiro cinema japonês, trabalhando em nada menos que 925 filmes durante sua carreira. Nesse período do cinema nipônico, surge e se torna importante a figura do benshi, o narrador de filmes, que posteriormente perderia importância, especialmente com a chegada do cinema sonoro ao país.
No início dos anos 1910, Tóquio e Kyoto tornam-se centros notáveis de produção cinematográfica. É nesse período que surgem companhias importantes como a Tenkatsu, a Nikkatsu e a Komatsu. Até meados dessa década, o cinema ocidental influenciaria bastante a produção japonesa e os filmes ganhariam uma constante dose de realismo, mas grande parte deles ainda permaneceriam voltados para as questões tradicionais e sob influência do teatro ou de histórias que mostravam o Japão medieval. Um filme desse período muito próximo à estética e temática do Ocidente é Katyusha (1914), de Kiyomatsu Hosoyama, adaptação da obra de Tolstói. Até o final da década, o Japão conheceria filmes de roteiros maduros e arranjos técnicos que acompanhavam as mudanças da linguagem cinematográfica que se davam no Ocidente, como o aprimoramento da montagem e a fixação dos gêneros.
Goketsu Jiraiya (1921), de Shozo Makino.
A década de 20 começou com uma lufada de modernidade para o cinema japonês. A criação da companhia Shochiku de Cinema talvez tenha sido a primeira grande representante de uma produção mais industrial e literalmente clássica, como podemos ver nas tentativas de Minoru Murata em Rojo no Reikon (1921). A despeito da preferência do público pelos dramas históricos, novos temas e gêneros chegavam ao país, especialmente com a incursão de elementos de Hollywood nas produções. Um fato interessante é que atores japoneses que trabalhavam nos Estados Unidos e mesmo realizadores que tinham vindo à América para “aprender” a fazer cinema, voltaram ao país nesse início de década e contribuíram para a guinada do cinema nacional rumo a outro momento histórico. Podemos dizer que essa reorganização de gêneros conseguiu colocar lado a lado tendências japonesas como os filmes chambara e jidai-geki com elementos “importados” tanto da Europa quanto dos Estados Unidos.
Um filme de grande destaque dessa época é Uma Página de Loucura (1926), de Teinosuke Kinugasa. Esse filme é considerado moderno para a época, uma obra bastante diferente do que se fazia no Japão até então. Podemos dizer que pelo seu caráter, o filme se encaixa na linha das vanguardas dos anos 1920 pelo mundo, trazendo um pouco desses novos ares, mixando documentário, ficção e elementos puramente experimentais.
Os anos 20 também trouxeram a estreia de diversos diretores que mais tarde representariam em grande estilo o cinema japonês:
- 1920 – Teinosuke Kinugasa (Niwa no Kotori)
- 1923 – Kenji Mizoguchi (Ai ni Yomigaeru hi)
- 1924 – Daisuke Ito (Shuchi Nikki)
- 1924 – Hiroshi Shimizu (Toge no Kanata)
- 1925 – Heinosuke Gosho (Tosei Tamatebako)
- 1927 – Yasujiro Ozu (Zange no Yaiba)
- 1928 – Hiroshi Inagaki (Horo Zanmai)
A estreia de Mizoguchi traria uma reflexão sobre a injusta organização social da época, exemplo seguido por algumas poucas produções de diretores que propunham um caminho mais reflexivo para seus filmes, como Shigeyoshi Suzuki em seu Nani ga kanojo o sô saseta ka (1930). Já em 1927 começam alguns tímidos experimentos com o cinema sonoro, algo que foi imediatamente rechaçado. Todavia, a rejeição inicial não impediu que o som chegasse de fato ao cinema japonês em 1931, no filme Madamu to Nyobo, de Heinosuke Gosho. Este foi o primeiro filme falado do país e o primeiro elemento de uma longa briga dos realizadores que apostavam nessa nova tecnologia e os benshis, os comentadores de filmes. Eles resistiriam até pouco depois da Segunda Guerra Mundial, mas acabariam vencido pela reconstrução que se apossaria do país a partir daquele momento. O cinema japonês seguia rumo a um outro estágio de sua História.