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Entenda Melhor | Moby Dick em Cápsulas Intertextuais

O romance de Herman Melville em paródia, paráfrase e outras dinâmicas intertextuais.

por Leonardo Campos
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Dentre os clássicos daquilo que chamamos de literatura universal, Moby Dick, a obra-prima do escritor estadunidense Herman Melville, é uma das costumeiras referências que servem como ponto de partida para traduções em outros suportes narrativos, bem como citações constantes no bojo da multifacetada produção cultural que envolve quadrinhos, filmes, séries televisivas, músicas, dentre outros. Sendo este o último artigo da sequência envolvendo a presença dos personagens deste complexo livro publicado em 1851, levei em consideração as narrativas que emulam elementos do universo de aventura, vingança e tragédia, delineados pelo escritor na composição que é considerada o marco de sua carreira. Passagens breves em episódios de animações, games e trechos de filmes demarcam este panorâmico artigo que pretende ser breve, mas sem deixar, como nas demais propostas sobre Moby Dick, de ser elucidativo.

Antes, por sua vez, de traçar o painel de citações ao clássico romance, dedico alguns instantes da reflexão para estabelecer conceitualmente as considerações teóricas sobre intertextualidade, paródia e paráfrase, importantes para melhor compreensão do que se pretende descrever por aqui, combinado? Inicialmente, vamos versar sobre intertextualidade, uma forma de metalinguagem com a qual se toma como referência uma linguagem anterior, isto é, no desenvolvimento de uma produção como um episódio dos Simpsons, por exemplo, termos a menção ao romance como forma de dialogar com o conteúdo dramático trabalhado em cena. Sobre o que foi afirmado acerca da intertextualidade, temos essas considerações naquilo que o escritor T.S. Eliot, no âmbito dos estudos literários de língua inglesa, diz sobre o fato de que ninguém escreve sozinho, afinal, ao escrever, o indivíduo aciona todo um acervo.

Como ilustração destas informações, no espaço de outras produções artísticas, podemos apontar os filmes de suspense de Brian De Palma, que buscam uma construção narrativa muito próxima aos trabalhos de montagem e estabelecimento da tensão já contemplados na cinematografia do cineasta Alfred Hitchcock, alvo declarado de sua admiração, ou então, as produções realizadas por Madonna, cantora que acionou todo o campo de realização de videoclipes anteriores a sua geração, reformulando-os, pois mesmo diante da inovação que propôs ao longo de sua trajetória, recorreu às estruturas concebidas por seus antecessores, emulando formatos de Michael Jackson, Beatles, Elvis Presley, além da recorrente menção ao cinema em muitas de suas produções audiovisuais, os famosos videoclipes que marcaram a década de 1980, 1990 e ainda na atualidade, possuem relevância e engajamento.

Quem também pode ajudar na compreensão dos mecanismos que engendram a intertextualidade é o livro O Trabalho da Citação, Antoine de Compagnon. O estudioso descreve que a citação é um processo de leitura e escrita. Ao mesmo tempo em que escreve, o escritor, em nosso caso, os produtores responsáveis por narrativas emulam algum elemento do romance Moby Dick, se engajam numa ação que une também o ato de leitura. Sendo assim, esta reescrita se concebe como devir do ato de citação, pois ao produzir, o artista recorre ao processo de input de toda a sua vida, tendo ou não lido o romance em sua completude, ao menos tiveram algum contato com o clássico para inseri-lo no desenvolvimento de suas histórias. Exercitando uma paródia do livro, alguns realizadores deformam o texto “original”, subvertendo os elementos estruturais e o sentido.

Veremos especificamente estes casos mais adiante. Enquanto isso, considero relevante também resgatar algumas definições não estanques para a paródia e para a paráfrase, tratadas por Affonso Romano de Sant´anna, no livro Paródia, Paráfrase & Cia. Nesta publicação, o autor alega que a paródia é um efeito metalinguístico, e que, diferente da paráfrase, que é pró-estilo, surge como efeito contra-estilo. Neste caso, a paráfrase surge como um desvio mínimo do texto base, enquanto a paródia como o desvio total, numa perspectiva talvez mais abrangente. E assim, neste jogo que dialoga com a paródia e a paráfrase, se torna possível percebermos também a presença da apropriação, ação comum da arte pop, espaço onde encontramos a reunião de materiais diversos disponíveis no cotidiano, buscando a confecção de um objeto artístico. A apropriação não pretende reproduzir, mas produzir algo diferente com base naquilo que é retroalimentado. No painel de narrativas que leem Moby Dick, algumas tratam apenas de mencioná-la, outras, tomam de emprestado a sua estrutura para criar novas abordagens.

Assim, ao dialogar com as múltiplas possibilidades da linguagem, os realizadores das produções aqui mencionadas se encontraram dentro de um feixe de variadas tessituras textuais: ao parodiar o próprio texto, realizam a intratextualidade, quando estes reescrevem a si mesmos, não sendo o caso de nenhuma das narrativas selecionadas. Ao parodiar o texto alheio, realizam a intertextualidade, a escolha mais recorrente diante dos objetos de análise separados por aqui. A paródia, caro leitor, pode ser considerada um filho rebelde, um espelho invertido, exagerando, como numa lente, os modos, algo parecido com o que se faz na charge e na caricatura. Em linhas gerais, para este autor, a paródia é parricida, pois mata o “texto pai” em busca de uma possível diferença, instaurando o conflito, expulsando, de certa forma, a linguagem do seu espaço celestial. Moby Dick, então, sai do seu status de clássico absoluto da literatura universal para emprestar a sua estrutura narrativa para os textos que resolvem fazer “traquinagens” com a sua base, mantendo o romance pulsante na cultura, acessível para todos os públicos, salvaguardas as devidas proporções interpretativas de seu conteúdo, obviamente.

No caso do livro de Herman Melville, as citações e paródias são diversas, não sendo possível, por questões editoriais, ter acesso e escrever sobre todas as suas versões. Algumas passagens são de uma brevidade hedionda, como no caso de South Park e The Family Guy. Começarei com um episódio de Pica-Pau, dirigido por Paul J. Smith, em 1957, um episódio de seis minutos que traz o famoso personagem em sua 81ª aventura, integrado na 16ª temporada. Na trama, acompanhamos o Capitão Dooley em seu navio Peapod, figura ficcional que aciona os tripulantes para confirmar que na caça às baleias programada para a viagem, pretende aniquilar Dopey Dick, a baleia cachalote rosa que havia mordido seu traseiro no passado. Ao atacar o navio, a baleia faz amizade com Pica-Pau e um monte de confusões nos direciona ao final divertido e caótico, comum ao personagem conhecido por estabelecer humor ácido e muita ação.

A cor da baleia é trocada, a motivação do capitão, diante de Ahab, é tripudiada, num episódio que se torna ainda mais divertido para algo importante na dinâmica intertextual: o acesso ao código, afinal, se você não conhece nada de Moby Dick, é possível que o episódio não faça sentido algum, divertindo-o por situações talvez próximas ao nonsense. Outra animação da mesma geração que dialoga com o romance é Tom e Jerry. Dirigido por Gene Deitch em 1962, também responsável pelo roteiro, em parceria com Eli Bauer, o episódio nos apresenta uma breve trama situada em um porto de pesca no século XIX, com o capitão Komquot obcecado pela caça ao cetáceo Dick Moe, responsável por trazer alguns transtornos em seu passado, reverberantes ainda no presente. Tom, inicialmente envolvido em algo que parecia ser um divertido cruzeiro, acaba jogado para o trabalho árduo, a limpar o convés, numa série de situações inusitadas ao lado de Jerry, dupla que representa aquela violência considerada “inocente” nas animações do passado. Além destes clássicos, temos Moby Dick em Os Flintstones e Scooby-Doo.

No 14º episódio da 5ª temporada, exibido em 1964, Os Flintstones dialogaram com o livro de Melville, numa trama escrita por Barry E. Blitzer. Em seu desenvolvimento, Fred e Barney são engolidos pelo temido baleiassauro Adobe Dick, enquanto se aventuravam numa caça. Eles estão à bordo de uma embarcação do capitão Blah, referência ao enfurecido Ahab do romance. No interior do animal, reconhecem uma mensagem escrita por alguém chamado Jonah, outra referência ao clássico que, por sua vez, já é uma citação ao personagem bíblico engolido por uma criatura de enormes proporções, após a desobediência diante dos desígnios divinos. Divertida, é uma trama que envolve sereias, embates humanos e outras fortes emoções. Já no episódio da segunda temporada de Scooby-Doo, temos a baleia cachalote literária apresentada como um submarino dos personagens Tom e Tub, presença relacionada aos personagens da série Moby Dick e Mighty Mightor, produzida pelos estúdios Hanna Barbera. Aqui, mas conectado com a ideia de menção que propriamente o desenvolvimento de uma trama em si, o livro se faz presente.

É o que acontece com as passagens de Moby Dick na série Os Simpsons, conhecida por seu tom burlesco e altamente ácido ao parodiar narrativas culturais de diversas tipologias. Dentre a lista de episódios que mencionam o clássico, temos Martin lendo o livro (segunda temporada), uma citação do Sr. Burns ao desativar toda a energia da cidade (quarta temporada), uma referência à famosa linha de abertura “Call Me Ishmael” (sétima temporada), também de volta no título da loja de caramelos “Call Me Delish-Mael” (décima temporada), a passagem de Bart pela estante com exemplares de Moby Dick para Bobos (décima segunda temporada), a tentativa de Lisa explicar para Homer os esquemas que engendram uma vingança contra um animal quando o seu pai resolve aniquilar um urso (décima quinta temporada) e, na mesma temporada, uma pintura sobre o livro que acaba inspirando Margie a querer escrever um livro sobre caça às baleias, algo que ela acredita nunca ter sido feito antes. São várias as menções, sendo estas apenas parte de um recorte, afinal, a série atualmente se encontra com mais de 30 temporadas disponíveis.

E, por fim, contemplo brevemente o processo de intertextualidade do romance Moby Dick com os esquemas de jogabilidade de Assassin’s Creed, fenômeno deste sua primeira aparição na mídia em 2007. Série de jogos eletrônicos desenvolvidos pela empresa UBISOFT, temos aqui a premissa acerca da rivalidade entre duas sociedades ancestrais: os assassinos e os templários, ambas em contato com uma sociedade anterior ao advento do que hoje concebemos como humanidade, numa proposta narrativa que mescla fatos históricos e clássicos da literatura. Em sua interface, podemos acompanhar a saúde, progresso, momento da história, equipamentos e objetivos do jogador, num processo bastante dinâmico e que requer atenção minuciosa dos envolvidos. Dentre os objetivos, temos assassinar algum alvo, se infiltrar em locais proibidos ou resgatar algum artefato valioso. Ao emular o lado aventureiro do romance, o jogo foca na caça ao cetáceo, sendo possível para o jogador arpoar um destes animais marinhos e comprar a pele de baleia branca, numa referência ao tom da criatura marinha, presença que deve ser massacrada ao máximo pelo arpoador para conseguir manter bons resultados na empreitada.

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