O Modernismo foi um dos períodos mais férteis da produção cultural brasileira. Ao seguir um pensamento que ia de encontro aos posicionamentos da literatura romântica, os autores daquela época buscavam uma produção de caráter nacionalista, menos idealizada e mais associada ao contexto histórico vigente: a modernização trazida pelas revoluções industriais e as novidades observadas por seus realizadores em viagens internacionais. A literatura ganhou novas formas e a crítica ganhou força, além do fascínio pela imagem, que se tornou ainda mais presente na vida cotidiana, haja vista as possibilidades proporcionadas pela reprodutibilidade técnica promovida por artes como o cinema, uma das maiores inovações tecnológicas do período.
Na dissertação de mestrado Klaxon e a crítica de cinema no Brasil, a pesquisadora Fabiane Rodrigues Stefano expõe que pretendeu, ao longo de sua pesquisa, comprovar que a publicação modernista foi pioneira na elaboração de uma crítica cinematográfica no Brasil. A revista foi publicada entre maio de 1922 e janeiro de 1923, em São Paulo, e o fascínio pela imagem fornecia aos artistas da época a sensação da vida moderna e dos ideais do homem no século XX. Para a pesquisadora, o cinema foi responsável pela concepção artística presente na editoração do Klaxon. Como procedimento de investigação, Fabiana Stefano buscou analisar o mensário artístico, compará-lo às revistas da época, bem como observar os cineastas abordados, os filmes analisados e a figura de Mário de Andrade, escritor engajado e também considerado crítico de cinema.
O periódico era um espaço para debates e divulgação da arte moderna. O manifesto inaugural reafirmava as propostas da Semana de arte Moderna e da produção artístico-intelectual brasileira. Preocupada com a atualidade das reflexões que publicava, tinha em Mário de Andrade um dos seus colaboradores assíduos, e contou, também, com o apoio de Oswald de Andrade, dentre outros. Conforme aponta a pesquisadora, na Klaxon, o cinema era compreendido como uma linguagem que deveria influenciar a literatura e a pintura, pois a dita “sétima arte” traduzia alguns princípios da arte moderna, como o movimento, a velocidade e o apego ao contemporâneo. Com espaço fixo para a crítica cinematográfica em todas as edições, a revista abordou o cinema enquanto linguagem, além de privilegiar os seus aspectos temáticos.
Em Amar, verbo intransitivo, de Mário de Andrade, é interessante notar que há um interesse pelo movimento e pela fragmentação da narrativa, características marcantes das artes plásticas e do cinema. Há, também, um esforço metalinguístico em citar filmes ou artistas. O escritor, um dos detentores de autoridade intelectual nos idos de 1920, refinou a sua análise da arte cinematográfica ao longo de duas décadas, utilizando-se de pseudônimos na revista Klaxon, e indo das produções de Charles Chaplin à reflexão sobre a animação Fantasia, da Disney, na revista Clima. É o que afirma o pesquisador José da Silva Cunha, no artigo “Mário de Andrade: leitor e crítico de cinema”. O escritor passeou por um período demarcado pela escalada do cinema enquanto linguagem: desde os filmes mudos, ao primeiro filme sonoro, alcançou o cinema em cores e os maneirismos oferecidos pela montagem soviética, dentre outras inovações tecnológicas que ajudaram no estabelecimento do cinema como arte.
As polêmicas são numerosas, mas, segundo José da Silva Cunha, podemos destacar as suas interpretações sobre o filme O Garoto, de Charles Chaplin, divergentes da reflexão de nomes importantes como o de Céline Arnaud, na França. Ao ler o texto traduzido, Mário de Andrade tratou de esboçar a sua opinião, publicada em Klaxon. Entre os escritos mais ambiciosos, destaca-se a crítica ao filme Fausto, do alemão F. W. Murnau, veiculada no Diário Nacional em 1928, bem como as suas opiniões sobre as inovações tecnológicas nesse mesmo veículo midiático. Assim, podemos observar a importância do escritor na produção do que venho a chamar de “rascunhos” da crítica cinematográfica no Brasil. Era um pensamento vanguardista, dotado de um olhar não apenas crítico, mas interessado em colaborar com a teoria incipiente do cinema até então.
De fato, a Klaxon foi um dos primeiros veículos de crítica e divulgação da arte brasileira. Precedida por Palcos e Telas e Paratodos, o periódico ateve-se à observação do cinema enquanto linguagem, ao passo que as outras publicações mencionadas, ambas de 1918, noticiavam, assim como a revista Selecta, de 1914, o ambiente hollywoodiano e a vida das estrelas. Nos textos veiculados pelo mensário modernista, o cinema é visto como algo equivalente ao espírito de inovações da modernidade, um período marcado pelo olhar vanguardista, marcado pela autenticidade e pela renúncia da “arte passadista”. Semelhante ao que ocorreu com outros periódicos da época, como a famosa revista SET, publicação que atravessou os anos finais da década de 1980, alastrou- se pelos anos 1990 e continuou, ofegante, pelos anos 2000, cedendo no campo de batalha entre esfera virtual e publicações impressas, a revista Klaxon não conseguiu sustentar-se no que se refere aos custos. Os intelectuais envolvidos precisavam injetar capital próprio para a impressão e a editoração, e a venda nos pontos culturais locais não eram suficientes para manter o semanário, que ganhou apenas nove edições, mas marcou a história da crítica cultural brasileira no século XX.
Em breve, mais um texto sobre a história da crítica de cinema no Brasil. Preparados para esta jornada?