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Entenda Melhor | Moniz Vianna: Um Homem Que Sabia Demais

O patrono da crítica cinematográfica brasileira.

por Leonardo Campos
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Considerado o patrono da crítica cinematográfica no Brasil, Antônio Moniz Vianna foi um dos nomes responsáveis por ampliar a teia comunicacional entre os textos sobre cinema e o jornalismo. Vianna não gostava de dar entrevistas. Ele via o cinema contemporâneo caminhando na má direção da indústria cinematográfica desde a morte de John Ford, nos anos 1970, período marcado por sua aposentadoria no campo da crítica de cinema.  De acordo com o pesquisador João Luiz de Araújo Quental, no desenvolvimento da pesquisa que gerou a dissertação A preservação cinematográfica no Brasil e a construção de uma cinemateca na Belacap: a cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Moniz Vianna era um estudante de Medicina de 21 anos quando começou a escrever no veículo que o tornou tão prestigiado no âmbito da crítica: o jornal Correio da Manhã, existente desde 1901 e considerado como um dos veículos mais lidos e influentes do país, com indiscutível repercussão na vida política do Brasil. Sendo assim, tornou-se um espaço de “excelência” para a produção de críticas de cinema que entrariam no fluxo constante dos leitores do jornal.

No livro Um filme por dia: crítica de choque (1946-1973), o pesquisador Ruy Castro selecionou 77 publicações de Moniz Vianna da época em que este atuou no jornal Correio da Manhã. Ao dar relevo aos textos mais polêmicos, somos imersos em reflexões que apontam o cinema novo como uma “palhaçada” de gente despreparada, o fim do cinema com a morte de John Ford em 1973, a ausência de uma obra de arte na história do cinema brasileiro, a presença de Godard, Truffaut e da Nouvelle Vague como uma praga para o mundo da “sétima arte”, etc. Entretanto, não é apenas na polêmica que Ruy Castro se atém, pois, ao enfatizar a postura de Moniz Vianna no campo da crítica cinematográfica entre as décadas de 1940 a 1970, percebemos que o percurso do crítico movimentou o debate e funcionou como um importante agente da história das reflexões cinematográficas.  O saudoso André Setaro, crítico baiano que admirava Moniz Vianna, descreveu numa palestra em que tive a oportunidade de acompanhar, que ninguém dissecava um filme com tamanha erudição, amplo conhecimento do assunto e tão admirável estilo de da escrita como o do crítico em questão.

Moniz Vianna era do tipo tradicional, coadunando com as propostas de sua época, um jornalista que copiava as fichas técnicas dos filmes no escuro da sala de projeção e que as suas críticas não possuíam nada de simples, pois até mesmo o texto mais despreocupado era uma “declaração de princípios”.  Salvo os exagerados elogios do crítico baiano a Moniz Vianna, outros pontos importantes, no entanto, são ressaltados. Segundo André Setaro, os críticos estadunidenses detestavam legendas e os europeus mantiveram-se isolados do cinema durante a guerra. Diante dessa situação, Moniz Vianna, do Brasil, assistia a tudo, condenava produções, alavancava outras, e, assim, era um crítico que se gabava de ter dito diariamente o que os franceses faziam mensalmente. Homenageado na 8ª Mostra de Cinema de Ouro Preto, o cineasta Walter Lima Júnior, profissional que começou a carreira como assistente de direção de Glauber Rocha em Deus e o Diabo na Terra do Sol e lançou o seu primeiro longa-metragem, Menino de Engenho, uma adaptação do romance de José Lins do Rego, nos meandros do Cinema Novo, concedeu entrevista ao crítico e professor de cinema Daniel Caetano, em 2003.

No papo jornalístico, afirmou que Moniz Vianna tinha uma presença muito marcante no espaço crítico brasileiro. Para o homenageado, num campo repleto de achismos e opiniões frouxas, o crítico era uma pessoa erudita e conseguia analisar os filmes com base na sua formação com fortes bases literárias, bem como aportes da psicologia estudados durante os seus estudos na área de Medicina. Para Walter Lima Junior, Moniz Vianna pode ser considerado um nome a se manter em destaque na historiografia da crítica de cinema no Brasil pelo fato de ter atuado na experiência do cineclube, semelhante a Paulo Emilio Salles Gomes, Nelson Pereira dos Santos, dentre outros nomes. Era uma época, como reitera Lima Junior, “que não existia VHS e DVD, mas apenas salas de cinema”, ou seja, a postura amadora nessa época não possuía as facilidades do contexto contemporâneo, onde podemos ter acesso complexo a um amontoado de informações.

Por intermédio do seu neto, Moniz Vianna, antes de falecer em 2009, concedeu uma entrevista ao jornalista Evaldo Mocarzel, para o portal Críticos, alternando opiniões ácidas ao campo cinematográfico atual e também adornando as respostas com uma breve, mas elucidativa e abrangente revisão do cinema no Brasil. Durante os relatos, somos informados de que a família teve papel preponderante na sua formação intelectual, haja vista a biblioteca do tio, frequentada pelo crítico ainda jovem, de maneira assídua. Conforme aponta na entrevista, a paixão pelo cinema surgiu na juventude: além de ser leitor da revista Scena Muda, fazia coleção e produzia ficha dos filmes que assistia, e assim, criava um acervo próprio de informações cinematográficas numa época em que a virtualidade ainda não estava presente para ajudar nos registros e arquivos. Para Moniz Vianna, não se forma um escritor de romances, assim como não se forma um cineasta. Ao manter-se numa postura elitista e polêmica com os “padrões” estabelecidos em suas críticas, portando-se como “juiz do gosto” no jornal Correio da Manhã, o profissional alega que se aprende lendo muito e vendo filmes, ou seja, através do autodidatismo: “Acho que é possível fazer Medicina, Direito ou Engenharia”, alegou o crítico, ainda na entrevista ao portal Críticos, completando que “não vejo necessidade em fazer Jornalismo ou Cinema”.

Obviamente contrário ao processo de formação de faculdades especializadas para críticos de cinema, Moniz Vianna possuía uma postura apocalíptica no campo da crítica, principalmente quando ditou que o cinema havia acabado após a morte do estadunidense John Ford. O crítico engessou, de certa maneira, esse gênero do discurso, através de recursos formalistas e do guia do “pode e não pode” dos filmes, mas não há como negar a sua importância na formação desse campo no século XX. A sua atuação enquanto cineclubista e a movimentação na época em que atuava constantemente na mídia impressa ajudaram na divulgação dos debates de cunho cinematográfico no país. Na dissertação Pioneirismo e crítica: o cinema segundo Moniz Vianna, a pesquisadora Ângela Regina de Souza Cunha reforça que foi certamente o caráter desbravador de Moniz Vianna que levou um jornal de grande circulação como o Correio da Manhã a abrir um espaço diário para críticas de cinema. De fato, Moniz Vianna formou uma geração, e, por isso, como apontado no tópico, era considerado por muitos como o “patrono” da crítica cinematográfica, um “homem que sabia demais”.

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